Entrevista >> Antônio Leal: "O Brasil tem os festivais mais diversificados do mundo"


Foto: Lizandra Martins

A multiplicação de festivais de cinema é fenômeno recente, que vem desenhando um novo cenário para o escoamento da produção. Somente em 2011, 237 eventos se realizaram no Brasil, de acordo com levantamento do Fórum dos Festivais. No entanto, de acordo com Antônio Leal, vice-presidente da entidade, pela primeira vez em doze anos, o número de festivais diminui: são 24 a menos do que em 2010. Em entrevista ao Diario, concedida durante o Vale Curtas, em Petrolina, disse que a queda não significa crise.

Pelo contrário: novos festivais vêm suprindo demandas específicas, como o FantasPOA e o RioFan, especializados em cinema fantástico. O próprio Leal organiza o CineFoot (RJ), sobre filmes que tratam de futebol. Com a Retrospectiva Kubrick, em novembro passado, o Janela Internacional de Cinema do Recife promoveu o que pode se chamar de experiência cinematográfica completa, muito além do que o circuito comercial pode oferecer. Eventos semelhantes despontam, como a Semana dos Realizadores (RJ) e o Cine Esquema Novo (RS).

No entanto, o atual panorama motivou cinco eventos a sair do Fórum e criar a Frente dos Grandes Festivais, formado pelo Cine PE, Cine Ceará e os festivais do Rio, Gramado e Brasília. Esses e outros assuntos serão tratados hoje, em encontro nacional do F[orum dos Festivais, durante a 15ª Mostra de Tiradentes (MG). Leia mais a seguir.

A queda do número de festivais pode representar uma crise?
Não. O Brasil tem hoje os festivais de cinema mais diversificados do mundo. Apesar do quadro econômico desfavorável, os festivais conseguiram continuar. Os que “sumiram” estavam na primeira ou segunda edição, em fase de se consolidar. É uma flutuação normal.

Em entrevista recente, Alfredo Bertini (diretor do Cine PE) defendeu a diferenciação de festivais como acontece no futebol, em série A e B. Para isso, não deveria haver uma “CBF”?
Não existe série A e série B dos festivais, assim como em qualquer outra atividade da produção audiovisual. Todo festival tem sua grandeza e importância, que não é medida pelo porte econômico. São eventos importantes nas localidades onde atuam, muitas vezes realizados sem recursos. Notamos que festivais assim têm crescido e eles são tão importantes quanto os realizados há décadas ou os de orçamento elevado.

O que muda com a FGF?
Vamos continuar a nossa missão de fortalecer o circuito de festivais e fazer com que este segmento estratégico se torne cada vez mais reconhecido. O que se altera é o caráter amplo e abrangente que demarcou a atuação do forum nos seus doze anos de atuação. A saída deles é legítima, não há dúvida. Assim como dar um foco corporativo e empresarial para suas atividades. O Fórum continua fortalecido, pois atua em nome de todos os festivais, independente do porte. Inclusive aqueles que saíram serão beneficiados com as futuras conquistas do fórum. Mas os beneficios obtidos por eles não estarão ao alcance dos demais.

A criação da FGF coincide com a ascensão de novos festivais. Há uma nova conjuntura?
Há uma nova geração de festivais com preocupação mais estética do que comercial. É um reflexo da produção, pois eles surgem como canal para escoar essa produção. A maioria é de pequeno e médio portes, com orçamentos modestos, e surgem porque não conseguimos ver esses filmes nas salas comerciais. São espaços de legitimação dos investimentos feitos na produção.

Há também uma tendência à segmentação.
Sim, hoje temos festivais de cinema ambiental, de diversidade sexual, universitário, de cinema infantil, de filmes sobre futebol. Eles promovem uma riqueza grande, não demandam orçamentos astronômicos e fazem com que a população tenha contato com outros filmes. Essa é a principal função de um festival, considerando a ausência da salas no interior e o alto valor do ingresso dos cinemas comerciais. Onde vamos assistir a curtas, senão nos festivais?

(Diario de Pernambuco, 23/01/2012)

Cine PE tipo exportação

Durante a realização da 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife em novembro passado, Alfredo Bertini, diretor do Cine PE – Festival do Audiovisual, anunciou a criação de uma Frente dos Grandes Festivais (FGF). A nova entidade, que inclui os festivais do Rio, Gramado, Brasília, Ceará e Pernambuco (e está de olho em Paulínia, Anima Mundi e É Tudo Verdade), surgiu para defender interesses específicos dos maiores festivais do país, que até então faziam parte do Fórum dos Festivais, do qual o próprio Bertini foi presidente.

Em conversa com o Diario, Bertini explica a FGF, antecipa algumas novidades do Cine PE – que neste ano se internacionaliza em parceria com países africanos – e critica os sistemas de patrocínio a eventos culturais: “O mecenato é fundamental para os produtos culturais com inclinação para o mercado”. Fala ainda sobre os dois longa-metragens que sua empresa, a BPE, está produzindo: o documentário Sons da esperança, de Zelito Viana, sobre a Orquestra Cidadã Meninos do Coque, e uma comédia de ficção que deve começar a ser filmada nos próximos meses. “Será a maior produção de cinema do estado e a primeira grande comédia urbana nordestina”, diz o produtor.

Entrevista: Alfredo Bertini: “Pernambuco precisa de lei do mecenato”

O que os angolanos esperam dos brasileiros?
Aprender. Eles vieram para cá, viram o Cine PE e ficaram impressionados com a quantidade de público. Então, a BPE fez um acordo de cooperação com o governo de Angola. Com isso, esperamos oferecer uma consultoria para que o Festival de Luanda seja melhor organizado. A ideia é fazer com que ele saia da muleta do governo e ande com as próprias pernas, sem a retaguarda do estado.

Como essa ponte pode ser viável, economicamente?
Apesar dos vários problemas, Angola está crescendo mais do que o Bric. Eles têm condições de realizar projetos culturais, mas não sabem como. O país é o maior produtor mundial de diamantes, o segundo maior de ouro e o quinto maior de petróleo. Mas vive em regime ditatorial, em transição do socialismo para o capitalismo. Olhamos muito para os festivais da Europa e EUA, com os quais temos muito o que aprender. Mas há outros para os quais podemos ensinar. Cabo Verde, Argélia e Guiné Bissau demonstraram interesse em discutir perspectivas. Além disso, recebemos convites para conhecer o festival de Moçambique. Em troca, vamos trazê-los para o Cine PE.

Como você vê o crescimento do número de eventos de cinema em Pernambuco?
Não temos nada contra, mas são projetos locais, que precisam ter planos específicos por parte das políticas de incentivo. No Ceará, por exemplo, hoje existem oito festivais. E o Banco do Nordeste, além de mobilizar recursos para o Cine Ceará e Cine PE, que são projetos nacionais, que têm uma história, direcionou o mesmo investimento para a primeira edição de outro festival. Essa política é um equivoco. Do ponto de vista de estratégia de marketing, a pulverização enfraquece a marca.

Mas isso não impediria o fortalecimento de novos festivais?
A gente não começou grande. Todo mundo pode crescer, essa é a dinâmica da economia da cultura. Em algum momento, quem depende de fundo vai para o mecenato e novos projetos passam a demandar pelo fundo. E como esses projetos, pela própria dinâmica, precisam evoluir, o alvo final seria um estágio de independência total das garras do governo. Até mesmo do mecenato.

A fundação da FGF tem sido comparada à classificação dos times de futebol, divididos em série A e B.
Mas é isso mesmo. São as regras do mercado. Tem que ter primeira e segunda divisão. O futebol faz isso porque não dá para comportar todo mundo. A grande questão está no fato de não se depender apenas da “visão editalesca” que tomou conta da cultura. Esse é o risco de quem, em nome da democracia, exagera na dose e perde de vista o essencial, que é a meritocracia.

Por isso a saída do Fórum dos Festivais?
Distorções conceituais nos fizeram sair. Atualmente, existem 270 festivais no Brasil. Não somos contra, a produção precisa escoar. Mas cada um tem interesses e finalidades diferentes. Não dá para tratar a todos da mesma forma, com o mesmo edital. Esse é o conceito que defendemos na FGF. Apoiamos a Lei Rouanet, mas a maioria acha diferente, que tem que ter fundo. Não dá para ficar prejudicado com o corte de recursos da Petrobras. Temos que tomar alguma atitude. A cada ano perdemos R$ 150 mil com a desvalorização monetária.

Quais interesses serão defendidos pela FGF?
Mobilizamos os grandes festivais de cada região, que fazem parte do calendário nacional, para pressionar governos por um tratamento diferenciado. Por exemplo, minha proposta de investimento do Cine PE não cabe no Funcultura, tem outro perfil. Tenho perdido patrocinadores que estão nos festivais do nosso grupo, justo porque Pernambuco não tem lei do mecenato. Penso que Eduardo Campos precisa rever isso com urgência, sobretudo se perdermos algumas vantagens da Lei Rouanet, no bojo da proposta do Procultura. Nesse sentido, daria para apostar num quadro novo de mecenato, apenas direcionado para os projetos de dimensão e reverberação nacional. Parceiros privados viriam, dispostos a contrapartidas de até 30%.

O patrocínio da Petrobras já não garantiria a continuidade dos festivais?
Como somos eventos de grande porte, somos convidados pela Petrobras. O lucro fiscal da empresa tem diminuído, o que gera uma brutal redução nos recursos de incentivo à cultura. O quadro para 2012 é preocupante, a ponto de a empresa já ter definido o direcionamento para os mecenatos estaduais, nos casos possíveis. Defendemos que o investimento seja retomado para os padrões de 2008, priorizando antes os grandes eventos de audiovisual, pois eventos que nasceram ontem estão recebendo quase o mesmo patrocínio. Também vamos sugerir uma cláusula nos editais de produção de filmes, que determina que, para o filme ser patrocinado, sua primeira exibição deve acontecer em um dos grandes. É uma saída para elevar o nível da programação.

Mas isso não pode prejudicar a carreira do filme no exterior?
Não. Festivais como Cannes, Berlim e Veneza não exigem esse tipo de ineditismo. Se o filme for exibido no próprio país, não há bloqueio. Eles sabem que existem compromissos. Temos enfrentado esse problema por anos. Por exemplo, desde outubro de 2010 Heleno (de José Henrique Fonseca) estava previsto para estrear no Cine PE. Em janeiro, ele disse que não colocaria porque estava esperando a posição de Berlim. Não entrou. Liguei pra ele e ele disse: estou esperando Cannes. Também não entrou. Será uma atitude correta com os festivais brasileiros, já que os filmes são realizados com dinheiro público? Vamos fazer reserva de mercado, sim. Não vamos perder espaço para os internacionais porque os diretores querem massagear o ego.

