3ª Mostra Sesc: os premiados

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Naruna Freitas, analista de cultura do Sesc Pernambuco, recebe prêmio em nome do elenco do longa “Mateus”, dirigido por Déa Ferraz. Foto: Conrado Secassi

A Mostra Sesc de Cinema terminou neste sábado (9/11), com o anúncio dos filmes premiados. Foram sete dias intensos em Paraty (RJ), em atividades muitas vezes paralelas, o que contrastou com a tranquilidade desta pequena cidade turística, e que contemplaram as três dimensões constitutivas do cinema: produção (oficinas), exibição (sessões de cinema) e reflexão (mesas temáticas, debates e lançamento de livros).

Cada premiado recebe R$ 20 mil em serviços profissionais, pelo mérito em categorias definidas pelo júri oficial, formado pela professora e crítica Ivonete Pinto (RS), o realizador Frederico Machado (MA), a atriz e realizadora Julia Katharine (SP), a crítica Lorenna Montenegro (PA) e o realizador Wertem Nunes (TO). São eles: “Ilha” (BA, 2018), de Glenda Nicácio e Ary Rosa (melhor encenação); “Parque Oeste” (GO, 2018), de Fabiana Assis (melhor uso de imagem documental); “Mateus” (PE, 2019), de Déa Ferraz (melhor elenco – Cláudio Ferrario e Odília Nunes); e “A praga do cinema brasileiro” (DF, 2018), de William Alves e Zefel Coff (melhor uso de arquivo).

Além disso, o júri concedeu menção honrosa, pela excelência técnica, para o curta “Almofada de penas” (SC, 2019), de Joseph Specker. Já o público concedeu prêmio no mesmo valor para o filme mais votado, no caso, “Orin – música para orixás” (BA, 2018), de Henrique Duarte. E Jurandir Amaral, diretor do curta “Quilombo Mata Cavalo” (GO, 2018), recebeu o prêmio personalidade, recém-instituído pela organização do MSC.

Com o fim da mostra em Paraty, começam dezenas de outras por todo o país. A partir de agora, filmes do Panorama Brasil, Panorama Infantojuvenil e das mostras estaduais serão exibidos em dezenas de unidades do Sesc e também em cinemas públicos, como o Cine Banguê, em João Pessoa-PB. Em Pernambuco, nada menos do que nove cidades receberão a MSC, que no estado cumpre papel de culminância para atividades de cinema que já vem sendo desenvolvidas ao longo do ano, com o Circuito de Formação Audiovisual. São elas: Garanhuns, Belo Jardim, Jaboatão dos Guararapes (Cine Teatro Samuel Campelo), Triunfo, Goiana, Caruaru, Arcoverde, Petrolina e Recife (Sesc Casa Amarela).

“Nosso coletivo é grande tal qual o nosso país. Nesse contexto, o audiovisual virou uma causa”, diz Fábio Belotte, que organiza a MSC ao lado de Marco Fialho. De uma maneira geral, pode-se entender o esforço da dupla não apenas pela busca por uma equidade regional, como pela defesa de pautas identitárias, ideias com potencial de intervenção prática, e de experiências sensíveis.

No contexto atual, em que mostras e festivais se realizam com dificuldade e até mesmo estão sendo cancelados, promover um ambiente de imersão, intercâmbio e produção de experiências, torna o MSC ainda mais importante. Entendendo o evento como uma culminância de um trabalho desenvolvido ao longo do ano, entre ações formativas e de exibição, o Sesc fortalece o cenário e se destaca como um dos principais incentivadores do cinema brasileiro.

* viagem a convite do evento

3ª Mostra Sesc: o Cinema da Praça

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Dos três espaços ocupados pela 3ª Mostra Sesc de Cinema, o Cinema da Praça merece atenção especial. Isso porque poucas cidades têm o privilégio de contar com um cinema de rua em suas feições originais. Se há algumas décadas lugares assim eram comuns na maioria das cidades brasileiras, hoje esta pequena sala em Paraty (RJ) se tornou uma verdadeira raridade.

Mais ainda porque ela está equipada com um projetor Barco 2K e um processador de áudio Dolby 5.1, o que garante ótima projeção digital. Além disso, ela preserva a arquitetura original, da fachada ao chão de madeira e as paredes com tijolos à vista, permitindo ao público a experiência de ir ao cinema assim como as gerações anteriores, de forma integrada à cidade (a sala fica na Praça da Matriz, ao lado da principal igreja da cidade, como era comum à maioria dos cinemas do interior).

