Cine PE 2011 – noite sete e balanço

Com uma premiação que favoreceu o cinema paulista, terminou na última sexta-feira o 15º Cine PE. Estamos juntos (sete prêmios) e Família vende tudo (quatro prêmios) monopolizaram o resultado dos longas. Tempestade e Flash, foram eleitos pelo júri oficial os melhores curtas. Apesar do racha provocado por Casamento brasileiro, de Fauzi Mansur, a crítica se alinhou ao júri e aponta para Estamos juntos como o melhor. Alguns consideram o filme de Mansur inclassificável, outros, uma joia antiga e inesperada. Saiu do festival sem nada.

Os curtas eleitos pela crítica são da pesada: Ovos de dinossauro na sala de estar apresenta figura peculiar, a viúva de ex-cônsul da Itália, com quem formou a maior coleção particular de fósseis da América Latina. Norueguesa, ela fala em português terrível e age a partir de um estranho sistema de pensamento. O filme corresponde. É tão quadrado e radical quanto a personagem.

Calma, Monga, calma! mostra o Recife maldito, que só não poderia ser outra capital por conta das referências do jornalismo e cultura local. Elas levam ao riso mas, ao mesmo tempo, o filme consegue ser divertido, sinistro e arredio. Usa refinamento visual e técnico (há travellings e uma grua se eleva sobre a Conde da Boa Vista no final) para mostrar um mundo sujo, de monstros e boemia.


Vencedores posam para foto
Crédito: Daniela Nader

A maior surpresa talvez foi o prêmio de melhor ator ir para Caco Ciocler, no papel do cantor brega Ivan Cláudio, o rei do xique. Tanto que Ciocler nem estava na cerimônia para receber o Calunga. Favorita, Leandra Leal também não estava, mas por outro lado está mais longe (em NY).

Ao longo da premiação, vale registrar o agradecimento de Hilton Lacerda a Walt Disney. Foi na verdade uma referência ao curta de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, Praça Walt Disney, inexplicavelmente deixado de fora da competição. E um protesto por Renata não ter levado prêmio de melhor direção de arte por Estamos juntos, reiterado por Rui Pires, produtor do filme, que recebeu o Calunga de melhor fotografia no lugar de Lula Carvalho: “se não fosse a direção de arte, Lula não teria o que fotografar”.


Pernambucanos fazem protesto
Crédito: André Dib

Balanço – Para citar o slogan deste ano, foram sete dias de “emoções inesquecíveis”. Do sábado anterior, com público recorde na homenagem a Pelé, ao encerramento marcado por protesto de realizadores pernambucanos. A chuva foi fator contra. O medo de que um mitológico aguaceiro desabasse sobre a cidade atrapalhou bastante a programação de quarta e quinta-feira. Tapacurá não estourou (ao menos por enquanto), mas deixou marcas indeléveis no festival, que teve o público reduzido pela metade (15 mil pessoas) e atropelou a mostra de curtas, cujos minutos finais foram usados para passar recados e na quinta foram exibidos por último, após dois longas.

Em resposta ao tratamento, um grupo de dez diretores subiu ao palco durante a premiação, onde, em cima do bolo de debutante usado como decoração, estenderam faixa com a frase “menos glamour, mais cinema”. Em texto coletivo, foram reivindicados “menos palanque político e homenagens atrasando o horário dos filmes; que a Mostra Pernambuco seja integrada à programação do festival no Teatro Guararapes; que os curtas tenham sua projeção respeitada, sem qualquer interrupção durante os créditos, para a leitura de avisos; e que o festival respeite a integridade e a unidade da Mostra de Curtas e não faça repartições da projeção de forma aleatória”. A manifestação foi engolida a seco pelo cerimonial, que continuou a premiação como se nada tivesse acontecido.

Além do protesto, a insatisfação com o Cine PE levou aos realizadores a promover reunião aberta ao público, na próxima quarta-feira, às 19h, na Fundação Joaquim Nabuco (Derby). A ideia é criar um documento que será encaminhado pela seção pernambucana da Associação Brasileira dos Documentaristas à produção do festival e propor mudanças ao evento.

