A força da música

Não é fácil chegar ao simples. Para Eduardo Coutinho, 78 anos, ele vem na forma de um cinema decantado ao longo de décadas. Moscou (2008), desafio auto-imposto de “não-direção”, levantou suspeitas de uma possível nova fase. Em seu 12º longa, As canções, ele retorna ao método que o consagrou: a entrevista. Após sessão disputada no fim do ano passado, o filme abre com chave de ouro a programação do Cinema da Fundação, onde estreia amanhã.

Como o título já revela, As canções é um documentário musical. Não como os que estão em voga, sobre determinada época ou compositor. Mas sobre pessoas e a força que a música imprime em suas vidas. Todos têm ao menos uma, vinculada a alguém ou algum sentimento. Diferente de Edifício Master (2002) e O fim e o princípio (2006), em que as conversas se dão no local onde vivem os personagens, o cenário escolhido para a filmagem de As canções é uma espécie de confessionário, onde a redução de elementos chega ao mínimo possível. Das cortinas pretas, ao fundo, surge o entrevistado, que se senta na cadeira em frente à câmera. Ao lado da lente está Coutinho, para quem 18 pessoas se dirigem. Falam, riem, choram. Depositam os mais nobres sentimentos.

Mas se uma definição clássica para cinema é ação (movimento, moving pictures = movie), onde estará o cinema de Coutinho, que primam pela ausência de movimento físico? Em entrevista ao Diario, o próprio responde. “Desde Santo forte (2002) resolvi voltar a fazer cinema com a premissa de que uma pessoa que fala pode ser tão maravilhosa quanto o Titanic. Se a fala é uma performance, adquire caráter de ação”.

Dependendo do talento vocal, a montagem privilegia ou a história contada ou a cantada. Todas são de amor. São 17 pessoas, que entre outros, cantam Vinicius de Moraes, Carlos Lyra, Jorge Ben, Chico Buarque e Tom Jobim. Roberto Carlos, o rei dos românticos, não poderia faltar. Enquanto cantam, sentimentos jorram, momentos em que revelam a força e a beleza das nossas canções.

Todos os depoimentos emocionam, inclusive o do rapaz que canta e chora para a mãe, lembrando da infância. Há os que confessam exageros e até crimes em nome do amor. A melhor surpresa, o próprio Coutinho concorda, é a do agricultor, hoje feirante, que sofreu com a morte da mulher. Ele foi ao estúdio por curiosidade, não quis cantar no teste. “Como você manda uma mulher que morreu ficar longe de você?”, perguntou Coutinho. E ele cantou a música que compôs para ela. Emoções jorram. Coutinho e sua extraordinária câmera-divã.

Entrevista // Eduardo Coutinho: “A canção sempre vai existir”

O que te motivou a realizar o novo filme?
Primeiro, uma discussão que Chico Buarque levantou quando disse que a canção iria morrer. Para mim, essa questão é falsa. A canção está nos primórdios da humanidade e sempre vai existir, enquanto a voz humana existir. A forma de consumi-la pode mudar, as pessoas vão continuar a chorar, agora pela internet. Segundo, não quis fazer um filme com as canções que eu gosto, como faz a maioria dos documentários musicais.

Eles são todos iguais, não acha?
Alguns são péssimos, mas terminam sendo salvos pelo objeto. O que eu quis fazer não tem nada a ver com isso. Não procurei grandes cantores ou músicas pelo valor estético. As músicas estão lá independente do meu gosto.

E são um atestado da riqueza do cancioneiro brasileiro.
O filme não quer provar isso, mas é. Acho que depois da norte-americana está a música brasileira, depois a do Caribe. Elas foram formadas na diáspora, uma mistura que não existe no leste.

Como chegou aos entrevistados?
Pelo velho processo de adequação. Não quis músicos profissionais, com a intenção de se promover, mas pessoas cuja memória fosse ajudada pela música. Tanto que o personagem que mais me interessa no filme, um feirante de Ipanema, jamais irá a um Big Brother. Me interessa gente como ele, que revive e reinventa o passado, que para mim é mais verdadeiro do que o vivido. No processo, o afeto foi uma questão essencial.

Ninguém quis cantar Raul?
Pensei que iria encontrar duzentos Raul Seixas e não teve nenhum. Fiquei surpreso ao encontrar três pessoas cantando Legião Urbana, que são músicas difíceis de cantar, mas não entraram no filme por razões técnicas.

A música sempre está presente em seus filmes.
Desde Santa Marta (1987), que tem dez músicas. Depois, fiz Boca do lixo (1993), que um entrevistado canta uma música de José Augusto. Gosto de gente que canta a capella, que não é cantor mas tem motivo para cantar.

O que te move a dirigir um novo projeto?
Procuro um filme que eu faça não porque tenho, mas porque quero fazer. Penso em um sobre o dicionário, que tem todo o mundo dentro dele. Usar o esquema de esquetes e entrevistas, criar uma lógica para a leitura de verbetes, fazer alguma loucura em cima disso. Por que as pessoas dizem palavrão? Acho isso fascinante. O problema é que isso envolveria atores, direção de arte e questões de direito autoral, o que eleva os custos.