Quais as novidades para o Cine PE de 2012?
O festival chegou ao tamanho que a gente queria. Escutamos setores e participamos de seminários, o que nos levou a algumas mudanças. Neste ano, a Mostra Pernambuco será no Centro de Convenções. A competição de curtas unificou os formatos digital e 35mm em uma única mostra e o padrão mínimo para produções em digital será o Full HD. Já temos dois homenageados e o filme de abertura definidos. A programação será em uma semana fechada, com cinco longas e 18 curtas na mostra competitiva oficial. Creio que, com isso, o Cine PE atingiu o modelo ideal. Também estaremos lançando o livro comemorativo dos 15 anos.

Além do Cine PE, quais os outros projetos da BPE?
Finalizamos as filmagens de Sons da esperança, que vai encerrar a programação do próximo Cine PE. Estou muito satisfeito, com o projeto de filme de ficção, que será dirigido por André Moraes. Somos quatro sócios, sendo duas produtoras do Rio de Janeiro e uma de São Paulo. Há duas distribuidoras em negociação. A história será ambientada em 1985 e terá como trilha todos os sucessos nacionais da época. Adriana Falcão e Nelson Caldas estão revisando o roteiro, escrito por mim. O elenco terá cerca de 50 artistas, a maioria pernambucanos. O orçamento será de R$ 7,2 milhões.

O que falta para Pernambuco ter uma indústria cinematográfica?
Em 2005 fundamos um Sindicato da Indústria Cinematográfica de Pernambuco, do qual fui presidente. Nos vinculamos à Federação das Indústrias, que nos deu total apoio, mas não geramos contribuição e pedi suspensão temporária. Agora, no festival, quero reunir o maior número possível de interessados e retomar essa discussão. O problema é que são poucas produtoras no estado, a maioria de atividade esporádica. E não dá para falar de indústria cultural em Pernambuco se a maior parte da produção é mantida com recursos públicos, direcionados a pessoas físicas. Por isso a necessidade de uma lei do mecenato, que estimule a busca pelo mercado.

Saiba mais

Recifense de 1961, Alfredo Bertini é doutor em economia pela Universidade de São Paulo.

Tem carreira como professor universitário, consultor e autor de livros especializados, entre eles, Economia da cultura (Editora Saraiva).

Foi secretário adjunto do estado de Pernambuco em 1994 e 1995. Após visita ao Festival de Gramado, começou a desenvolver o projeto de um festival de cinema para o Recife.

Em 2004 e 2005 foi secretário de Turismo e Esportes da Prefeitura do Recife e, logo depois, presidente do Fórum dos Festivais.

É diretor – junto com a esposa Sandra Bertini – do Cine PE — Festival do Audiovisual, que em 2012 completa 16 anos.

(Diario de Pernambuco, 02/01/2012)

Em busca de um diálogo

Cerca de 30 realizadores, representantes do público, entidades e representantes de classe se reuniram na noite de quarta na Fundação Joaquim Nabuco (Derby). O objetivo, elaborar um documento com propostas para o próximo Cine PE – Festival do Audiovisual. Na última semana, o evento terminou com um protesto na noite de premiação, em que diretores pediram mudanças estruturais e mais respeito com a projeção dos filmes. Não é de hoje a insatisfação do setor com a maneira com que o festival é conduzido. E a falta de sintonia entre ambos já pode ser considerada histórica.

A reunião enumerou oito pontos principais, que serão revelados primeiro à direção do Cine PE e depois virá a público. “Ficou um clima de briga que a gente quer dissipar. A ideia não é tensionar, mas discutir, buscar ideias em outros festivais do país, buscar um clima de entendimento”, diz Marcelo Pedroso, da Símio Filmes. “Objetivo é aumentar a interlocução, tendo em vista que nós somos uma parte importante do festival”, diz Felipe Calheiros, do coletivo Asterisco.

Em nota à imprensa, a direção do evento disse que já se retratou publicamente sobre os contratempos provocados pela forte chuva que se abateu no Recife. “Renovamos nosso compromisso sagrado com os valores da terra, bem como o espírito de ‘portas abertas’ às críticas e sugestões para as próximas edições”, diz um trecho da carta, assinada por Alfredo Bertini.

“Se hoje estamos fazendo esse documento é porque as tentativas anteriores não tiveram efeito”, diz Calheiros. “Os realizadores e membros da comissão não se sentem ouvidos. Por isso se mobilizaram na reunião de ontem. Precisamos discutir a forma como a seleção é feita e como os filmes são exibidos. Todos tem a lucrar com o canal aberto”, diz Mariana Porto, da seção pernambucana da Associação Brasileira dos Documentaristas – ABD. Na próxima quinta, uma carta será redigida por uma comissão, para posteriormente ser entregue pela ABD à direção do festival.

(Diario de Pernambuco, 12/05/2011)

Cine PE 2011 – noite sete e balanço

Com uma premiação que favoreceu o cinema paulista, terminou na última sexta-feira o 15º Cine PE. Estamos juntos (sete prêmios) e Família vende tudo (quatro prêmios) monopolizaram o resultado dos longas. Tempestade e Flash, foram eleitos pelo júri oficial os melhores curtas. Apesar do racha provocado por Casamento brasileiro, de Fauzi Mansur, a crítica se alinhou ao júri e aponta para Estamos juntos como o melhor. Alguns consideram o filme de Mansur inclassificável, outros, uma joia antiga e inesperada. Saiu do festival sem nada.

Os curtas eleitos pela crítica são da pesada: Ovos de dinossauro na sala de estar apresenta figura peculiar, a viúva de ex-cônsul da Itália, com quem formou a maior coleção particular de fósseis da América Latina. Norueguesa, ela fala em português terrível e age a partir de um estranho sistema de pensamento. O filme corresponde. É tão quadrado e radical quanto a personagem.

Calma, Monga, calma! mostra o Recife maldito, que só não poderia ser outra capital por conta das referências do jornalismo e cultura local. Elas levam ao riso mas, ao mesmo tempo, o filme consegue ser divertido, sinistro e arredio. Usa refinamento visual e técnico (há travellings e uma grua se eleva sobre a Conde da Boa Vista no final) para mostrar um mundo sujo, de monstros e boemia.


Vencedores posam para foto
Crédito: Daniela Nader

A maior surpresa talvez foi o prêmio de melhor ator ir para Caco Ciocler, no papel do cantor brega Ivan Cláudio, o rei do xique. Tanto que Ciocler nem estava na cerimônia para receber o Calunga. Favorita, Leandra Leal também não estava, mas por outro lado está mais longe (em NY).

Ao longo da premiação, vale registrar o agradecimento de Hilton Lacerda a Walt Disney. Foi na verdade uma referência ao curta de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, Praça Walt Disney, inexplicavelmente deixado de fora da competição. E um protesto por Renata não ter levado prêmio de melhor direção de arte por Estamos juntos, reiterado por Rui Pires, produtor do filme, que recebeu o Calunga de melhor fotografia no lugar de Lula Carvalho: “se não fosse a direção de arte, Lula não teria o que fotografar”.


Pernambucanos fazem protesto
Crédito: André Dib

Balanço – Para citar o slogan deste ano, foram sete dias de “emoções inesquecíveis”. Do sábado anterior, com público recorde na homenagem a Pelé, ao encerramento marcado por protesto de realizadores pernambucanos. A chuva foi fator contra. O medo de que um mitológico aguaceiro desabasse sobre a cidade atrapalhou bastante a programação de quarta e quinta-feira. Tapacurá não estourou (ao menos por enquanto), mas deixou marcas indeléveis no festival, que teve o público reduzido pela metade (15 mil pessoas) e atropelou a mostra de curtas, cujos minutos finais foram usados para passar recados e na quinta foram exibidos por último, após dois longas.

Em resposta ao tratamento, um grupo de dez diretores subiu ao palco durante a premiação, onde, em cima do bolo de debutante usado como decoração, estenderam faixa com a frase “menos glamour, mais cinema”. Em texto coletivo, foram reivindicados “menos palanque político e homenagens atrasando o horário dos filmes; que a Mostra Pernambuco seja integrada à programação do festival no Teatro Guararapes; que os curtas tenham sua projeção respeitada, sem qualquer interrupção durante os créditos, para a leitura de avisos; e que o festival respeite a integridade e a unidade da Mostra de Curtas e não faça repartições da projeção de forma aleatória”. A manifestação foi engolida a seco pelo cerimonial, que continuou a premiação como se nada tivesse acontecido.

Além do protesto, a insatisfação com o Cine PE levou aos realizadores a promover reunião aberta ao público, na próxima quarta-feira, às 19h, na Fundação Joaquim Nabuco (Derby). A ideia é criar um documento que será encaminhado pela seção pernambucana da Associação Brasileira dos Documentaristas à produção do festival e propor mudanças ao evento.

Alfredo Bertini, diretor do festival, disse que não entende por que a produção local não está satisfeita com o festival e que, em última instância, o que importa é o público. Sobre as reivindicações, ele admite a possibilidade de integrar a Mostra Pernambuco ao evento maior e assim dar mais visibilidade e divulgação à produção pernambucana. Como no Festival de Paulínia, uma noite de Cine PE poderia exibir dois curtas locais, quatro nacionais e um longa. Com a tecnologia atual, não há por que segregar curtas digitais e 35mm. Isso evitaria injustiças como a desclassificação do curta Haruo Ohara (SP), de Rodrigo Grota, cuja cópia digital estava em melhor estado do que a 35mm e, por ter sido selecionado para esta última, ficou de fora.

Basta, como o próprio Bertini considera, estabelecer a resolução HD como um dos critérios. Aliás, a qualidade técnica dos curtas este ano estava ok. Os piores casos vieram dos longas Casa 9, de Luiz Carlos Lacerda e Casamento brasileiro, de Fauzi Mansur, que estavam com imagem sofrível.

Cine PE também é memória. Lembrou de Baile perfumado. Trouxe à pauta Augusto Boal, em filme de Zelito Viana, que recebeu devida homenagem. Através de filme de Luci Alcântara, fez devido tributo a Jomard Muniz de Britto. Em Janela molhada, voltou ao cinema pré-Ciclo do Recife.

Outro acerto foi o novo sistema de júri popular, formado por cerca de 60 pessoas inscritas no site e escolhida de acordo com amostragem do público. Diferente de 2010, o resultado deste ano realmente correspondeu aos filmes que melhor foram recebidos pela plateia.

(Diario de Pernambuco, 08/05/2011)

Ranking da crítica para os longas do Cine PE (escala de 0 a 5)

Convidei um grupo de cinco críticos para, durante o Cine PE, avaliar os longas em competição. O resultado saiu dia a dia, na cobertura que fiz para o Diario de Pernambuco. Agora, reuno todos no mesmo espaço.