Alfredo Bertini, diretor do festival, disse que não entende por que a produção local não está satisfeita com o festival e que, em última instância, o que importa é o público. Sobre as reivindicações, ele admite a possibilidade de integrar a Mostra Pernambuco ao evento maior e assim dar mais visibilidade e divulgação à produção pernambucana. Como no Festival de Paulínia, uma noite de Cine PE poderia exibir dois curtas locais, quatro nacionais e um longa. Com a tecnologia atual, não há por que segregar curtas digitais e 35mm. Isso evitaria injustiças como a desclassificação do curta Haruo Ohara (SP), de Rodrigo Grota, cuja cópia digital estava em melhor estado do que a 35mm e, por ter sido selecionado para esta última, ficou de fora.

Basta, como o próprio Bertini considera, estabelecer a resolução HD como um dos critérios. Aliás, a qualidade técnica dos curtas este ano estava ok. Os piores casos vieram dos longas Casa 9, de Luiz Carlos Lacerda e Casamento brasileiro, de Fauzi Mansur, que estavam com imagem sofrível.

Cine PE também é memória. Lembrou de Baile perfumado. Trouxe à pauta Augusto Boal, em filme de Zelito Viana, que recebeu devida homenagem. Através de filme de Luci Alcântara, fez devido tributo a Jomard Muniz de Britto. Em Janela molhada, voltou ao cinema pré-Ciclo do Recife.

Outro acerto foi o novo sistema de júri popular, formado por cerca de 60 pessoas inscritas no site e escolhida de acordo com amostragem do público. Diferente de 2010, o resultado deste ano realmente correspondeu aos filmes que melhor foram recebidos pela plateia.

(Diario de Pernambuco, 08/05/2011)

Cine PE – noite cinco

O temor de que uma calamidade aquática acometesse o Recife comprometeu a programação de quarta no Cine PE. O curta Calma, Monga, calma! ainda estava na tela quando luzes ascenderam e o som baixou para a apresentadora Graça Araújo e o diretor do festival Alfredo Bertini avisarem que uma mega-chuva castigaria a cidade após a meia-noite. “Não há motivo para pânico, podemos ficar até o final”, disse Bertini, enquanto o público esvaziava o Teatro Guararapes. O plano era exibir o longa Estamos juntos sem intervalo, mas uma falha técnica provocou mais evasão e fez a equipe adiar o filme para o dia seguinte.

O desastre climático não ocorreu, mas a tempestade nos bastidores foi irreversível. É perceptível o estado de tensão entre Bertini e os realizadores. “Não foi dilúvio, foi delírio”, disse Petrônio de Lorena, diretor de Monga, sentindo-se prejudicado. Quando percebeu o erro, Bertini pediu desculpas e as luzes se apagaram novamente: “Não sabia que o filme continuaria durante os créditos. Jamais faria isso se não houvesse necessidade”. Na saída, circulavam informações, depois desmentidas, de que a Defesa Civil e o próprio governador teriam ligado para o evento, pedindo para que o aviso fosse dado. “Minha filha me ligou avisando que vinha uma chuva forte. Aí os jornais me ligaram perguntando se tomei providências. Então liguei para o Coronel Mário Cavalcanti, da Casa Militar, que confirmou a previsão”.

Esta não é a primeira vez que o festival interferiu com créditos dos curtas em andamento. Na segunda e terça-feira, eles foram desrespeitados em prol de pedidos para que o público permanecesse nas homenagens. Os demais curtas – O som do tempo, de Petrus Cariry, Flash, de Alison Zago, Tempestade, de César Cabral, Falta de ar, de Ércio Monnerat e Matinta, de Fernando Segtowick – foram exibidos normalmente.

(Diario de Pernambuco, 06/05/2011)

Cine PE – noite 2

Mais uma boa noite de curtas, a de ontem, no Cine PE.

A animação Céu, inferno e outras partes do corpo (RS) faz ótima adaptação da arte de Fábio Zimbres, o papa do quadrinho underground gaúcho. Seu diretor, Rodrigo John, fez parte da equipe de Otto Guerra, que trabalhou no longa Wood & Stock – sexo, orégano e rock’n’roll. No curta, entre o trabalho e o descanso, um cachorro humanizado passa por perturbações existenciais que se espalham de forma visceral pelo seu apartamento. No fim, uma frase de Machado de Assis arremata o pensamento. “Essa é a grande vantagem da morte: se não deixa boca para rir, não deixa olhos para chorar”.

