A força da música

Não é fácil chegar ao simples. Para Eduardo Coutinho, 78 anos, ele vem na forma de um cinema decantado ao longo de décadas. Moscou (2008), desafio auto-imposto de “não-direção”, levantou suspeitas de uma possível nova fase. Em seu 12º longa, As canções, ele retorna ao método que o consagrou: a entrevista. Após sessão disputada no fim do ano passado, o filme abre com chave de ouro a programação do Cinema da Fundação, onde estreia amanhã.

Como o título já revela, As canções é um documentário musical. Não como os que estão em voga, sobre determinada época ou compositor. Mas sobre pessoas e a força que a música imprime em suas vidas. Todos têm ao menos uma, vinculada a alguém ou algum sentimento. Diferente de Edifício Master (2002) e O fim e o princípio (2006), em que as conversas se dão no local onde vivem os personagens, o cenário escolhido para a filmagem de As canções é uma espécie de confessionário, onde a redução de elementos chega ao mínimo possível. Das cortinas pretas, ao fundo, surge o entrevistado, que se senta na cadeira em frente à câmera. Ao lado da lente está Coutinho, para quem 18 pessoas se dirigem. Falam, riem, choram. Depositam os mais nobres sentimentos.

Mas se uma definição clássica para cinema é ação (movimento, moving pictures = movie), onde estará o cinema de Coutinho, que primam pela ausência de movimento físico? Em entrevista ao Diario, o próprio responde. “Desde Santo forte (2002) resolvi voltar a fazer cinema com a premissa de que uma pessoa que fala pode ser tão maravilhosa quanto o Titanic. Se a fala é uma performance, adquire caráter de ação”.

Dependendo do talento vocal, a montagem privilegia ou a história contada ou a cantada. Todas são de amor. São 17 pessoas, que entre outros, cantam Vinicius de Moraes, Carlos Lyra, Jorge Ben, Chico Buarque e Tom Jobim. Roberto Carlos, o rei dos românticos, não poderia faltar. Enquanto cantam, sentimentos jorram, momentos em que revelam a força e a beleza das nossas canções.

Todos os depoimentos emocionam, inclusive o do rapaz que canta e chora para a mãe, lembrando da infância. Há os que confessam exageros e até crimes em nome do amor. A melhor surpresa, o próprio Coutinho concorda, é a do agricultor, hoje feirante, que sofreu com a morte da mulher. Ele foi ao estúdio por curiosidade, não quis cantar no teste. “Como você manda uma mulher que morreu ficar longe de você?”, perguntou Coutinho. E ele cantou a música que compôs para ela. Emoções jorram. Coutinho e sua extraordinária câmera-divã.

Entrevista // Eduardo Coutinho: “A canção sempre vai existir”

O que te motivou a realizar o novo filme?
Primeiro, uma discussão que Chico Buarque levantou quando disse que a canção iria morrer. Para mim, essa questão é falsa. A canção está nos primórdios da humanidade e sempre vai existir, enquanto a voz humana existir. A forma de consumi-la pode mudar, as pessoas vão continuar a chorar, agora pela internet. Segundo, não quis fazer um filme com as canções que eu gosto, como faz a maioria dos documentários musicais.

Eles são todos iguais, não acha?
Alguns são péssimos, mas terminam sendo salvos pelo objeto. O que eu quis fazer não tem nada a ver com isso. Não procurei grandes cantores ou músicas pelo valor estético. As músicas estão lá independente do meu gosto.

E são um atestado da riqueza do cancioneiro brasileiro.
O filme não quer provar isso, mas é. Acho que depois da norte-americana está a música brasileira, depois a do Caribe. Elas foram formadas na diáspora, uma mistura que não existe no leste.

Como chegou aos entrevistados?
Pelo velho processo de adequação. Não quis músicos profissionais, com a intenção de se promover, mas pessoas cuja memória fosse ajudada pela música. Tanto que o personagem que mais me interessa no filme, um feirante de Ipanema, jamais irá a um Big Brother. Me interessa gente como ele, que revive e reinventa o passado, que para mim é mais verdadeiro do que o vivido. No processo, o afeto foi uma questão essencial.