Família Vende Tudo, de Alain Fresnot
João Carlos Sampaio / A Tarde (BA) = 1
Maria do Rosário Caetano / Revista de Cinema (SP) = 2
Orlando Margarido / Carta Capital (SP) = 3
Paulo Henrique Silva / Hoje em Dia (MG) = 2
Rodrigo Fonseca / O Globo (RJ) = 0
Média: 1,6

Casa 9, de Luiz Carlos Lacerda
João Carlos Sampaio / A Tarde (BA) = 2
Maria do Rosário Caetano / Revista de Cinema (SP) = 2
Orlando Margarido / Carta Capital (SP) = 3
Paulo Henrique Silva / Hoje em Dia (MG) = 2
Rodrigo Fonseca / O Globo (RJ) = 4
Média: 2,6

JMB, o famigerado, de Luci Alcântara
João Carlos Sampaio / A Tarde (BA) = 1
Maria do Rosário Caetano / Revista de Cinema (SP) = 3
Orlando Margarido / Carta Capital (SP) = 2
Paulo Henrique Silva / Hoje em Dia (MG) = 2
Rodrigo Fonseca / O Globo (RJ) = 0
Média: 1,6

Vamos fazer um brinde, de Cavi Borges e Sabrina Rosa
João Carlos Sampaio / A Tarde (BA) = 2
Maria do Rosário Caetano / Revista de Cinema (SP) = 2
Orlando Margarido / Carta Capital (SP) = 2
Paulo Henrique Silva / Hoje em Dia (MG) = 3
Rodrigo Fonseca / O Globo (RJ) = 2
Média: 2,2

Estamos juntos, de Toni Venturi
João Carlos Sampaio / A Tarde (BA) = 3
Maria do Rosário Caetano / Revista de Cinema (SP) = 4
Orlando Margarido / Carta Capital (SP) = 3
Paulo Henrique Silva / Hoje em Dia (MG) = 4
Rodrigo Fonseca / O Globo (RJ) = 4
Média: 3,6

Casamento Brasileiro, de Fauzi Mansur
João Carlos Sampaio / A Tarde (BA) = 2
Maria do Rosário Caetano / Revista de Cinema (SP) = 1
Orlando Margarido / Carta Capital (SP) = 0
Paulo Henrique Silva / Hoje em Dia (MG) = 3
Rodrigo Fonseca / O Globo (RJ) = 3
Média: 1,8

Cine PE sob protesto (noite seis)


O “OVNI” retrô Casamento brasileiro, de Fauzi Mansur

A mostra competitiva do Cine PE terminou na quinta, novamente esvaziada pela paranóia sobre um possível alagamento da cidade. De acordo com a organização, a chuva que caiu durante os sete dias de evento foi o motivo do público ter se reduzido em 50%. Ou seja, durante uma semana, 15 mil pessoas circularam pelo Teatro Guararapes e nas mostras infantil e itinerante.

O assunto principal da noite foi o tratamento dado pelo festival aos curtas. O motivo foi a soma do longa-metragem Estamos juntos, de Toni Venturi, ao programa, já que ele não foi exibido na quarta por conta de um aviso de tempestade. Originalmente, o plano seria exibir quatro curtas e, após intervalo, um longa. Com a mudança, a ordem foi randomizada para dois curtas + um longa + um curta + um longa + três curtas. Sem intervalo, para não estender ainda mais a duração.

O último curta, Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles, terminou depois da 1h, em sessão para cerca de 300 pessoas, que aguardaram seis horas para assisti-lo. Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hugues, ficou espremido entre dois longas. “Ele dialoga bem com os curtas digitais do começo, poderia estar lá”, diz Marília. “Isso não se deve às chuvas, mas à organização do evento. Até agora não tive explicação plausível”, diz Felipe Peres Calheiros, de Acercadacana.

Seu filme estava programado para 19h e foi exibido às 23h30. Como forma de protesto, uma faixa onde se lê “menos glamour, mais cinema” foi estendida ontem por realizadores, durante a cerimônia de premiação. Além deles, foram exibidos Peixe pequeno (PE), de Vincet Carelli e Altair Paixão, O rio e eu (PR), de Diego Lopes e Claudio Bitencourt e O céu no andar de baixo (MG), de Leonardo Cata Preta.

Alfredo Bertini, diretor do Cine PE, disse que não havia outra saída. “Os longas passaram antes porque dois membros do júri iriam para Cannes naquela mesma madrugada. Com mudanças desse tipo, sempre alguém se sente prejudicado. Disse a eles: ‘vocês são pernambucanos. Segurem a peteca”.

Outro ponto de tensão diz respeito ao melhor longa-metragem do festival. Após exibição de Estamos juntos e Casamento brasileiro, de Fauzi Mansur. Com Leandra Leal e Cauã Reymond, o primeiro é uma poderosa crônica sobre a vida na cidade grande
e sua influência nas relações entre os moradores. A união de talentos como Hilton Lacerda (roteiro), Renata Pinheiro (arte) e Lula Carvalho (fotografia) torna escandaloso o abismo estético entre este e os demais concorrentes.

Com aparência de uma fita VHS que saiu da máquina de lavar, Casamento brasileiro é um representante tardio do cinema popular dos anos 1970. O filme trata de um rapaz que monta as gravações do pai, que filma matrimônios numa cidade do interior, conduzidos por casamenteiro vivido por Nelson Freitas. Veterano da chanchada (A ilha dos paqueras e A noite do desejo), Mansur estava há 20 anos sem filmar e isso fica claro no resultado.

A crítica rachou ao meio. “Ele está mais vivo do que 90% da seleção do festival. Do ponto de vista da linguagem, é o único a criar um universo, o maior desafio do cinema de ficção. É também o melhor trabalho de atuação. Nelson é uma exceção de talento e carisma, que deveria ser tratado com mais respeito”, diz Rodrigo Fonseca, crítico de O Globo.


Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles

Dois bons curtas – A mudança de horário pode ter reduzido o público, mas não o brilho dos curtas exibidos na quinta-feira. Os pernambucanos foram os mais instigantes. Parceria da Símio Filmes com a produtora Cinemascópio, Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles, faz uma contribuição e tanto à filmografia zumbi. O filme esquadrinha o cotidiano de um adicto de academia, um professor de musculação movido a barras de ferro e esteróides. O cinemascope (tela larga) tem finalidade prática e conta a favor da imagem de luz e sombras tenebrosas construídas por Pedro Sotero. Humor negro, suor e músculos.

Produzido pela Asterisco, Acercadacana de Felipe Calheiros tem o grande mérito de unir rigor estético e engajamento político. A linguagem adotada para descrever a vida de Dona Maria Francisca, isolada em casebre no meio de um imenso canavial, é tão forte quanto sua denúncia – ela enfrenta a hostilidade da Petribu, uma empresa do açúcar que quer expulsá-la da casa onde mora há quatro décadas.

Em certo momento, há um “duelo” entre o chefe da segurança da empresa, com uma arma na cintura, e Dona Maria, com uma câmera na retaguarda. Bem lembrado por Hilton Lacerda, há um diálogo com Baixio das bestas (de Cláudio Assis), que também se passa na Mata Norte e constrói um espaço atemporal. A lucidez e verdade presentes no filme só aumenta a curiosidade do que Calheiros e a Asterisco devem fazer a seguir. Olho neles.

(Diario de Pernambuco, 07/05/2011)

O rochedo e a estrela, de Kátia Mesel, encerra o Cine PE hoje à noite

O Cine PE termina hoje, com cerimônia de premiação, homenagens à montadora Vânia Debs, o governador Eduardo Campos e os 15 anos de Baile Perfumado. Encerra o programa a premiére de O rochedo e a estrela, de Kátia Mesel (Recife de dentro para fora). Além da direção, ela assina o roteiro, direção de arte e produção de seu primeiro longa, que custou R$ 1,3 milhão.

Rodado em quatro países, o documentário trata da mitológica rota percorrida por 23 judeus holandeses que, para escapar da perseguição portuguesa, fugiram de Pernambuco para Nova York, na época um entreposto comercial. Antes, Kátia participa de debate com o historiador Eduardo Bueno, coordenado por João Gabriel (Revista Bravo!). Será no Recife Palace Hotel (Boa Viagem), às 15h.

O rochedo e a estrela foi realizado ao longo de 13 anos, período em que Kátia alega ter enfrentado problemas com a captação de recursos. A princípio, o filme seria uma ficção, orçada em R$ 7 milhões. O roteiro começou a ser desenvolvido em 1998 e há menos de 30 dias foi finalizado em 35mm e audio Dolby 5.1. A direção de fotografia é de Rodolfo Sanchez, com câmera de Beto Martins; a edição, de Claudio Fernandes; e a trilha sonora, de Lula Côrtes, com quem Kátia foi casada e dedica a sessão. “Lula me falou: ‘vou dar um presente’. Por isso peço para que não saiam durante os créditos, pois vou fazer uma surpresa nessa hora”.

Lírio Ferreira, Paulo Caldas e Hilton Lacerda confirmaram presença na homenagem a Baile perfumado. A ocasião é delicada, já que o produtor Germano Coelho e o fotógrafo mineiro Paulo Jacinto,o Feijão, faleceram recentemente. “Eles foram fundamentais. Muita gente trabalhou nesse filme, mas nesse momento eles são os grandes homenageados”, diz Caldas.

Entrevista Kátia Mesel

Pernambuco foi capital do Brasil holandês por 24 anos. Por que retornar ao momento?
O filme mostra o Recife como luz da liberdade. A grande importância de contar essa saga é realçar como a liberdade se desenvolve em coisas positivas. Aqui se formou a primeira sinagoga das Américas, os judeus tiverem alguns anos de paz. As primeiras imagens do Brasil são dos pintores de Mauricio de Nassau. A cultura floresceu, a medicina evoluiu. Quero mostrar como a liberdade é importante não só para o indivíduo, mas para a coletividade.

Como foi o processo de pesquisa para O rochedo e a estrela?
Viajei muito. Fui para Portugual, Espanha, Holanda, Estados Unidos, Grécia. Naquela época não havia muitos documentos sobre o assunto e eu precisava não só do fato histórico, mas de consciência de como eles se vestiam, se comportavam, de como eram as navegações. Fiz uma pesquisa visual, étnica, conceitual, para nutrir a visão de como mostrar isso pras pessoas.

E como isso está resolvido na produção?
Sentindo falta do respaldo visual, fiz reconstituição de época para dar apoio visual e conceitual sobre como aquelas pessoas viviam. São pinceladas simbólicas, como na saída dos judeus no Marco Zero, em que coloquei pessoas carregando baús, cestas e fazendo a ondulação do mar. Usei de realismo, a minha caravela no Porto do Recife é a Caravela de Bubuska, com ele vestido de holandês. São licenças poéticas infinitas. Na Holanda, mostro um casario do século 17 em que passa uma bicicleta e isso não me constrange. Foram decisões que tomei para dar embasamento para as pessoas.

Você tem ligação direta com o judaísmo?
Sim, minha mãe não era e converteu-se. Meu pai é filho de um lituano com uma romena, que fugiram da primeira guerra e se casaram em Pernambuco. É uma mistura de cigano com Conde Drácula.

Além do tema, a demora gerou mais curiosidade em torno do filme, inclusive se ele realmente ficaria pronto. O que você diria a quem duvidou?
Que vá ver o filme. Eu mesmo passei por dúvidas se eu ia conseguir o dinheiro. Quem duvidou tinha razão, puxa vida, são mais de dez anos para fazer um filme. Mas agora que está pronto, é preciso assistir para dizer alguma coisa.

