Tiros em Berlim

Antes mesmo da abertura oficial, Bravura Indômita (True grit, EUA, 2010), novo filme dos irmãos Coen, causou tumulto na Berlinale. Ontem à tarde, a sessão para a imprensa lotou duas salas do complexo Cinemaxx e a coletiva com os diretores e elenco deixou bastante gente pra fora. A favor da procura está o fato do filme ter sido indicado a dez Oscar e estrear na Alemanha apenas no dia 24. No Brasil ele entra em cartaz hoje e deve ser visto antes de tudo por ser um ótimo programa.

Após dez minutos sob flashes e urros emitidos por fotógrafos para atrair o olhar de Jeff Bridges, Josh Brolin e da estreante Haille Steinfeld, a coletiva comecou com uma pergunta sobre as semelhanças entre True Grit e O grande Lebowski (1998), o outro filme dos Coen com Bridges no papel principal. Se a comparação entre o “Dude” dos anos 60 e um suposto “Dude” do velho oeste teria algo de absurdo, Joel Coen aproveitou a ocasiao para lembrar que a ultima vez que estiveram em Berlim foi com aquele longa. “O filme foi melhor aqui do que nos Estados Unidos”.

O usual bom humor na lida com a imprensa foi mantido ao longo do encontro. Bridges foi irônico sobre o sotaque de texano bebado de seu personagem, o xerife decadente Rooster Coburn. “Me desculpem pela initeligibilidade dos meus diálogos. Felizmente temos as legendas”. Vencedor do Oscar em 2010 por Coração Louco, o ator esta ainda melhor em True Grit. Se levar a estatueta novamente este ano, será um dos poucos atores premiados em dois anos seguidos e o unico por um papel que ja rendeu o Oscar a outro ator, John Wayne.

O fato de haver um filme homonimo dirigido em 1969 por Henry Hataway fez os jornalistas repetirem ao infinito o termo “remake”, totalmente rejeitado pelos diretores. “Nao refizemos um filme antigo. Nos entusiasmamos ao ler o livro de Charles Portis, e como se aqueles personagens realmente tivessem existido”, disse Joel.

Utilizando recursos literários como parábolas, passagens e citações bíblicas, os irmãos Coen estão a cada filme mais alinhados com a tradição narrativa do cinema norte-americano. Grandes planos, história linear sem tramas paralelas aumentam essa impressão. Ainda assim, eles negaram a pretensão de retomar a mitologia do western. “Não temos essa ambição. E muito menos queremos seguir a tradição de John Ford. O filme trata de coisas mais prosaicas”, disse Ethan.

True Grit trata da vinganca pessoal de uma garota de 14 anos, Mattie Hoss (interpretada com vigor por Steinfeld), cujo pai foi assassinado por Tom Chaney (Brolin), alguem que tentou ajudar numa noite de bebedeira. Mais esperta do que todos os adultos, ela convence dois xerifes – alem de Coburn temos LaBoeuf (Matt Damon, disfarcado com bigode e chapeu). Em território indígena há outros foragidos, o que leva os homens da lei ao embate.

Apesar das evasivas, inclusive sobre uma suposta tentativa de compreender a América contemporânea (“acho que isso nao tem relevância”, disse Joel), e possivel encontrar paralelos com o filme anterior dos Coen, Onde os fracos não têm vez, vencedor do Oscar. Este se passa em 1980. O novo, em 1880. Entre os extremos do século que separa as duas histórias, temos um mesmo país, forjado pela ganância e violência. Indícios não faltam: em busca de Chaney, Coburn chuta índios como fossem cachorros.

“Não é nada pessoal”, disse Joel a uma jornalista australiana que o questionou sobre as cenas sangrentas, entre elas, um ultra-realista tiro no rosto. “Para nós, tudo se resume a contar uma boa historia”.

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