Ninguém quis cantar Raul?
Pensei que iria encontrar duzentos Raul Seixas e não teve nenhum. Fiquei surpreso ao encontrar três pessoas cantando Legião Urbana, que são músicas difíceis de cantar, mas não entraram no filme por razões técnicas.

A música sempre está presente em seus filmes.
Desde Santa Marta (1987), que tem dez músicas. Depois, fiz Boca do lixo (1993), que um entrevistado canta uma música de José Augusto. Gosto de gente que canta a capella, que não é cantor mas tem motivo para cantar.

O que te move a dirigir um novo projeto?
Procuro um filme que eu faça não porque tenho, mas porque quero fazer. Penso em um sobre o dicionário, que tem todo o mundo dentro dele. Usar o esquema de esquetes e entrevistas, criar uma lógica para a leitura de verbetes, fazer alguma loucura em cima disso. Por que as pessoas dizem palavrão? Acho isso fascinante. O problema é que isso envolveria atores, direção de arte e questões de direito autoral, o que eleva os custos.

(Diario de Pernambuco, 05/01/2012)

Mostra de SP // "Um dia na vida", de Eduardo Coutinho

Um dia na vida (Brasil, 2010), novo trabalho de Eduardo Coutinho, quase não pode ser chamado de filme. É pouco menos do que experimento, algo mais do que provocação. Como de praxe na obra recente do documentarista, seu método foi revelado no início do longa. Só que, desta vez, as regras também valem para a exibição.

O que Coutinho batizou de “material gravado como pesquisa para um filme futuro” é resultado de 19 horas de programação da TV aberta, editados em 94 minutos. O recorte foi feito para ser exibido uma única vez, durante a 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

A manobra é uma clara demonstração de que o diretor de Cabra marcado para morrer (1964-84), Edifício Master (2000) e Jogo de cena (2008) não está nem aí para o que as pessoas esperam dele. Ao contrário, se arrisca como se esse fosse o primeiro – ou o último – projeto de sua vida. “De criativo ele não tem nada”, disse Coutinho, para cerca de 500 pessoas na noite de quinta-feira. “O princípio é da pilhagem. Tudo a certa medida é plágio, cópia, referência. A figura do artista original é uma farsa romântica”.

A exclusividade do evento, aliado ao prestígio do realizador, culminou em sala lotada, mesmo que nem uma linha, exceto as aspas acima, fosse antecipada sobre o que seria mostrado. O motivo da estratégia foi evitar qualquer possibilidade de Coutinho e equipe (liderada por João Moreira Salles) sofressem sanções legais por uso indevido de imagens.

TV no cinema – No fim da projeção, a colagem foi explicada e defendida pelos amigos Jorge Furtado e o montador Eduardo Escorel, que ressaltaram o princípio da descontextualização da obra original. Ao transferir imagens da TV para o cinema, surge o valor documental. De forma que esse “troço”, como o próprio Coutinho define, só não foi uma arapuca armada de forma maliciosa porque sim, remete a uma experiência interessante na medida em que potencializa as aberrações transmitidas diariamente para milhões de narcotizados.

Com os olhos bem abertos, assistimos programas e comerciais da Globo, SBT, Record, Band, Rede TV!, MTV, TV Brasil, zapeadas nas vésperas da escolha do Brasil como sede das Olimpíadas 2016. “Escolhi um período sem decisão de futebol, eleição ou grandes tragédias. Quando não acontece nada de relevante é que as coisas relevantes aparecem”, crê o diretor.

A edição começa com o telecurso e termina com o ritual do copo d’água às 2h da manhã. No meio do caminho, encontramos garotas seminuas caçando caranguejo, o cirurgião da moda ditando regras sobre o corpo feminino, propaganda do partido comunista e Wagner Montes dando a receita para se lidar com uma mulher rebelde: “Não precisa bater, basta segurar os braços”.

