Homenageado do dia no Cine PE, Fernando Meirelles diz que seus filmes são sempre uma “ação entre amigos”

Poucos filmes foram tão influentes quanto Cidade de Deus. Antes dele, seria possível imaginar Carandiru ou Tropa de Elite? O filme é tão importante para o cinema nacional quanto para o diretor Fernando Meirelles. O sucesso obtido com o longa abriu caminho para uma carreira internacional que inclui o privilégio de adaptar um romance de José Saramago e dirigir atores como Anthony Hopkins, Jude Law e Rachel Weisz, estrelas de 360, sua mais nova produção.

Na noite de hoje, Fernando Meirelles recebe homenagem do Cine PE, tanto pelo conjunto da obra quanto pelos dez anos de Cidade de Deus. Na ocasião, será exibido um teaser de documentário de Cavi Borges e Luciano Vidigal, em produção no Rio de Janeiro, sobre o destino dos atores de CDD. Além disso, na próxima terça-feira às 17h será exibido o longa Xingu, de Cao Hamburguer, com produção da O2 de Meirelles. A O2, é bom lembrar, assina filmes como Vips, José e Pilar, À deriva e Lixo Extraordinário.

Enquanto 360 não chega aos cinemas, Meirelles toca à frente seu novo longa, Nemesis, que conta a história do milionário Aristóteles Onassis e tem o ator Michael Fassbender (Shame) cotado para o papel de Bobby Kennedy. Além disso, ele participa de um novo projeto chamado Rio, eu te amo, onde dirigirá um dos episódios, ao lado de gente como Guillermo Arriaga (de Babel) e José Padilha (Tropa de Elite). A produção é de Emmanuel Benbihy, que já fez o mesmo nas cidades de Paris e Nova York.

Em entrevista ao Diario, Meirelles coloca a carreira em perspectiva e aproveita para desabafar sobre a recente aprovação do novo código florestal. Ele faz parte da Campanha Floresta Faz a Diferença, que defende a preservação. “Aqueles deputados aloprados não fazem ideia do desastre que vão causar ao país”. A seguir, a entrevista.

Cidade de Deus abordou a violência urbana de uma maneira nunca vista no cinema nacional. Você pretende retornar a esse universo?
Acho que CDD falou de uma área de violência no Brasil mas não de forma violenta. Não há sangue espirrando ou nenhuma imagem de violência gráfica e isso não foi por acaso. Não gosto de filmes onde tenho que desviar o olho da tela. De qualquer maneira, de pois de CDD, da série para TV Cidade dos Homens, acho que minha cota deste tema já foi cumprida.

Dez anos depois, como você avalia a importância de Cidade de Deus para a carreira?
Foi um divisor de águas, evidentemente. Houve ali um encontro de tema, talentos e circunstâncias tão felizes que me pergunto se algum dia terei a mesma sorte na vida, de estar na hora certa, no lugar certo, com as pessoas certas e uma fome de bola do tamanho do mundo.

Cavi e Luciano produzem documentário sobre o destino dos atores de CDD. Como você vê esse projeto?
Tenho tentado ajudá-los extra-oficialmente, na medida do possível. Não quis me envolver na produção para que não virasse um filme meio chapa-branca. Eles têm que ser independentes para poderem montar a visão deles do processo do filme.

Após três produções internacionais, em que mudou sua maneira de trabalhar?
Tecnicamente acho que não houve grandes mudanças. Quando rodei CDD já era bastante rodado em sets. Mas sinto que hoje estou muito mais esperto para ler roteiros e conseguir compreender, ao mesmo tempo, a estrutura, a qualidade dos diálogos, a consistência dos personagens, ver os arcos dramáticos. A experiência tem algum valor afinal.

Quais os prós e contras de filmar fora do Brasil?
Os contras são não poder filmar em português, não estar falando da minhas raízes e ficar tanto tempo longe de casa. Os prós são a facilidade de financiamento, a distribuição mundial, a possibilidade de trabalhar com atores e técnicos que admiro e poder ter feitos muitos bons amigos, em muitos países. Me sinto em casa em muitos lugares deste nosso planeta. Gosto disso.

São muitas as exigências ao lidar com produtoras estrangeiras? Há restrições criativas?
Nunca aceitei convites para fazer filmes de estúdio norte-americanos justamente para não ter que lidar com pressões que vêm de fora do núcleo que está fazendo o projeto. Os filmes internacionais que fiz foram todos produções independentes, controlados criativamente pelo pequeno grupo que os fez. É sempre uma ação entre amigos. Valorizo imensamente as relações pessoais no trabalho, a vida é muito curta para ser de outra maneira.

Houve certa expectativa de que 360 fosse uma das atrações do Cine PE, já que você é um dos homenageados. Qual o plano para o filme?Houve mesmo, quando o lançamento estava programado para maio. Como 360 será lançado só em meados de agosto, a Paris Filmes (distribuidora) resolveu segurar a cópia. Achei uma pena. Mas pena mesmo estou sentido do Brasil, após a aprovação do patético Código Florestal proposto e apoiado pelo PMDB. A devastação que vem no rastro dos que assinaram é sem precedentes no país, e os efeitos serão mais arrasadores que o terremoto do Japão, em 2010. Por este efeito vir aos poucos, ninguém se dá conta. Me desculpa sair do assunto, mas está duro de absorver o golpe.

(Diario de Pernambuco, 28/04/2012)

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