(Diario de Pernambuco, 06/05/2011)

Cine PE – noite cinco

O temor de que uma calamidade aquática acometesse o Recife comprometeu a programação de quarta no Cine PE. O curta Calma, Monga, calma! ainda estava na tela quando luzes ascenderam e o som baixou para a apresentadora Graça Araújo e o diretor do festival Alfredo Bertini avisarem que uma mega-chuva castigaria a cidade após a meia-noite. “Não há motivo para pânico, podemos ficar até o final”, disse Bertini, enquanto o público esvaziava o Teatro Guararapes. O plano era exibir o longa Estamos juntos sem intervalo, mas uma falha técnica provocou mais evasão e fez a equipe adiar o filme para o dia seguinte.

O desastre climático não ocorreu, mas a tempestade nos bastidores foi irreversível. É perceptível o estado de tensão entre Bertini e os realizadores. “Não foi dilúvio, foi delírio”, disse Petrônio de Lorena, diretor de Monga, sentindo-se prejudicado. Quando percebeu o erro, Bertini pediu desculpas e as luzes se apagaram novamente: “Não sabia que o filme continuaria durante os créditos. Jamais faria isso se não houvesse necessidade”. Na saída, circulavam informações, depois desmentidas, de que a Defesa Civil e o próprio governador teriam ligado para o evento, pedindo para que o aviso fosse dado. “Minha filha me ligou avisando que vinha uma chuva forte. Aí os jornais me ligaram perguntando se tomei providências. Então liguei para o Coronel Mário Cavalcanti, da Casa Militar, que confirmou a previsão”.

Esta não é a primeira vez que o festival interferiu com créditos dos curtas em andamento. Na segunda e terça-feira, eles foram desrespeitados em prol de pedidos para que o público permanecesse nas homenagens. Os demais curtas – O som do tempo, de Petrus Cariry, Flash, de Alison Zago, Tempestade, de César Cabral, Falta de ar, de Ércio Monnerat e Matinta, de Fernando Segtowick – foram exibidos normalmente.

(Diario de Pernambuco, 06/05/2011)

A Monga ataca no Cine PE

Estreia hoje o curta Calma, Monga, Calma!, de Petrônio de Lorena, sobre os ataques da mulher-macaco na Região Metropolitana do Recife. Com participações de Samir Abou Hana, Sérgio Dionízio, Jomard Muniz de Brito, Grilowsy e Miró da Muribeca, o filme deve render bons momentos no Teatro Guararapes. Ao Diario, Lorena antecipa que Miró estará na sessão, onde recitará poema vestido de cobrador de ônibus. Se a Monga vai, fica o mistério.

Leia matéria sobre o curta aqui.

Cine PE – noite três

Em noite esvaziada pela tempestade que assola o Recife, o Cine PE reservou para a segunda-feira uma seleção interessante, marcada por documentários sobre a memória. No viés afetivo em Casa 9, de Luiz Carlos Lacerda; no confronto entre o presente cruel com o passado feliz no curta A casa da Vó Neyde (SP), de Caio Cavechini; com irreverência no curta As aventuras de Paulo Bruscky (PE), de Gabriel Mascaro; com liberdade poética no curta Fábula das três avós (SP); e na homenagem a Zelito Viana, que invocou Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirzman antes de exibir Augusto Boal e o Teatro do Oprimido, seu tributo ao amigo de 50 anos.

O curta digital A casa da vó Neyde, trabalho de estreia de Cavechini, é um ato de coragem por escancarar um problema pouco assumido pela classe média: o crack. O que parecia ser mais um documentário com rostos quadriculados de meninos pobres se revela um dos relatos mais amargos e sinceros do festival. O filme mostra sem pudor o vício de seu tio, um quarentão que mora com a mãe. As imagens do tio preparando e acendendo o cachimbo foram feitas por um amigo do diretor, que não conseguiu presenciar o momento. O contraste com o passado impresso no álbum de família só faz aumentar a ressaca no final da projeção. Dizem que o público do Cine PE dá risada por qualquer motivo. Desta vez, não foi o caso.

Casa 9 faz um inventário mais verbal do que imagético do que foi a experiência libertária naquele local, um sobrado no Botafogo que serviu de quartel para o desbunde artístico em plena ditadura militar. Presente na sessão, Jards Macalé foi de bigode (mas não com o casaco de general da música Vapor Barato), para brincar com o apelido do diretor. “Vim de bigode para relaxar o Bigode”, disse, no palco. Longe de qualquer sofisticação, a contação de “causos” é o que há de mais precioso no filme. A baixa resolução da imagem e o acabamento precário são compensados pelo valor cultural do que está ali registrado. Como o próprio Bigode explicou ontem pela manhã na coletiva para a imprensa, o filme foi feito dentro do “esquema Casa 9”. A presença pernambucana é forte, em depoimentos de Naná Vasconcelos e Lenine – a produção local foi da Ateliê e Eric Laurence.

“Minha geração está começando a contar a sua história, que de outra forma não seria contada. Pois a história é contada pelos vencedores, que hoje é a esquerda que achava que a gente era um bando de drogados alienados. Tenho muito orgulho de ter feito parte dessa cultura hippie, anarquista, que originou discursos como o da ecologia, direitos humanos e contra a homofobia”, disse Bigode.

As imagens de arquivo são poucas, mas preciosas. A mais interessante remete a um piquenique em Londres. “Comprei uma câmera Super 8 em 1969. Eu filmava tudo, aleatoriamente. Foi o nosso primeiro ensaio para o Transa, do Caetano”, contou Macalé, que se disse satisfeito com o filme. “Refleti sobre aquela loucura que vivemos, uma ditadura brava a gente fazendo tudo com a maior liberdade. Éramos um exército de Brancaleone”.

Irreverente, Jards Macalé roubou a cena também na coletiva, ao fazer declarações e aparecer vestido de camisa estampada, calção e chinelos. Lembrou da parceria com Naná em Let’s play that: “a gente colocava o disco Hendrix, Axis bold as love, ficávamos horas tocando aos berros na vila e ninguém nunca reclamou”. E da primeira sessão de ácido, dividido com Gal Costa. “Ela é maravilhosa, quem me dera ela ainda estivesse tomando ácido”. Como contrariar?

(Diario de Pernambuco, 04/05/2011)

Quebra-cabeça de muitos mundos

“Para ver as estrelas, tem que olhar de cima para baixo”. A frase, dita por personagem do longa Estamos juntos, é uma das formas que se tem para entender São Paulo. A cidade é cenário do novo filme de Toni Venturi (do premiado Cabra-cega), que estréia hoje, na mostra competitiva do Cine PE. O festival está dominado por produções paulistas e essa pode ser a favorita. A produção é da Olhar Imaginário (de Venturi) Aurora Filmes, responsável por Bicho de 7 cabeças, Carandiru e o recente Reflexões de um liquidificador. A fotografia é de Lula Carvalho.

O filme, que entra em cartaz no próximo 17 de junho, traz no elenco Leandra Leal, Cauã Reymond, Lee Taylor, Dira Paes, Débora Duboc e Sidney Santiago. A trilha sonora é de Bid, produtor de Afrociberdelia (1996), da Nação Zumbi. Todos estarão no festival, exceto Leandra, que está em Nova York e Reymond, que grava novela no Rio. “Estou muito feliz que a estréia vai ser no recife, cidade onde acontece a vanguarda da música, cinema e artes plásticas”, diz Venturi.

Há mais motivos para conferir a sessão de hoje: o roteiro de Estamos juntos foi escrito por Hilton Lacerda e a direção de arte é de Renata Pinheiro. “As pessoas veem Hilton como pertencente ao novo cinema pernambucano, mas ele vive em São Paulo há muitos anos. Isso foi decisivo para construir o roteiro”.

O título remete à saudação comum de companheirismo entre moçambicanos. A história trata das mudanças vividas pela jovem médica Carmem (Leandra), que se muda do interior do Rio para fazer residência em São Paulo. Faz amizade com o DJ Murilo (Reymond), que é mantido na capital pela família rica. O conflito surge quando conhece homem enigmático (Lee Taylor) e se entrega ao músico Juan (Nazareno Casero).

Lacerda conta que a experiência foi boa. “Trabalhei com um grupo diferente do que estou acostumado, tive que me cercar de outro universo, mas não tive que abrir mão das minhas convicções de roteiro. O filme é sobre estrangeiros e a cidade como quebra cabeça de muitos mundos, um núcleo pautado, inclusive, por movimentos sociais”. O argumento original de Venturi e Di Moretti foi visto pelo roteirista como uma limitação educativa. “Sou muito anárquico para escrever. O resultado é bastante surpreendente”.

Renata, que já fez a arte Feliz Natal de Selton Mello e A festa da menina morta, de Matheus Nachtergaele, descreve o filme de Venturi como uma grande produção. “Já tinha filmado em São Paulo, mas agora me aproximei do coração da cidade”. Um dos cenários é real: a sede do Movimento dos Sem Teto, um hotel antigo no centro de São Paulo. Outros cenários foram construídos do zero, como o hospital que Carmem trabalha, que ocupou parte do manicômio do Juqueri. “Precisava construir a arte com um pé na realidade forte de São Paulo e ao mesmo do ponto de vista do personagem, que vai mudando de percepção”.

Venturi diz que o projeto nasceu da vontade de falar da juventude no mundo urbano contemporâneo. “Me interesso no cruzamento de universos na grande cidade. Essa polifonia se cruza involuntariamente, se envolve, se estranha, convive no mesmo espaço”. Promete.

(André Dib, 04/05/2011)

Uma casa encantada

Certo dia, o cineasta carioca Luiz Carlos Lacerda voltava para sua casa no Jardim Botânico quando, fugindo do trânsito, pegou atalho pelo Botafogo. “De repente, quando olhei, estava na porta da vila em que morei nos anos 1970”, conta o diretor. Assim nasceu Casa 9, longa documentário que concorre esta segunda na mostra competitiva do Cine PE – Festival do Audiovisual. Através de depoimentos, ele remonta a cena cultural que girou em torno do local, um sobrado onde também morou Jards Macalé, Sônia Braga e Lenine, que, não por acaso, batizou sua gravadora de Casa 9.

Gente assim atrai semelhantes: Clarice Lispector, Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha, Torquato Neto, Gilberto Gil, Gal Costa, Odete Lara, Waly Salomão, Naná Vasconcelos, Helio Oiticica e muitos outros fizeram da Casa 9 um centro cultural. “Comecei a lembrar quantas histórias vivemos ali. Tudo isso iria morrer com a gente?”. A pergunta de Lacerda, conhecido como Bigode, está respondida com o filme, coproduzido pelo Canal Brasil, que tem nesta noite sua primeira exibição pública.

“O Macalé morava na parte de cima quando eu me mudei pra lá. O lugar foi uma vila familiar construída nos anos 1940 por Artur Araripe, o avô do Paulo Coelho, que morou com o pai e a irmã na Casa 12, que foi derrubada em 1974 e construíram um prédio em que veio morar Paulinho da Viola”.