Durante o debate, Jorge Furtado demonstrou que foi pego de surpresa e estava tão consternado quanto outras pessoas da plateia. “Cinema e televisão usam a mesma linguagem. A diferença está na atenção que prestamos. A TV não foi feita para ser vista assim. No cinema ela grita, nos ofende. Jean Claude Carrière diz que o cinema ama o silêncio. Já a TV odeia o silêncio”. Na busca de caminhos, ele propõe uma via educacional para que alunos de universidades possam pensar a natureza do conteúdo televisivo. “Vamos contar quantas vezes se fala em Deus para ganhar dinheiro. Ou quantas vezes os pobres são humilhados pelos ricos”.

Já Coutinho não tem dúvida quanto à função social de tal programação. “Como máquina de despolitizar, a TV é perfeita”.

"Moscou", de Eduardo Coutinho, radicaliza na experimentação


Coutinho, Diaz e as regras do jogo

Ao final dos 78 minutos de Moscou, a reação estampada no rosto do público do Festival Paulínia de Cinema oscilava entre estranhamento e admiração. Não fosse o prêmio da crítica, sairia do festival de mãos abanando. Filme difícil. Até mesmo a parcela de cinéfilos e de iniciados nas artes cênicas, potenciais interessados pelo longa, terão dificuldade para acompanhar a narrativa fragmentada e obscura do novo trabalho de Eduardo Coutinho.

Em Moscou, Coutinho dá uma guinada com relação aos filmes que realizou ao longo da década. A investigação é a mesma de Jogo de cena, o filme anterior: localizar a linha – se é que ela existe – que separa ator e personagem, real e imaginário, ficção e documentário. O método, no entanto, é radicalmente outro. No lugar das longas entrevistas frente a frente, que se tornaram uma das marcas do diretor, entram em cena os atores do Grupo Galpão, convocados para ensaiar por três semanas a peça russa As três irmãs, de Anton Tchekhov. A peça nunca chegou a ser encenada. Foi proposta exclusivamente para ser matéria-prima fílmica.

Coutinho se manteve praticamente fora de cena. No começo, ele surge para estabelecer as regras ao grupo: conciliar memórias afetivas ao texto de Tchekhov. O objetivo inicial era reproduzir o texto completo durante o filme. O primeiro corte teve 4h40 de duração. Por sugestão do produtor João Moreira Salles, o corte final abre mão de cerca de 80% dos diálogos. Não apresenta os personagens, alguns interpretados por mais de um ator. Não diferencia exercício e cena. Tudo é válido, tudo é palco. O único sentido indispensável é expressar as inquietações do cineasta.

Do camarim à sala de ensaio, o diretor optou por exercer o mínimo de influência. Outorgou a tarefa para Enrique Diaz, um dos diretores do Galpão. Às câmeras, ordenou que circulassem à vontade entre os atores. O ponto máximo desse descontrole se dá quando a cena se desenrola no escuro absoluto, ocasionalmente iluminado por fósforos riscados pelos atores.

Para os personagens de As três irmãs, que habitam os confins da Rússia, Moscou é a promessa de uma vida melhor. No filme, é um destino abstrato, adaptável à imaginação. Coutinho, ao abrir mão de sua conhecida habilidade na condução do próprio filme, o torna aberto para que cada um que procure o seu.

Festival de Paulínia encerra mostra competitiva


Antes que o mundo acabe – inteligência e apelo pop

Paulínia (SP) – Os longas Hebert de perto, documentário de Roberto Berliner, e a ficção gaúcha Antes que o mundo acabe, de Ana Luíza Azevado, encerraram na noite de quarta-feira a maratona de 12 longas e 12 curtas do 2º Festival Paulínia de Cinema. Foram seis dias de competição, uma programação que, de forma ascendente, representou a diversidade que hoje é o cinema brasileiro. O voto da crítica, decidido ontem pela manhã, elegeu Moscou, doc de Eduardo Coutinho e Antes que o mundo acabe. Resta agora saber quais receberão o troféu Menina de Ouro pela eleição do público e júri oficial, formado pelo escritor Zuenir Ventura, o exibidor Adhemar de Oliveira, a roteirista Elena Soarez, o diretor João Jardim, a diretora de programação da HBO Maria Ângela de Jesus e a atriz Sandra Corveloni.