O Cinema da Praça funciona onde antes ficava o antigo Cinema São Jorge que fechou há mais de 45 anos, quando passou a ser utilizado esporadicamente em eventos artísticos e culturais. A partir de 2015 ele passou por um criterioso processo de restauro sob os cuidados da Prefeitura de Paraty (RJ), voltando a funcionar em julho de 2018. Desde então, centenas de filmes foram exibidos gratuitamente para cerca de 27 mil pessoas – sem contar o público dos dez dias da MSC, que vem lotando algumas sessões. Nada mal para um cinema de 80 lugares, em cidade com população estimada em 35 mil habitantes.

Ao visitar a cabine de projeção, uma surpresa: Herik Sales, o projecionista, é ninguém menos do que o bisneto do antigo dono do Cine São Jorge, Pedro Stanisce. Herik conta que a história do cinema remonta aos anos 1930, e que a sala também passou pela administração de duas outras pessoas , conhecidos como Pirata e Vidal (que também tinha um restaurante ao lado do cinema). Pedro também desenhava e pintava os anúncios dos filmes em cartaz. Além disso, ele chegou a morar ao lado da cabine, no próprio cinema. O projecionista se chamava Charuto. Durante a conversa, Herik revela a ótima ideia de realizar um documentário sobre o bisavô e o Cine São Jorge.

Atualmente, o Cinema da Praça oferece uma programação voltada para mostras e sessões especiais, em parceria com embaixadas, eventos e instituições brasileiras (como o Sesc). De terça a quinta há sessões exclusivas para escolas, e de sexta a domingo com sessões gratuitas para o público da cidade.

* viagem a convite da Mostra Sesc de Cinema.

3ª Mostra Sesc: Curadoria

Marco Fialho fala sobre o processo curatorial da MSC 2019. Foto: Conrado Secassi

Se, diante do inusitado tema do Enem 2019 – “a democratização do acesso ao cinema no Brasil”, alguém se dispôs a refletir sobre a necessidade dos filmes brasileiros alcançarem todas as regiões do país, certamente poderia apontar a Mostra Sesc de Cinema como uma iniciativa exemplar de circulação e visibilidade da produção contemporânea. Há três anos o evento cumpre um papel de importância cada vez maior, mais ainda com o desmonte de políticas públicas de incentivo à produção e exibição independentes.

Curiosamente, o tema do Enem foi revelado no mesmo momento em que os organizadores da 3ª MSC apresentaram alguns dos princípios que guiaram as linhas curatoriais desta edição. Para chegar aos 42 filmes que serão exibidos em Paraty (RJ) e, logo depois, nas dezenas de unidades do Sesc país adentro, uma equipe formada por técnicos e colaboradores externos mergulhou em nada menos do que 1200 produções, que passaram por dois processos seletivos.

É isso mesmo, 1200 inscritos. Um universo e tanto para se pensar as diferenças e dificuldades de distribuição e acesso enfrentadas pelo cinema nacional.

“É uma curadoria longa”, diz Marco Fialho, um dos técnicos responsáveis pela realização da MSC. “Ela começa com as inscrições no começo do ano. A etapa estadual, que desenha o Brasil inteiro, é composta por dois representantes do Sesc e um externo”. Nesta fase foram selecionados 390 filmes, que além de irem para a segunda etapa, estão habilitados para serem exibidos em seus próprios estados.

Esta capilaridade, tanto no processo de observação quanto no de exibição, possibilita mapear filmes que os demais eventos não conseguem, tanto por questões sensíveis como geográficas mesmo. “É uma peneira importantíssima voltada para a ideia de diversidade, onde os seis filmes indicados por cada estado vão para uma segunda discussão, que definirá os seis representantes regionais – exceto o Nordeste, que com seus nove estados, tem cota de oito filmes”.

Tendo a equidade regional como critério diretor, a MSC se depara tanto com uma oportunidade como um desafio: o de alinhar diferentes formas de pensar e fazer cinema – e o país – a partir da diversidade. Diversidade que passa, inclusive, como lembrou Larissa Lisboa (Sesc Alagoas) pelo fim a restrição de metragem, incluindo assim produções de médias duração, e eliminando a obrigatoriedade de selecionar longas.

Sobre o ofício de selecionar filmes, Leonardo Almenara (Sesc Espírito Santo) diz que é preciso exercitar a sensibilidade e estar antenado ao momento histórico, além de compreender realidades específicas para “traduzir urgências e manter a representatividade”. A busca pelo equilíbrio também passa, de acordo com Almenara, pelo fato de o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais concentram mais da metade da produção nacional.