Na casa de Macalé, se hospedava o pessoal da música. O do cinema ficava na casa do Bigode. Um deles foi Robert Freigman, do grupo da Factory, de Andy Warhol, que veio ao Brasil para fugir da guerra do Vietnã. “Na minha casa vinha Nelson, Glauber, Cacá Diegues. Com Clarice escrevi o roteiro de um curta, adaptado de um conto dela, O ovo e a galinha, que foi filmado em 2003 por Nicole Al Granti, sua sobrinha-neta”, lembra Bigode.

A ligação das duas casas rendeu a parceria entre Nelson Pereira e Macalé, que atuou e fez a trilha de Amuleto de Ogun e Tenda dos milagres. Macalé, aliás, revela ao diretor a história por trás de Vapor barato, composta por ele e Waly em 1974. Mas não repassa ao repórter. “A explicação é longa. Tem que ver no filme”.

A turma de Pernambuco chegou depois que Bigode saiu, em 1980. “Veio Lenine, Ivan Santos e Alex Madureira, que na época eram três hippies”, conta. Com eles, vieram Lula Queiroga, Chico César, Bráulio Tavares e outros artistas e escritores do nordeste. “Era uma casa encantada”, conta Queiroga, que na época morava em Copacabana. “Consolidamos nossa amizade ali. Nós éramos os paraíbas que continuaram a história daquela casa. Assim como tem o centro de tradições gaúchas, fizemos um centro de contradições pernambucanas. Tanto que meu sotaque não mudou nada”.

Estirado entre a ditadura militar e a abundância ideológico-criativa, o período 1970-1980 é tema e tanto para quem se interessa por cultura brasileira. Para Bigode, aquele foi um tempo especial. “O mundo encaretou, hoje em dia as pessoas estão entocadas, cada um cuidando do seu umbigo. O planeta virou yuppie”.

E estende a conversa para o cinema feito hoje. “Só se fala em filmes de mercado, os editais pedem para formalizar público-alvo, fazer perspectiva de bilheteria. E os filmes que não conseguem chegar no mercado? Quem vai contar a história do Brasil daqui a alguns anos? Se eu fosse você, Chico Xavier ou Lírio Ferreira e Paulo Caldas? São as novelas da televisão ou o Júlio Bressane, que há 40 anos faz público de 50 mil por filme? O que é mais importante para a cultura brasileira?”. Uma questão e tanto.

(Diario de Pernambuco, 01/05/2011)

Cine PE – noite 2

Mais uma boa noite de curtas, a de ontem, no Cine PE.

A animação Céu, inferno e outras partes do corpo (RS) faz ótima adaptação da arte de Fábio Zimbres, o papa do quadrinho underground gaúcho. Seu diretor, Rodrigo John, fez parte da equipe de Otto Guerra, que trabalhou no longa Wood & Stock – sexo, orégano e rock’n’roll. No curta, entre o trabalho e o descanso, um cachorro humanizado passa por perturbações existenciais que se espalham de forma visceral pelo seu apartamento. No fim, uma frase de Machado de Assis arremata o pensamento. “Essa é a grande vantagem da morte: se não deixa boca para rir, não deixa olhos para chorar”.

Com elenco 99% infantil, Tempo de criança (RJ) se apropria desse universo ao focar em duas crianças que se cuidam e brincam enquanto a mãe está no trabalho. A impressão é que o próprio filme é feito por crianças. E isso é um elogio. Algo como crianças que dominam a linguagem do cinema. O diretor, Wagner Novais, não pode vir ao festival. Está em Paris com a equipe do longa 5X Favela – agora por nós mesmos, do qual foi um dos diretores (primeiro episódio, Fonte de renda)

Braxília (DF) trata da relação do poeta matogrossense Nicolas Behr com a cidade em que se mora desde os 14 anos. Através de sua obra, o filme olha para Brasília com necessário estranhamento. “Isso me pegou pela poesia do Nicolas. Em Brasília há um excesso de siglas e poucas pessoas. O mesmo incômodo que ele sentia nos anos 1970 eu sinto agora”, diz a diretora, Danyella Proença. No filme, Behr explica que Braxília é seu equivalente a Passárgada, uma cidade que existe a partir das pessoas. O momento mais descontraído é a tentativa do poeta – em vão – de atravessar uma avenida.

Cachoeira (AM) traz visão sobre os índios livre de preconceitos – de direita ou de esquerda. Isso já pode ser sentido na fala de apresentação do diretor, Sérgio José Andrade. “É uma visão nada estereotipada dos índios, diferente do boneco gigante de Tainá, que está lá fora”. O filme dramatiza episódio noticiado em 2004, em que jovens índios bebiam uma nociva mistura de álcool, até a morte. “Era como rituais xamânicos, mas com álcool. Como isso é muito transcendental, recolvi fazer uma alegoria, mostrar o lado místico dessa história”, diz o diretor.

Café Aurora (PE) trata dos limites de uma relação amorosa – de alguma forma, todos somos cegos ou surdos. Antes do filme, o diretor Pablo Polo fez justa homenagem a João Sagatio, chefe eletricista de longa carreira, iniciada com O pagador de promessas. Pena que as luzes do Cine PE acenderam antes do final, durante os créditos, para anunciar a homenagem a Camila Pitanga. Quebrou o clima do filme. É um desrespeito ao diretor, mais ainda por ser “da casa”.

Cine PE – noite um

Não somente Uma história de futebol, de Paulo Machline, mas todos os curtas da mostra competitiva provaram que eles ainda são o que há de melhor no Cine PE. Vou estraçaiá, de Tiago Leitão fez as honras de abertura da melhor forma possível. Assim como o pugilista amador Luciano Todo Duro, o doc foi direto ao assunto. A plateia não resistiu às declarações de Todo Duro, que se intitula o “matador de baiano” para provocar seu arqui-inimigo, Reginaldo Holyfield, e respondeu com risadas e aplausos durante toda a projeção. No final a plateia veio abaixo, no que já é um dos pontos altos do festival.

Se há limitações técnicas de som e imagem, elas caem como uma luva (de boxe): têm tudo a ver com o personagem. Leitão, que estreou na direção com o curta, começou com o pé direito. Ao Diario, ele disse que espera que as pessoas não se atenham somente à parte cômica do filme. “Todo Duro é uma pessoa incrível, com vontade de vencer e tem um lado super-frágil, a ponto de colocar a carreira na mão de filha adolescente”. E que está na produção de um novo curta, sobre Nascimento do Passo (que sistematizou os movimentos do frevo), com direção de Helder Vieira.

O gaúcho Muita calma nessa hora, de Frederico Ruas, manteve o tom visceral ao abordar clássica cena de ciúme. Em barzinho “cabeça”, casal discute a relação até chegar na baixaria. A trilha sonora, ao vivo, acompanha a paranoia conjugal. Ideia boa e bem resolvida.

A competição 35mm, para usar um jargão do dia, não deixou a bola cair. O contador de filmes, de Elinaldo Rodrigues (Zé Ramalho – o herdeiro de Avohai), trouxe à tela o cinéfilo paraibano Ivan Cineminha, que deve ter mais horas de filmes assistidos do que todo o público ali presente. Mais do que uma declaração de amor ao cinema – há prazer em assistir trechos de produções antigas citados por Ivan -, o filme é um elogio ao ritual de ir ao cinema. No fim, depoimento de jovem morador de Picuí, cidade natal de Ivan, aponta para o triste fim dos cinemas do interior.

Janela molhada, de Marcos Enrique Lopes, trata da aurora do cinema e sua preservação, pontuado pelo tom afetivo de uma de suas participantes, Dona Didi, filha do pioneiro Ugo Falangola, autor de Veneza americana (1924). Na tela grande do Teatro Guararapes, o filme encontrou o público e, na noite de Pelé e Wagner Moura (que não foi), garantiu espaço para Gentil Roiz, Jota Soares, Ary Severo e Edson Chagas, o marco zero do cinema pernambucano. A casa das horas, de Heraldo Cavalcanti começa bem ao criticar ironicamente a vida moderna, ao inverter o jogo do telemarketing. Procurada por uma farmácia no dia de seu aniversário, senhora solitária e carente de atenção (Nicete Bruno) vira o terror dos telefonistas. No entanto, a queda para o melodrama talvez tenha sido demais para manter o filme de pé.

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Durante a cerimônia da abertura, o casal Alfredo e Sandra Bertini convidou ao palco a Ministra da Cultura Ana de Holanda e o Governador Eduardo Campos, que estava acompanhado de Dona Madalena Arraes. Subiu somente o governador, que ganhou uma salva de palmas de fazer inveja a Pelé. A ministra chegou depois e que duas das prioridades do audiovisual do MinC são dar continuação ao programa Cinema Perto de Você e discutir conteúdo. Antes, em reunião fechada, ela convidou Pelé para o
lançamento do projeto de restauração e digitalização do acervo do Canal 100, que deve ocorrer entre junho ou julho.

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O lutador Luciano “Todo Duro” foi a sensação da noite também no foyer do Centro de Convenções, onde posou para fotos e deu autógrafos para os fãs. “Acho que a gente vai ganhar esse ‘Oscar’”, disse, ao Diario. “Ali estou eu real. Só faltou colocar que sou mestre de capoeira e que trabalho com jardinagem”. Perguntado se o filme pode estimular uma volta aos ringues, a resposta é “sim”. E manda um recado para Holyfield – o esboço para uma revanche? “Eu tô com saúde, ele tá doente”.

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Wagner Moura não veio receber o Calunga honorário. Alegou problemas de saúde e agenda lotada – ele está em Paulínia, onde grava A cadeira de pai, com produção da O2 Filmes de Fernando Meirelles e Paulo Morelli. Mesmo assim, a homenagem foi feita na presença de sua mãe, Alderiva Moura, que veio da Bahia para o evento, e de um boneco gigante do Capitão Nascimento, produzido pela Petrobras, que comemora a marca de 500 filmes patrocinados. Tímida, Dona Alderiva foi ao microfone ler o recado do filho. Depois, não falou muito com a imprensa. “Sou tímida. Subi no palco por amor de mãe”, disse.

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Hoje tem lançamento do DVD de KFZ 1348, de Marcelo Pedroso e Gabriel Mascaro. Vendido a R$ 20, o disquinho traz material extra e uma crítica assinada por Carlos Alberto Mattos. A prensagem é de mil cópias, assinadas pela REC Produtores de João Jr. “Ele chega em momento bacana, em que outros trabalhos nossos estão em circulação. E torna acessível um momento inicial da nossa carreira”, diz Mascaro, que concorre hoje na mostra de curtas com As aventuras de Paulo Bruscky, documentário 100% produzido em ambiente virtual do Second Life.

Comédia da sobrevivência

Com Luana Piovani, Caco Ciocler, Lima Duarte e Vera Holtz na linha de frente, Família vende tudo dá a largada na competição de longas do 15º Cine PE – Festival do Audiovisual. Será a primeira exibição do novo filme de Alain Frensnot, diretor de Desmundo (2003) e Ed Mort (1996). Entre os dois, Família pende mais para o segundo – é uma comédia. A estreia está prevista para 24 de junho, com distribuição pela PlayArte.