Romance de formação sobre duas rodas, Antes que o mundo acabe reafirma a marca da Casa de Cinema de Porto Alegre em fabricar filmes bem acabados, inteligentes, de pegada pop sem abrir mão do tempero gaúcho. Conta narra a vida de Daniel, um menino de 15 anos que vive em Pedra Grande, cidade com 16 mil habitantes e oito mil bicicletas. Para a família é só variação de hormônios, mas Daniel está perdendo a namorada para o melhor amigo. Não bastasse, o pai biológico, um fotógrafo que foi morar na Tailândia, começa a fazer contato via envelopes com muitas imagens e histórias exóticas e pessoais. A trilha sonora que lembra Belle and Sebastian (há duas músicas da banda Os Darma Lovers) alterna entre o tom “folk fofo” e rock’n’roll, de acordo com as oscilações de humor do protagonista.

Com rara capacidade de se comunicar diferentes faixas etárias, o filme de Azevedo deve consolidar boa carreira no circuito comercial. A diretora gaúcha despontou em 1989 com o curta Barbosa, co-dirigido por Jorge Furtado, sócio mais famoso da Casa de Cinema, empresa que se projetou a partir de Ilha das Flores, de Furtado. De lá para cá, acumula nove filmes, todos de curta duração, entre eles Dona Cristina perdeu a memória, eleito melhor curta de 2003 pelo Cine PE. Foi também assistente de direção de quase todos os longas de Furtado (Meu tio matou um cara, O homem que copiava), com quem assina a série global Decamerão, que vai ao ar no fim deste mês.

Produção independente, Antes que o mundo acabe é baseada em livro homônimo de Marcelo Carneiro da Cunha, que Azevedo conheceu através de seus filhos. “Acho bárbaro que existam mais filmes para essa faixa etária, fundamental para formação de público para o cinema brasileiro”, disse a diretora, em conversa com o Diario. “Até pouco tempo, os jovens não tinham interesse em ver filmes brasileiros. É um trabalho árduo ganhar esse público”.

Um dos melhores documentários do festival, Hebert de perto, de Roberto Berliner e Pedro Bronz, se mostrou bem resolvido enquanto linguagem, algo raro na atual onda de filmes sobre personalidades da MPB recente, que tem em Nelson Motta sua figura mais fácil e cansativa.

Desta vez, nada de “especialistas”. Diretor de vários clipes dos Paralamas do Sucesso, Berliner reuniu a família de Hebert Vianna (o que inclui os companheiros de banda, o produtor e o amigo Dado Villa Lobos), fez uso das próprias imagens de arquivo e da proximidade que tem com o compositor para mostrá-lo na intimidade, como o título sugere. A proximidade foi tanta que há depoimentos de Hebert entre o closet e o banheiro da suíte onde dorme.

Grande sacada de Berliner e Bronz foi editar o primeiro show da banda no Circo Voador e apresentações da turnê de 2006 como se fosse uma só. Cinema como ponte entre o jovem de óculos vermelhos e camiseta do Mickey Mouse com o homem de cadeira de rodas, renascido do acidente aéreo, tudo no mesmo palco.

O "não-filme" de Eduardo Coutinho

Paulínia (SP) – Um “filme-ensaio”, quase um “não-filme”, ofuscou as demais atrações da noite de segunda-feira no Festival Paulínia de Cinema. “Não sei o que fiz”, diz o próprio diretor, Eduardo Coutinho. Aos 77 anos, um dos mais importantes documentaristas em atividade se arrisca em fazer algo novo e sem dúvida, árido para a maioria do público consumidor de cinema. Ao mesmo tempo, Moscou mantém coerência com o que tem desenvolvido nos últimos anos, quando iniciou parceria com a produtora Videofilmes, de João Moreira Salles.

