O mistério redentor

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Berlim é uma cidade de imigrantes. Impossível pegar um metrô sem cruzar com um estrangeiro, viajante ou descendente. Não são poucos os filmes a tratar dessa realidade pelo viés social, político ou cultural. Coube ao brasileiro Karim Aïnouz buscar uma compreensão existencial e cinematográfica desse movimento que impulsiona pessoas a buscar novos territórios e recomeços.

“Praia do Futuro” é seu quarto longa-metragem, que estreia mundialmente hoje, no Festival de Berlim, onde concorre ao Urso de Ouro. É também o projeto mais ambicioso e pessoal de Karim, filho de argelinos, nascido no Ceará, tendo morado em Paris, Nova York e em Berlim, onde alterna residência com o Brasil.

Não por acaso, o filme se posiciona como obra internacional, sem compromisso de fidelidade identitária com este ou aquele país, a não ser por razões particulares à história e a seu autor. A trilha sonora, por exemplo, conta com canções italianas, alemãs e inglesas, sendo “Heroes” a mais emblemática delas.

Cantada em inglês e alemão, a música de David Bowie sublinha o viés de cultura pop trazido para o roteiro por Felipe Bragança, com quem Karim já havia trabalhado em “O céu de Suely”. Personagens principais, os irmãos Donato (Wagner Moura) e Ayrton (Jesuíta Barbosa) respondem pelos apelidos de Aquaman e Speed Racer.

Na praia cearense que dá nome ao filme, uma tragédia une Donato a Konrad (Clemens Schick), imediatamente ligados fisica e amorosamente. Pouco tempo depois Donato deixa o Brasil, sem imaginar as consequências ou o impacto disso em Ayrton, o irmão mais novo. Em uma das melhores sequências, ele brinca em terreno baldio em Berlim, locação comum logo após a queda do Muro, atualmente cada vez mais raro como espaço a ser ocupado pela imaginação.

As sequências com motos em velocidade são sonora e visualmente instigantes, em cenas noturnas com a luzes coloridas distorcidas nos capacetes, representação do estado emocional dos personagens.

Estrangeiro em sua essência, o olhar de Karim busca horizontes pouco definidos entre o céu e o mar, mas principalmente a beleza possível entre quatro paredes ou no vazio nublado de quem se joga na vida. É o mistério redentor, como o próprio definiu na coletiva de imprensa.

PS 1: Nu frontal e sexo entre homens são colocadas em cena naturalmente, de forma a não causar polêmica ou espanto. No entanto, é o que deve acontecer, considerando os ânimos em torno de Wagner Moura, conehcido no Festival de Berlim como o Capitão Nascimento, de Tropa de Elite (Urso de Ouro em 2008, em júri presidido por Costa-Gavras). Desta vez, a decisão de qual será o melhor filme será de comissão liderada pelo norte-americano James Schamus (produtor de “O Segredo de Brokeback Mountain” e do recente “Clube de Compras de Dallas”).

PS 2: “Praia do Futuro” é a primeira co-produção entre Brasil e Alemanha realizado em âmbito oficial, firmado pelos dois países em 2008. O braço forte alemão é a Match Factory, responsável por filmes de Christian Petzold, Tom Tykwer e Apichatpong Weerasethakul. O filme também conta com a chancela da HBO, o que deve garantir a distribuição após a estreia comercial nos cinemas.

PS 3: Durante a Berlinale de 2012 entrevistei Karim Aïnouz, que estava começando as filmagens em Berlim e Hamburgo. Na conversa, o diretor compartilhou vários conceitos e visões que o guiaram pelo filme. Para ler, clique aqui.

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