De fato, Fresnot está longe do rigor de Desmundo, filme de época, falado em português arcaico, línguas indígenas e africanas. E é fato que o cinema brasileiro vive fase favorável para a comédia. “Família é mais aberto, de simples compreensão, sem perder a profundidade”, diz o realizador. “Gosto de comédia, me sinto confortável nela, sou uma pessoa bem-humorada. Em determinadas condições, ela define situações melhor do que o drama”.

Descrito por Fresnot como uma comédia trágica “ou uma tragédia cômica”, o filme foca em família de muambeiros que vive numa favela de São Paulo. A oportunidade de melhorar de vida vem através da filha, Lindinha (Marissol Ribeiro, que estreia no cinema), que se envolve sexualmente com o cantor popular Ivan Cláudio (Ciocler). “É o famoso golpe da barriga”, resume o diretor, que divide o roteiro com o escritor Marcus Pimenta. As locações: Foz do Iguaçu, Paulínia e São Paulo. O orçamento é de R$ 4,5 milhões.

No filme, Ciocler é o rei do Xique, ritmo fictício e descartável do momento. Vive rodeado de mulheres, o que deixa a esposa Jennifer (Luana Piovani) com ciúme, mesmo que submissa na função de dona de casa mãe de dois filhos. Ela sabe que o marido é mulherengo, mas como isso tem a ver com seu trabalho, aceita.

Apesar das atitudes incorretas, não há julgamentos. “O filme tem um olhar muito carinhoso sobre os personagens. Ninguém é do bem nem do mal, só estão tentando sobreviver”, conta Fresnot, que já havia trabalhado com Lima Duarte em Lua cheia (1988) e Ciocler em Desmundo, mas nunca com Luana e Vera Holtz, que teve que pintar os cabelos de branco para aparentar mais idade.

O próprio diretor preparou o elenco e teve como uma das tarefas fazer Ciocler cantar, no palco, para oito mil pessoas. “Foi surpreendente como avançou rápido. E o Latino deu uma força para ele ganhar postura de palco”.

Mas o que pensa Fresnot sobre esse universo de gosto duvidoso? “Tem de tudo, algumas coisas eu gosto, mas tem um lado descartável, que eu acho um pouco caça-níquel. Mas no filme nenhum personagem diz que acha aquilo uma porcaria. O longa inteiro está mergulhado em certa precariedade, então cabe ao público decidir”. Portanto, nada mais conveniente que Família vende tudo inicie carreira em superpopulosa pré-estreia no Cine PE.

(Diario de Pernambuco, 01/05/2011)

Cine PE faz gol de placa

Cinema e futebol. Sob o signo das duas artes, o 15º Cine PE – Festival do Audiovisual começa hoje, fazendo o que sabe melhor: atrair gente. E o festival das multidões deve manter a fama hoje à noite, ao homenagear Wagner Moura e o Rei Pelé. Imprensa nacional e local engrossam o coro: este ano, o credenciamento aumentou em 30%. Isso inclui cobertura da Globo, ESPN, do CQC e de equipe da Al-Jazira, que realiza documentário sobre os 70 anos do rei do futebol.

Antes das honrarias, será exibido o documentário Cine Pelé, de Evaldo Mocarzel (Do luto à luta), média-metragem de 60 minutos montado a partir de quatro horas de entrevista sobre sua carreira no cinema. O material de arquivo completa a experiência. “Sou um ator razoável. Era jogador de futebol e sempre gostei de interpretar. Essa homenagem me deixa feliz. Amo o povo de Pernambuco”, diz Pelé, no documentário. Em resposta, o diretor do Cine PE Alfredo Bertini diz que deve o festival a Pelé. “Em 1994, foi ele quem me apresentou a Anibal Massaini ao presidente do Festival de Gramado, de onde voltei com a ideia de realizar um festival em Pernambuco”.

O corte que será visto hoje foi feito especialmente para o evento. Mocarzel trabalha outra versão, de 25 minutos, que deve ser exibida em junho no programa Retratos Brasileiros, do Canal Brasil. “Explorei um lado menos conhecido do Pelé, que é sua carreira no cinema. Tem também um pouco da paixão dele pela música e uma palinha sobre futebol, senão seria linchado por 3 mil pessoas no Cine PE”, conta o diretor. “Quis fazer um filme de cinema, fugindo do formato televisivo. Tenho muito carinho pelo festival, o reconhecimento em Do luto a luta (sete prêmios) em 2005 me deu gás pra fazer cinema por mais dez anos”.

Na conversa com Mocarzel, Pelé diz que quando fez Fuga para a vitória estava em crise no casamento e recebeu conselhos de John Houston, que já havia passado por vários. E que teve uma lição de atuação com Max Von Sydow. O veterano ator de Bergman disse que mesmo com toda a tecnologia, o cinema é feito de uma coisa que nunca vai mudar: a luz, com quem o ator tem que contracenar. E que o gol de bicicleta final, feito por Pelé, seria de Sylvester Stallone, mas o astro de Rambo e Rocky não conseguiu realizar o movimento.

Durante a expedição pela memória do Rei, Mocarzel diz que há certa quebra de sua imagem de bom moço. “Ele fala sobre os bastidores da cena de nudez feita em Pedro Mico com Tereza Raquel, mulher do diretor Ipojuca Pontes”. E em Os trombadinhas, no qual co-escreveu o roteiro e foi um dos produtores, há uma cena em que a vigarista Ana Maria pergunta: “Pelé?”, ao que ele responde: “Não, Jô Soares, sua piranha!”. Mais incorreto, impossível.

Rivalidade no boxe

A relação cinema/esporte marca a abertura do Cine PE também na mostra competitiva de curtas. Inédito, o documentário Vou estraçaiá, de Tiago Leitão abre a mostra digital e retoma a rivalidade entre dois pulgilistas do boxe amador: o pernambucano Luciano “Todo Duro” e o baiano Reginaldo “Holyfield”.

Nos fim dos anos 1990, eles se enfrentaram seis vezes no ringue (três vitórias para cada) e também fora dele, em programas de TV. No doc, ambos relembram a rixa. Aos depoimentos, Leitão costura imagens de arquivo. Como a dicção dos dois é terrível, faz falta a legendagem.

Ao estilo dos lutadores, o curta foi feito “na raça”, com orçamento zero. “Sou produtor e sempre quis fazer um projeto meu”, diz Leitão. os fãs, uma informação importante: Todo Duro estará na sessão de hoje. Holyfield, não. A revanche fica para uma próxima.

O também pernambucano Janela molhada, de Marcos Enrique Lopes, terá exibição hoje, na mostra de curtas em 35mm. Ele trata da memória do cinema, no caso, da produção pré-Ciclo do Recife, capitaneada pelo imigrante italiano Ugo Falangola.

A estrela do curta é a filha de Falangola, Dona Didi, que quando criança aparecia nas vinhetas de abertura dos filmes do pai. Hoje com 92 anos – e 86 sem filmar, Dona Didi iria à sessão de hoje, mas teve que cancelar por conta de uma queda que levou. Ironia: agora apenas na tela, Pelé volta a encontrar Didi.

Pelé na tela

Pelé Eterno (2004), de Anibal Massaini Neto
Hotshot (1987), de Rick King
Os Trapalhões e o Rei do futebol (1986), de Carlos Manga
Pedro Mico – uma lição de malandragem (1985), de Ipojuca Pontes
Os trombadinhas (1979), de Anselmo Duarte
Isto é pelé (1974), de Eduardo Escorel e Luís Carlos Barreto
Passe livre (1974), de Oswaldo Caldeira
A marcha (1972), de Oswaldo Sampaio
O Barão Otelo no barato dos bilhões (1971), de Miguel Borges
O Rei Pelé (1962), de Carlos Hugo Cristensen
O preço da Vitória (1959), de Oswaldo Sampaio

Programação

Hoje, 30 de abril

18h30 – Cerimônia de Abertura
Sons da Esperança, de Zelito Viana (exibição promocional com duração de 10 minutos)
Homenagem: Wagner Moura

Média-metragem Especial: Cine Pelé (Brasil, 2011), de Evaldo Mocarzel
Homenagem Especial: Pelé

Curta-metragem Especial: Uma história de futebol (Brasil, 1998), de Paulo Machline

21h – Mostra Competitiva de Curtas-metragens
Vou Estraçaiá (digital, PE), de Tiago Leitão
Muita Calma Nessa Hora (digital, RS), Frederico Ruas
O contador de filmes (35mm, PB), de Elinaldo Rodrigues
Janela Molhada (35mm, PE), de Marcos Enrique Lopes
A Casa das Horas (35mm, CE), Heraldo Cavalcanti

Amanhã, 1º de maio

18h30 – Mostra Competitiva de Curtas-metragens
Céu, inferno e outras partes do corpo (digital, RS), de Rodrigo John
Tempo de criança (digital, RJ), de Wagner Novais
Braxília (35mm, DF), de Danyella Proença
Cachoeira (35mm, AM), de Sérgio José Andrade
Café Aurora (35mm, PE), de Pablo Polo

20h – Lançamento do Cel-U-Cine

Homenagem: Camila Pitanga

Mostra Competitiva de Longas-metragens
Família vende tudo (35 mm, SP), de Allain Fresnot

(Diario de Pernambuco, 30/04/2011)

Pelé e Wagner Moura são homenageados no Cine PE

Fim de semana intenso para quem curte cinema no Recife. Estamos em pleno Cine PE – Festival do Audiovisual, que comemora 15 anos reafirmando a vocação para as multidões. O evento começou quinta com a Mostra Pernambuco, que segue nesta sexta, às 19h, com quatro curtas da recente produção local. Mas a grande noite será no sábado, no Teatro Guararapes, com a abertura oficial que homenageia Wagner Moura e a carreira de Pelé no cinema.

Uma versão promocional de Sons da esperança, documentário sobre a Orquestra dos Meninos do Coque realizado por Zelito Viana abre a programação. Antecede a exibição de Cine Pelé, documentário de Evaldo Mocarzel (Do luto à luta), que refaz a trajetória do craque no cinema. Como no futebol, não são poucos os títulos: entre dois documentários O Rei Pelé (1962) e Pelé eterno (2004), o ex-jogador atua em filmes como Os trombadinhas (1979), de Anselmo Duarte, Pedro Mico (1985), de Ipojuca Pontes, e Fuga para a vitória (1981), de John Houston. Neste último, Pelé contracena com Max Von Sydow e Sylvester Stallone. Depois da homenagem, outro filme trata do campeão: Uma história de futebol (Brasil, 1998), de Paulo Machline.

Ainda no sábado, o curta que abre a mostra competitiva continua as relações entre esporte e cinema: Vou estraçaiá, de Tiago Leitão, que remonta à antológica rivalidade entre os pugilistas Luciano Todo Duro e Reginaldo Holyfield. Dentro e fora do ringue. E Janela molhada, de Marcos Enrique Lopes, trata da importância do cinema naturalista feito há 90 anos em Pernambuco pelo italiano Ugo Falangola. Sua filha, Dona Didi, estará na sessão.