Com elenco 99% infantil, Tempo de criança (RJ) se apropria desse universo ao focar em duas crianças que se cuidam e brincam enquanto a mãe está no trabalho. A impressão é que o próprio filme é feito por crianças. E isso é um elogio. Algo como crianças que dominam a linguagem do cinema. O diretor, Wagner Novais, não pode vir ao festival. Está em Paris com a equipe do longa 5X Favela – agora por nós mesmos, do qual foi um dos diretores (primeiro episódio, Fonte de renda)

Braxília (DF) trata da relação do poeta matogrossense Nicolas Behr com a cidade em que se mora desde os 14 anos. Através de sua obra, o filme olha para Brasília com necessário estranhamento. “Isso me pegou pela poesia do Nicolas. Em Brasília há um excesso de siglas e poucas pessoas. O mesmo incômodo que ele sentia nos anos 1970 eu sinto agora”, diz a diretora, Danyella Proença. No filme, Behr explica que Braxília é seu equivalente a Passárgada, uma cidade que existe a partir das pessoas. O momento mais descontraído é a tentativa do poeta – em vão – de atravessar uma avenida.

Cachoeira (AM) traz visão sobre os índios livre de preconceitos – de direita ou de esquerda. Isso já pode ser sentido na fala de apresentação do diretor, Sérgio José Andrade. “É uma visão nada estereotipada dos índios, diferente do boneco gigante de Tainá, que está lá fora”. O filme dramatiza episódio noticiado em 2004, em que jovens índios bebiam uma nociva mistura de álcool, até a morte. “Era como rituais xamânicos, mas com álcool. Como isso é muito transcendental, recolvi fazer uma alegoria, mostrar o lado místico dessa história”, diz o diretor.

Café Aurora (PE) trata dos limites de uma relação amorosa – de alguma forma, todos somos cegos ou surdos. Antes do filme, o diretor Pablo Polo fez justa homenagem a João Sagatio, chefe eletricista de longa carreira, iniciada com O pagador de promessas. Pena que as luzes do Cine PE acenderam antes do final, durante os créditos, para anunciar a homenagem a Camila Pitanga. Quebrou o clima do filme. É um desrespeito ao diretor, mais ainda por ser “da casa”.

Cine PE – noite um

Não somente Uma história de futebol, de Paulo Machline, mas todos os curtas da mostra competitiva provaram que eles ainda são o que há de melhor no Cine PE. Vou estraçaiá, de Tiago Leitão fez as honras de abertura da melhor forma possível. Assim como o pugilista amador Luciano Todo Duro, o doc foi direto ao assunto. A plateia não resistiu às declarações de Todo Duro, que se intitula o “matador de baiano” para provocar seu arqui-inimigo, Reginaldo Holyfield, e respondeu com risadas e aplausos durante toda a projeção. No final a plateia veio abaixo, no que já é um dos pontos altos do festival.

Se há limitações técnicas de som e imagem, elas caem como uma luva (de boxe): têm tudo a ver com o personagem. Leitão, que estreou na direção com o curta, começou com o pé direito. Ao Diario, ele disse que espera que as pessoas não se atenham somente à parte cômica do filme. “Todo Duro é uma pessoa incrível, com vontade de vencer e tem um lado super-frágil, a ponto de colocar a carreira na mão de filha adolescente”. E que está na produção de um novo curta, sobre Nascimento do Passo (que sistematizou os movimentos do frevo), com direção de Helder Vieira.

O gaúcho Muita calma nessa hora, de Frederico Ruas, manteve o tom visceral ao abordar clássica cena de ciúme. Em barzinho “cabeça”, casal discute a relação até chegar na baixaria. A trilha sonora, ao vivo, acompanha a paranoia conjugal. Ideia boa e bem resolvida.