Foi de Salles, aliás, a ideia de convidar o Galpão, grupo de teatro mineiro, para servir de laboratório para um experimento um tanto incomum: ensaiar durante 18 dias, exclusivamente para o documentário, a peça As três irmãs, de Anton Tchekhov, a quem agradeceu da seguinte forma: “ele não tem culpa do que eu fiz”, disse Coutinho, ao apresentar o filme ao público do Theatro Municipal, em demonstração física de incômodo e tensão.

O que interessa a Coutinho, como sabem todos aqueles que acompanham sua obra, é o processo. Para ele, não importa o que entra em cena, tudo é apresentação e representação, verdade e mentira, imaginário e real. Moscou mantém tais premissas, só que de maneira um tanto sofrida. Tanto que, após 70 horas de gravações e um primeiro corte de 4h40 com o texto do dramaturgo russo na íntegra, o cineasta quase desistiu do projeto. “Não tem filme”, teria dito Coutinho a Salles, que ofereceu a saída com um corte final de 80 minutos, completamente fragmentado e sem a mínima intenção de fazer sentido. A solução coloca em primeiro plano um elemento de criação menos recorrente a seus filmes: a montagem. “Saí do inferno”, disse Coutinho, em intrigante coletiva de imprensa na manhã de ontem. “Quero escapar do purgatório também”.

Segundo o próprio, as perspectivas não são as melhores. “É um filme difícil. Quase ninguém sabe quem é Tchekcov no Brasil. Até uma analfabeta vê e se interessa por Jogo de cena. Já Moscou é limitante pra quem não temnoção de teatro. De qualquer forma, o público que assiste documentário é louco. Quem vai a teatro também é, então quero juntar esse público”.

Diferente de Edifício Master e O fim e o princípio, em que procura estabelecer relação íntima com o entrevistado, Coutinho dirige o olhar sobre um grupo de atores regidos por Enrique Diaz, um dos diretores do Galpão. Para ele, este foi um processo penoso, pois teve de abrir mão do controle geralmente atribuído ao condutor de um filme. “O crédito do filme devia ser do Henrique”, chegou a dizer o realizador. “Eu me perguntava o que estava fazendo ali. Minha única preocupação era acreditar no que os atores dizem, observar o diretor que observa o grupo. Não sabia o que seria o filme, ou o que acabou se tornando”.


Os diretores Enrique Diaz e Evaldo Coutinho apresentam as regras do jogo

Lampejos de uma peça que nunca será vista integralmente, as imagens de Moscou foram feitas sem pensar em iluminação ou cenário. Entre leituras dramáticas e encenações, tudo entra em cena: camarins, caixas de papelão, extintores de incêndio, conversas paralelas, umespaço cênico esquemático e com pouquíssima luz. Há inclusive um momento de completa escuridão, rompido por fósforos riscados pelos atores.

“Tudo era válido, e ao mesmo tempo tudo era palco”, explica Coutinho, que aparece em cena uma única vez, em reunião que estabelece as regras do jogo: uma dinâmica de construção de personagens que utiliza memórias reais e inventadas, do passado e também do futuro. “Queria trabalhar com atores, que são pagos para representar a paixão dos outros. Toda memória é mentira e verdade. Da mesma forma, não dá para separar o personagem da pessoa que o representa”.

No texto original, a cidade de Moscou é compartilhada pelos personagens como destino redentor e de distinção social. No ensaio / filme, nada mais é do que uma abstração, por vezes materializada em fotografias de infância ou em desenhos de giz nas paredes. “São elementos misturados com o real, para fazer chegar a Tchekhov da única maneira possível no tempo disponível. Moscou é um ponto de partida do imaginário. As pessoassonham com um Moscou da infância, ou que vai chegar. Assim, todo mundo pode participar”, disse o diretor.

Mais adiante, Coutinho confessa que esse é um filme sobre si mesmo, definição quase que redentora para os críticos mais inquietos. “Não me interesso por filmes temáticos, sobre hospícios ou presídios. Cada vez mais quero saber o que acontece na frente de uma câmera. O que tem de verdade ou mentira nisso, não tem a menor importância”.

*publicado no Diario de Pernambuco