No domingo, de volta às estrelas: homenagem à atriz Camila Pitanga e o início da competitiva de longas com Família vende tudo, de Allain Fresnot, com Luana Piovani, Lima Duarte, Vera Holtz e Marisa Orth no elenco. Entre os curtas, destaque para Braxília, de Danyella Proença, três vezes premiado no último Festival de Brasília, no qual concorreu a ficção Café Aurora, do pernambucano Pablo Polo.

(Diario de Pernambuco, 30/04/2011)

15 anos do maior palco do cinema nacional

Às vésperas de completar uma década e meia de vida, o Cine PE – Festival do Audiovisual se afirma, como poucos, como evento capaz de popularizar o cinema. Ele é o maior palco da retomada do cinema nacional, no sentido de que atrai gente que de outra forma jamais iria ao cinema. Democrático talvez seja o adjetivo que melhor o define, pois formou uma plateia que de fato é a maior e a mais heterogênea do país.

Anunciada para o fim do mês, sua 15ª edição pode ser a maior de todas. Em boa parte porque o grande homengeado será o Rei Pelé, cuja presença inesperada em evento de cinema mobilizou TVs internacionais, como a italiana RAI e a árabe Al-Jazira, que prepara documentário sobre os 70 anos do craque do futebol. Além disso, homenagens a Wagner Moura, Camila Pitanga e Chico Diaz devem garantir lotação do Teatro Guararapes.

E o que é o Cine PE senão o Maracanã dos festivais? Tudo nele é superlativo, do jeito que o pernambucano gosta. Desde que começou, foram mais de 750 filmes exibidos, um público de 300 mil pessoas, além de 322 artistas e 536 jornalistas convidados. Quinze anos não são 15 dias.

Segundo o diretor do Cine PE, Alfredo Bertini, a ideia para este ano seria lançar Chatô, o filme-lenda de Guilherme Fontes, em produção desde 1996. ´Nos encontramos duas vezes no Rio. Ele disse que o filme está pronto mas depois que precisa de mais dinheiro para terminar`. Sai Chatô, entra O rochedo e a estrela, de Kátia Mesel. O projeto, que começou a ser desenvolvido em 1998 e rodado em 2004, em quatro países, trata da trajetória dos judeus expulsos de Pernambuco pelos holandeses até a fundação de colônia na futura Nova York. Finalizado em 35mm, ele deve ser o único longa pernambucano a figurar na programação deste ano. Ou na oficial ou na Mostra Pernambuco, dias 28 e 29 no Cinema da Fundação.

O júri oficial de longas já está nomeado. Será composto por Amir Labaki (diretor do festival É Tudo Verdade), o cineasta Joel Zito Araújo, o fotógrafo argentino Hugo Kovensky, o ator Marco Riccae a produtora Cleria Bessa. Quanto ao júri popular, após suspeita de fraude nos votos eletrônicos do festival passado, um novo método será colocado em prática: será formado por cerca de 60 pessoas, escolhidas a partir de uma amostragem de público do festival.

A programação completa será anunciada na próxima terça à noite, em evento no Rio de Janeiro. Sim, o Cine PE deve ser o único festival do Brasil a ser lançado em outro estado. Apesar de no ano passado o evento ter coincidido com a tempestade que arrasou a capital carioca, diz Bertini, a repercussão foi ótima. ´Nossos principais patrocinadores do evento, a Petrobras e o BNDES, estão lá. Além disso, o Rio é a principal referência do audiovisual`.

O ímpeto de internacionalizar o Cine PE, que já rendeu a presença dos diretores Fernando Solanas e Costa Gavras, se materializa este ano numa mesa de co-produção Brasil/Itália. Descendente de italianos, não é de hoje que Bertini quer trazer o diretor Giuseppe Tornatore ao Cine PE e fazer conexões com o Festival deVeneza. ´Não vai ser desta vez, mas haverá produtores e um ‘grande artista’ vindo aí`.

Um pouco de história – Não deve ser coincidência o fato de Baile perfumado, o início da atual boa fase do cinema pernambucano, completar 15 anos junto com o Cine PE. Agora ele volta ao evento como homenageado, em cerimônia de encerramento, no dia 6 de maio.

´No primeiro ano não teve nem competição, foi uma mostra. A ideia foi fazer pequeno, como tantas outras mostras no Brasil. Fiz a programação sozinho. Não pensei que fosse ter a dimensão que ganhou`, diz Alfredo Bertini. ´O Baile ajudou muito, era o primeiro filme da ‘terra’ após muitos anos. Quando acabou, deu pra imaginar um festival maior no ano seguinte. Embora tivesse planejado para continuar no Cine São Luiz, tinha vislumbrado um evento maior`.

Anos antes, Bertini havia visitado o Festival de Gramado e teve a ideia de fazer algo semelhante no Recife, que conciliasse cinema, celebridades e turismo, como também fazem os festivais de Cannes e Veneza. ´Fiquei impressionado com Festival de Gramado. Até que uma TV de Porto Alegre me entrevistou e perguntou porque não havia um festival de cinema em Pernambuco. E pensei que a ideia era muito boa`.

A sessão de Central do Brasil, que tinha acabado de chegar premiado do Festival de Berlim, foi decisiva para o evento consolidar a fama de maior do Brasil. A mudança para o longínquo Teatro Guararapes se deu porque, às vésperas do evento, o grupo Severiano Ribeiro disse que não poderia manter as datas no São Luiz para prolongar o tempo de exibição de Titanic. ´Foi uma ação ousada. O desafio foi fazer no Guararapes, que nunca tinha recebido eventos de cinema, porque não era um local adequado, como não é até hoje. Mas conseguimos domina-lo tecnicamente`, conta Bertini. E o resto é história.

Um dos maiores do país – No panorama dos festivais fora do eixo Rio-São Paulo, o Cine PE figura entre os principais do país. No entanto, é comum ouvir críticas à qualidade de sua programação, principalmente, a de longa-metragens.

´Os realizadores independentes querem guardar seus filmes para estrear em Cannes, Berlim e Veneza. Depois não consegue colocar o filme no circuito e fica por isso mesmo. E os distribuidores de filmes comerciais evitam festivais porque temem a má recepção da imprensa`, explica Bertini. ´Digo que isso é uma bobagem, pois em algum momento a imprensa vai assistir aos filmes, mas não adianta. Ano passado só consegui O bem amado por causa de Guel, que não queria ser homenageado sem o filme. E Quincas Berro D’Água foi exibido na véspera de sua estreia`.

O problema não é só do Cine PE. Outros festivais do mesmo porte sofrem sintomas parecidos. Em busca de soluções, representantes de Paulínia (SP), Gramado (RS) e Brasília se reunirão durante o Cine PE. ´A minha sugestão é que os filmes que usam dinheiro público devem ser exibidos pela primeira vez no Brasil. Se a Petrobras e o BNDES patrocinam o festival, porque não posso passar os filmes patrocinados por eles? Hoje estamos baseados na relação que temos com diretores e produtores. Neste ano, um deles contrariou a determinação dos distribuidores e trouxe seu filme para o festival`.

Um festival de elogios e críticas

“Uma ‘entidade’ como o Cine PE, que existe há 15 anos com a qualidade da programação e a presença de um público expressivo e devoto, merece todo o nosso reconhecimento por seus benefícios prestados à cultura cinematográfica do nosso país. Parabéns pelo exemplar trabalho de toda a equipe. “

Fernanda Montenegro, atriz

“Desejo longa vida ao Cine PE. Tive a felicidade de participar de algumas sessões para o público caloroso que lota a sala de exibição. De fato, é uma experiência única ver tanta gente saboreando nosso cinema. Muita sorte para o Cine PE em seu aniversário de debutante! “

Selton Mello, ator

“Cine PE? Um festival de cinema que parece de rock, tamanha é a empolgação com que o público participa. Um festival que é o carnaval do cinema, um autêntico final de campeonato, um exemplo real de que o cinema brasileiro é uma das paixões nacionais. “

Guel Arraes, diretor de cinema e TV

“É inegável a contribuição do Cine PE para o fortalecimento da cultura cinematográfica no Recife. Tem como pontos positivos a realização de cursos, oficinas e seminários sobre políticas para o audiovisual. E sobretudo é um espaço privilegiado para os curtas. Quanto aos longas, infelizmente, o festival a cada ano vem se revelando um fiasco. Com exceção de um ou outro filme, a maior parte é composta por documentários enfadonhos e filmes de ficção medíocres. Não é novidade entre críticos e cinéfilos o questionamento dos critérios (ou a absoluta falta deles) para a seleção. O público também percebe isto. Tanto que muita gente abandona a projeção e prefere badalar na praça da alimentação.”

Alexandre Figueiroa, professor e crítico de cinema

“Esperamos que o Cine PE continue a crescer com maturidade e bases firmes. O cinema pernambucano é reconhecido como um cinema inovador, criativo, de vanguarda. Por isso, talvez chegou a hora de rever o valor da Mostra Pernambuco, que deveria ser vista não só pelo grande público mas também pela imprensa especializada, profissionais de difusão e de festivais nacionais e internacionais. Também acho que a seleção nacional de curtas deveria ser feita a partir de outros critérios além da descentralização regional. Também acho que não deveria haver diferenças entre curtas digitais e 35mm. Eles poderiam se dividir entre ficção, documentário e animação.”

Cynthia Falcão, documentarista

“Assim como o cinema pernambucano cresce, o Cine PE se consolida como janela de exibição para curtas e longas brasileiros que muitas vezes não chegam às salas de cinema. Mas esta potencialidade se dissolve porque não provoca uma discussão que contemple debates abertos ao público. Há ainda, a falta de premiação em dinheiro e a falta de um mercado de vendas e negociações de filmes. Desta forma ficamos numa eterna festa, que passa sem que fique algo de concreto para a formação audiovisual dos pernambucanos. “

Jura Capela, cineasta

“O Cine PE é muito importante para a cidade e para o mercado cinematográfico nacional. É interessante para o público local assistir a filmes antes deles entrarem em exibição no circuito. Para mim, que programo vários cinemas, serve para ter idéia dos longas que serão oferecidos pelas distribuidoras. Muitos deles foram lançados posteriormente. A presença de profissionais e os debates incentivam todos a participarem intensamente. Cada ano tem uma importância maior que a do anterior. “

Pedro Pinheiro, programador dos Grupo UCI Ribeiro

Linha do tempo do Cine PE

1997 – Baile perfumado, o primeiro longa feito em Pernambuco após 20 anos, marca a estreia do Festival de Cinema do Recife, no Cine São Luiz

1998 – Já no Teatro Guararapes, a maior atração foi a primeira sessão de Central do Brasil, após o filme de Walter Salles ter sido premiado em Berlim. Ao lado do marido Fernando Torres, Fernanda Montenegro foi ovacionada e disse nunca ter visto um público como o do festival; Grande vencedor, o longa A ostra e o vento, de Walter Lima Jr. é até hoje uma das sessões mais emocionantes do festival. O filme ganhou quatro Calungas: melhor filme, direção, fotografia e montagem