A competição 35mm, para usar um jargão do dia, não deixou a bola cair. O contador de filmes, de Elinaldo Rodrigues (Zé Ramalho – o herdeiro de Avohai), trouxe à tela o cinéfilo paraibano Ivan Cineminha, que deve ter mais horas de filmes assistidos do que todo o público ali presente. Mais do que uma declaração de amor ao cinema – há prazer em assistir trechos de produções antigas citados por Ivan -, o filme é um elogio ao ritual de ir ao cinema. No fim, depoimento de jovem morador de Picuí, cidade natal de Ivan, aponta para o triste fim dos cinemas do interior.

Janela molhada, de Marcos Enrique Lopes, trata da aurora do cinema e sua preservação, pontuado pelo tom afetivo de uma de suas participantes, Dona Didi, filha do pioneiro Ugo Falangola, autor de Veneza americana (1924). Na tela grande do Teatro Guararapes, o filme encontrou o público e, na noite de Pelé e Wagner Moura (que não foi), garantiu espaço para Gentil Roiz, Jota Soares, Ary Severo e Edson Chagas, o marco zero do cinema pernambucano. A casa das horas, de Heraldo Cavalcanti começa bem ao criticar ironicamente a vida moderna, ao inverter o jogo do telemarketing. Procurada por uma farmácia no dia de seu aniversário, senhora solitária e carente de atenção (Nicete Bruno) vira o terror dos telefonistas. No entanto, a queda para o melodrama talvez tenha sido demais para manter o filme de pé.

**

Durante a cerimônia da abertura, o casal Alfredo e Sandra Bertini convidou ao palco a Ministra da Cultura Ana de Holanda e o Governador Eduardo Campos, que estava acompanhado de Dona Madalena Arraes. Subiu somente o governador, que ganhou uma salva de palmas de fazer inveja a Pelé. A ministra chegou depois e que duas das prioridades do audiovisual do MinC são dar continuação ao programa Cinema Perto de Você e discutir conteúdo. Antes, em reunião fechada, ela convidou Pelé para o
lançamento do projeto de restauração e digitalização do acervo do Canal 100, que deve ocorrer entre junho ou julho.

**

O lutador Luciano “Todo Duro” foi a sensação da noite também no foyer do Centro de Convenções, onde posou para fotos e deu autógrafos para os fãs. “Acho que a gente vai ganhar esse ‘Oscar’”, disse, ao Diario. “Ali estou eu real. Só faltou colocar que sou mestre de capoeira e que trabalho com jardinagem”. Perguntado se o filme pode estimular uma volta aos ringues, a resposta é “sim”. E manda um recado para Holyfield – o esboço para uma revanche? “Eu tô com saúde, ele tá doente”.

**

Wagner Moura não veio receber o Calunga honorário. Alegou problemas de saúde e agenda lotada – ele está em Paulínia, onde grava A cadeira de pai, com produção da O2 Filmes de Fernando Meirelles e Paulo Morelli. Mesmo assim, a homenagem foi feita na presença de sua mãe, Alderiva Moura, que veio da Bahia para o evento, e de um boneco gigante do Capitão Nascimento, produzido pela Petrobras, que comemora a marca de 500 filmes patrocinados. Tímida, Dona Alderiva foi ao microfone ler o recado do filho. Depois, não falou muito com a imprensa. “Sou tímida. Subi no palco por amor de mãe”, disse.

**

Hoje tem lançamento do DVD de KFZ 1348, de Marcelo Pedroso e Gabriel Mascaro. Vendido a R$ 20, o disquinho traz material extra e uma crítica assinada por Carlos Alberto Mattos. A prensagem é de mil cópias, assinadas pela REC Produtores de João Jr. “Ele chega em momento bacana, em que outros trabalhos nossos estão em circulação. E torna acessível um momento inicial da nossa carreira”, diz Mascaro, que concorre hoje na mostra de curtas com As aventuras de Paulo Bruscky, documentário 100% produzido em ambiente virtual do Second Life.

FIHQ no Overmundo

Desde o começo deste mês, estou escrevendo oficialmente para o site Overmundo. É um espaço virtual colaborativo, de código aberto, em que as pessoas podem enviar notícias sobre cultura do Brasil – isso vale pra você também!

Entre outros textos, escrevi um balanço da nona edição do Festival Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco. Para ler, basta clicar aqui. Assim como neste blog, aguardo sua visita e comentários também por lá.