Diante dessa condição, a busca pelo contraponto é bem ilustrada pelo fato de, como informa Fernanda Sólon (Sesc Mato Grosso) todos os filmes selecionados serem do interior do estado. Fábio Belotte, analista de cultura do Sesc RJ e também organizador da MSC ao lado de Marco Fialho, fiz que na primeira e segunda edições da mostra o Rio ficou de fora, “porque as produções não estavam conectadas com a dos demais estados”. Desta vez, o estado participa com o curta “Jessika”.

História – Marco Fialho conta que o desejo de realizar a MSC surgiu em 2010, a partir da ideia de formar um coletivo nacional em que os analistas de cultura fossem os protagonistas, em vez de contratar uma curadoria terceirizada. “A partir de 2011 desenvolvemos um trabalho de formação de curadores no próprio corpo técnico e passamos a viajar, buscando imergir nas discussões e uma vivência mais ampla nos eventos de cinema”.

De olho na formação e aperfeiçoamento de curadores, a MSC oferece uma oficina com a professora e diretora do Cachoeira.Doc, Amaranta César. Decisão bastante acertada e em torno de uma situação urgente. Não há como democratizar o acesso ao cinema no Brasil sem questionar a programação das salas, festivais e fomentar novos espaços de exibição.

* viagem a convite do evento

3ª Mostra Sesc: Abertura

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Adélia Sampaio, em homenagem. Foto: Conrado Secassi.

Começa a 3ª Mostra Sesc de Cinema. Ao que tudo indica, tendo como termômetro a noite de abertura realizada ontem (2/11), podemos esperar um encontro estimulante em Paraty (RJ). Até o próximo sábado (9/11), 42 filmes serão exibidos e debatidos entre as pedras e as águas desta emblemática cidade histórica. Depois a programação será multiplicada em dezenas de unidades do Sesc de todo o Brasil.

Dos 42 filmes, 32 fazem parte dos panoramas regionais, formados por curtas, médias e longas, o que aboliu restrições de metragem – outra novidade deste ano e competem por prêmios em serviços no valor de R$ 20 mil cada, em categorias a serem definidas por júri formado pela professora e crítica Ivonete Pinto (RS), o realizador Frederico Machado (MA), a atriz e realizadora Julia Katharine (SP), a crítica Lorenna Montenegro (PA) e o realizador Wertem Nunes (TO). Além do júri oficial, o público também elegerá o seu filme favorito. Além disso serão exibidos dez curtas infantis e longas em sessões especiais, como “Bacurau” (PE), “Mata Negra” (ES) e “A Rainha Nzinga chegou” (MG), seguidas de debate.

O clima é de curiosidade, considerando que a mostra se baseia na produção recente das cinco regiões do país. E também de celebração: num ano de contexto adverso para eventos de cinema (e para os próprios filmes), a MSC cresce não só em estrutura – este ano são três locais programados com exibições, oficinas, mesas e lançamentos de livros, como em investimento na presença de realizadores, críticos, educadores e técnicos de praticamente todas as representações estaduais do Sesc que promovem ações de cinema.

Isso se refletiu já na cerimônia de abertura, que fez homenagem à realizadora Adélia Sampaio, primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem no Brasil: “Amor Maldito” (1984), será exibido na noite deste domingo (3), seguido de debate. Adélia, que na época enfrentou censura moral e institucional, falou durante a homenagem que, para fazer cinema em contextos difíceis é preciso coragem e amor para não parar diante de mágoas e outros obstáculos. Discurso que, sem dúvida, permanece atual. Nos últimos anos a importância de Adélia Sampaio tem sido lembrada também por uma mostra de cinema negro em Brasília que leva o seu nome, já na terceira edição.

Após a homenagem foram exibidos curtas de cada região do país, como uma amostra do que virá durante a semana. Foram eles: “Aurora” (SE), “Chamando os ventos” (PA), “Catadora de gente” (RS), “Guará” (GO) e “Jéssika” (RJ). Encerrando a cerimônia, uma surpresa: as compositoras Cátia de França, Déa Trancoso e Ceumar apresentaram o musical “Líricas Transcendentes”. A apresentação faz lembrar o protagonismo que o Sesc adquiriu no cenário cultural, se tornando referência em eventos de teatro (Palco Giratório) e música (Sonora Brasil), esforços nos últimos anos também voltados para o cinema, que agora ganha a sua melhor forma nesta 3ª MSC.

* viagem a convite do evento.