1999 – Os destaques deste ano foram os longas Nós que aqui estamos por vós esperamos, de Marcelo Massagão (melhor filme), e Ação entre amigos, de Beto Brant (melhor diretor)

2000 – Em sessão memorável, O rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas, de Paulo Caldas e Marcelo Luna, encerra o festival

2001 – O ano de Bicho de sete cabeças, de Laís Bodansky, que ganhou oito Calungas e marcou a consolidação de Rodrigo Santoro como ator de cinema

2002 – No elenco de O invasor (oito prêmios), Paulo Miklos e Sabotagem cantam no palco do Teatro Guararapes

2003 – O festival passa a se chamar Cine PE – Festival do Audiovisual; com nove prêmios, Narradores de Javé, de Eliane Caffé, foi o grande destaque

2004 – O outro lado de rua, de Marcos Bernstein, traz Fernanda Montenegro de volta ao festival; Contra todos, de Roberto Moreira, é outro destaque

2005 – Com imagens inéditas de Chico Science, o curta O mundo é uma cabeça, de Cláudio Barroso e Bidu Queiroz, foi a sensação; outros curtas locais se destacam: Fuloresta do samba, de Marcelo Pinheiro, Vinil verde, de Kleber Mendonça Filho, e Entre paredes, de Eric Laurence, são premiados; o documentário Do luto à luta, de Evaldo Mocarzel, (sete prêmios) foi o principal vencedor

2006 – Seis prêmios para Árido movie, de Lírio Ferreira, inclusive o de melhor ator para Selton Mello; a animação Wood & Stock, de Otto Guerra, rende prêmio de melhor atriz para Rita Lee

2007 – Cão sem dono, de Beto Brant, é o grande vencedor; Não por acaso marca a estreia de Phelippe Barcinski na direção e a volta de Rodrigo Santoro ao festival

2008 – Nossa vida não cabe num Opala, de Reinaldo Pinheiro, é eleito o melhor filme

2009 – Diretor grego Constantin Costa Gavras é convidado de honra; Documentário Alô, alô, Terezinha!, de Nelson Hoineff, e Praça Saens Peña, de Vinícios Reis, dividem os Calungas; Superbarroco, de Renata Pinheiro, e Muro, de Tião, são destaques entre os curtas

2010 – Laís Bodansky repete o feito de 2001 e ganha oito prêmios por As melhores coisas do mundo; os curtas Recife frio, de Kleber Mendonça Filho, e Faço de mim o que quero, de Sérgio Oliveira e Petrônio de Lorena, levantaram o público; o encerramento marca o retorno do festival ao Cine São Luiz, agora restaurado.

(Diario de Pernambuco, 27/04/2011)

Mostra Pernambuco de cinema

Oficialmente, o calendário do Cine PE – Festival do Audiovisual se realiza entre 30 de abril e 6 de maio. Mas na prática, o festival começa amanhã, com a Mostra Pernambuco. Este ano a programação migra do Cinema São Luiz para o Cinema da Fundação, com entrada a R$ 4 e R$ 2 (meia) e consiste em nove curtas-metragens da recente produção local. Os melhores filmes serão eleitos por comissão julgadora formada pelo diretor Guilherme Fiuza (MG), Ivan Melo (diretor do Festival de Paulínia-SP) e pelo produtor e diretor Silvio Da-Rin (RJ).

Este ano não haverá prêmio em dinheiro, ao contrário do que vinha acontecendo há dois anos, em parceria com a Assembleia Legislativa. Isso explica a seleção de 2011 ser menos numerosa do que a de 2010, quando competiram 22 curtas, um média e dois longas-metragens. Não são poucos os profissionais a criticar a mostra, que poderia ser melhor divulgada e até incluída na programação oficial. Assim, mesmo sem o estímulo financeiro, os filmes seriam vistos por um público maior, formado inclusive por convidados de outros estados.

Como forma de protesto, alguns realizadores não selecionados para a mostra oficial preferiram guardar seus filmes para outros festivais. É o caso de Sérgio Oliveira e Renata Pinheiro, que após exibir Praça Walt Disney na Mostra de Tiradentes, segundo Oliveira, está selecionado para a competição oficial de “um grande festival mundial”.

Por outro lado, para diretores iniciantes, a Mostra Pernambuco pode ser a oportunidade de mostrar seu trabalho. É o caso dos alunos da Aurora Filmes, que em Solar dos príncipes abordam as dificuldades de jovens negros moradores de favela realizarem documentário sobre a classe média alta. E do estudante de cinema Victor Dreyer, que exibiu Vodka pela primeira vez em novembro passado, no Festival de Vídeo de Pernambuco. O filme é um exercício de metalinguagem, em que um roteirista de cinema vive a história enquanto a escreve e personagens se misturam com membros da equipe de filmagem.

A seleção também inclui curtas de diretores premiados, como Marcelo Pedroso (Pacific), que apresenta Aeroporto, um experimento com fotos e vídeos feitos por viajantes e recriados na ilha de edição. Leo Falcão (TheLastNote.com) apresenta Palavra plástica, que aborda a visão de 20 artistas sobre a obra de Carlos Pena Filho. “Fui convidado pela Atma Promo para interagir com a exposição em memória dos 50 anos da morte do poeta, montada no Santander Cultural. Instituí que ele seria um documentário lírico, que experimenta linguagem. O curta se tornou a 21ª obra”, conta o diretor, que depois da exposição fez uma versão para cinema, selecionada pelo festival É Tudo Verdade.

Carlos Pena também é tema de É lá que eu vejo, de Mateus Sá, um dos artistas que participaram da exposição do Santander. O poeta ressurge na voz de Miró, Malungo, Francisco de Paula (Chicão) e Fernando Chile, que percorrem Olinda recitando o poema de mesmo nome.

Na sexta-feira entra em cena Bob Lester, baseado na história real de dançarino carioca que nos anos 30 integrou grupo de Carmem Miranda, aprendeu a sapatear com Fred Astaire, dançou em shows de Frank Sinatra e Doris Day e hoje, sem o devido reconhecimento, se apresenta nas ruas do Rio de Janeiro. “Para ser Bob Lester convidamos Stênio Garcia, que fez curso de sapateado com o sapateador inglês Steven Haper, que também é seu dublê no filme”, diz Hanna, que resume o curta como um filme sobre a solidão e o esquecimento.

Quinta, 28 de abril, 19h
Cinema americano, de Taciano Valério
Palavra plástica, de Leo Falcão
1:21, de Adriana Câmara
É lá que eu vejo, de Mateus Sá
Solar dos Príncipes, de Bruno Mendes e Henrique Eduardo

Sexta, 29 de abril, 19h
Diário de um Ator, de Cadu Pereiva
Bob Lester, Hanna Godoy e Mariana Penedo
Vodka, Victor Dreyer
Aeroporto, de Marcelo Pedroso

(Diario de Pernambuco, 27/04/2011)

Cuidado que a Monga vem aí

“A Monga é uma consequência do nosso modo capitalista, explorador e consumista de viver”. Assim, direto ao ponto, o diretor Petrônio de Lorena define a personagem de seu novo curta. Selecionada para a mostra competitiva 35mm do Cine PE, Calma, Monga, calma! deve ser uma das sensações do festival. O filme é muito engraçado. E, ao mesmo tempo, bonito de ver. Anote aí: cenas da mulher-macaco atacando desavisados no cinema pornô, no ônibus bacurau e no cabaré ainda vão dar o que falar.

Ano passado, Petrônio já havia chamado atenção no Cine PE com o documentário sobre a cena brega Faço de mim o que quero, do qual é codiretor ao lado de Sérgio Oliveira. Agora ele retorna ao festival com obra que, em suas palavras, transita entre “o trash, o popular e o noir”. O elenco é liderado por Everaldo Pontes (Superbarroco), um policial dedicado a colocar a Monga (Hilda Torres) novamente atrás das grades.

Como bom noir, além do suspense, há a imprensa. No caso, a imprensa pernambucana, representada por Sérgio Dionísio, do programa Ronda Geral e Samir Abou Hana, que promove debate entre especialistas, incluindo um filósofo vivido por Jomard Muniz de Brito.

Enquanto isso, a Monga continua a fazer das suas na madrugada. Uma das vítimas é um emo (Grilowsky) que a confunde com um travesti na traseira de um bacurau. Sobrou para o cobrador (Miró) explicar o crime à polícia, o que gerou um dos melhores momentos do curta-metragem: um poema-desabafo sobre kombeiros acusados de matar duas meninas de classe média-alta.

Mas por que a Monga ataca? “Ela se rebelou contra a exploração sexual que sofreu nos parques de diversão e circos do interior”, conta Petrônio. “Do mesmo jeito, foi explorada nos empregos por onde passou. Ela teve até um momento áureo em Bollywood, fazendo pornôs, mas se viciou em drogas pesadas e adquiriu psicopatia por jovens varões recifenses. Ao mesmo tempo em que sente desejo, rejeita seu corpo peludo. Por isso a raiva”.

O inevitável paralelo com a realidade não demora a surgir. “A violência doméstica crescente e mortes passionais foram a minha inspiração. São surtos em que a gente se desconhece, motivados pelas pressões sociais, a necessidade de consumo, a exploração no trabalho, as frustrações amorosas. Nossa época mostra que de nada serviu todo o conhecimento acumulado pela humanidade”.

O próprio Petrônio já surtou como a Monga. Foi em 2007, durante o Atacadão dos Filmes, no Circo Voador (RJ). “Interpretei a macaca num julgamento de curtas, ao lado de Elke Maravilha e do professor Hernani Heffner. O evento era apresentado por Godô Quincas, que me sugeriu um filme com a Monga e assim começamos o roteiro”.

Calma, Monga, calma! foi rodado em película Super 16mm, ao custo de R$ 174 mil. O patrocínio é da Petrobras e prefeitura do Recife. O filme está quase pronto. Semana passada Petrônio finalizou o desenho de som e a mixagem. “Esta etapa deu cara ao filme”. Agora falta transferir para a bitola 35mm. Ou seja, Monga está quase pronta para soltar urros e rugidos também no Teatro Guararapes.

Ficha Técnica

Direção: Petrônio de Lorena
Roteiro: Petrônio de Lorena e Godô Quincas
Produção Executiva: Diana Iliescu
Direção de produção: Marilha Assis
Direção de fotografia e câmera : Ivo Lopes Araújo
Montagem: Çarungaua e Grilo
Som direto: Phillipe Cabeça
Desenho de som: Guga S. Rocha e Guma Farias,
Direção de arte: Diogo Todé e Maria Simonetti
Maquiagem: Gera Cyber
Figurino: Cecília Pessoa
Co-produção: Ginja filmes

Elenco: Godô Quincas, Hilda Torres, Everaldo Pontes, Grilowsky, Adilson Ferreira, Ramilson Gomes, Samir Abou Hana, Sérgio Dionízio, Tomás Nascimento, Jomard Muniz de Brito e Miró da Muribeca

(Diario de Pernambuco, 24/04/2011)