(Diario de Pernambuco, 05/01/2012)

Cine PE tipo exportação

Durante a realização da 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife em novembro passado, Alfredo Bertini, diretor do Cine PE – Festival do Audiovisual, anunciou a criação de uma Frente dos Grandes Festivais (FGF). A nova entidade, que inclui os festivais do Rio, Gramado, Brasília, Ceará e Pernambuco (e está de olho em Paulínia, Anima Mundi e É Tudo Verdade), surgiu para defender interesses específicos dos maiores festivais do país, que até então faziam parte do Fórum dos Festivais, do qual o próprio Bertini foi presidente.

Em conversa com o Diario, Bertini explica a FGF, antecipa algumas novidades do Cine PE – que neste ano se internacionaliza em parceria com países africanos – e critica os sistemas de patrocínio a eventos culturais: “O mecenato é fundamental para os produtos culturais com inclinação para o mercado”. Fala ainda sobre os dois longa-metragens que sua empresa, a BPE, está produzindo: o documentário Sons da esperança, de Zelito Viana, sobre a Orquestra Cidadã Meninos do Coque, e uma comédia de ficção que deve começar a ser filmada nos próximos meses. “Será a maior produção de cinema do estado e a primeira grande comédia urbana nordestina”, diz o produtor.

Entrevista: Alfredo Bertini: “Pernambuco precisa de lei do mecenato”

O que os angolanos esperam dos brasileiros?
Aprender. Eles vieram para cá, viram o Cine PE e ficaram impressionados com a quantidade de público. Então, a BPE fez um acordo de cooperação com o governo de Angola. Com isso, esperamos oferecer uma consultoria para que o Festival de Luanda seja melhor organizado. A ideia é fazer com que ele saia da muleta do governo e ande com as próprias pernas, sem a retaguarda do estado.

Como essa ponte pode ser viável, economicamente?
Apesar dos vários problemas, Angola está crescendo mais do que o Bric. Eles têm condições de realizar projetos culturais, mas não sabem como. O país é o maior produtor mundial de diamantes, o segundo maior de ouro e o quinto maior de petróleo. Mas vive em regime ditatorial, em transição do socialismo para o capitalismo. Olhamos muito para os festivais da Europa e EUA, com os quais temos muito o que aprender. Mas há outros para os quais podemos ensinar. Cabo Verde, Argélia e Guiné Bissau demonstraram interesse em discutir perspectivas. Além disso, recebemos convites para conhecer o festival de Moçambique. Em troca, vamos trazê-los para o Cine PE.

Como você vê o crescimento do número de eventos de cinema em Pernambuco?
Não temos nada contra, mas são projetos locais, que precisam ter planos específicos por parte das políticas de incentivo. No Ceará, por exemplo, hoje existem oito festivais. E o Banco do Nordeste, além de mobilizar recursos para o Cine Ceará e Cine PE, que são projetos nacionais, que têm uma história, direcionou o mesmo investimento para a primeira edição de outro festival. Essa política é um equivoco. Do ponto de vista de estratégia de marketing, a pulverização enfraquece a marca.

Mas isso não impediria o fortalecimento de novos festivais?
A gente não começou grande. Todo mundo pode crescer, essa é a dinâmica da economia da cultura. Em algum momento, quem depende de fundo vai para o mecenato e novos projetos passam a demandar pelo fundo. E como esses projetos, pela própria dinâmica, precisam evoluir, o alvo final seria um estágio de independência total das garras do governo. Até mesmo do mecenato.

A fundação da FGF tem sido comparada à classificação dos times de futebol, divididos em série A e B.
Mas é isso mesmo. São as regras do mercado. Tem que ter primeira e segunda divisão. O futebol faz isso porque não dá para comportar todo mundo. A grande questão está no fato de não se depender apenas da “visão editalesca” que tomou conta da cultura. Esse é o risco de quem, em nome da democracia, exagera na dose e perde de vista o essencial, que é a meritocracia.

Por isso a saída do Fórum dos Festivais?
Distorções conceituais nos fizeram sair. Atualmente, existem 270 festivais no Brasil. Não somos contra, a produção precisa escoar. Mas cada um tem interesses e finalidades diferentes. Não dá para tratar a todos da mesma forma, com o mesmo edital. Esse é o conceito que defendemos na FGF. Apoiamos a Lei Rouanet, mas a maioria acha diferente, que tem que ter fundo. Não dá para ficar prejudicado com o corte de recursos da Petrobras. Temos que tomar alguma atitude. A cada ano perdemos R$ 150 mil com a desvalorização monetária.

Quais interesses serão defendidos pela FGF?
Mobilizamos os grandes festivais de cada região, que fazem parte do calendário nacional, para pressionar governos por um tratamento diferenciado. Por exemplo, minha proposta de investimento do Cine PE não cabe no Funcultura, tem outro perfil. Tenho perdido patrocinadores que estão nos festivais do nosso grupo, justo porque Pernambuco não tem lei do mecenato. Penso que Eduardo Campos precisa rever isso com urgência, sobretudo se perdermos algumas vantagens da Lei Rouanet, no bojo da proposta do Procultura. Nesse sentido, daria para apostar num quadro novo de mecenato, apenas direcionado para os projetos de dimensão e reverberação nacional. Parceiros privados viriam, dispostos a contrapartidas de até 30%.

O patrocínio da Petrobras já não garantiria a continuidade dos festivais?
Como somos eventos de grande porte, somos convidados pela Petrobras. O lucro fiscal da empresa tem diminuído, o que gera uma brutal redução nos recursos de incentivo à cultura. O quadro para 2012 é preocupante, a ponto de a empresa já ter definido o direcionamento para os mecenatos estaduais, nos casos possíveis. Defendemos que o investimento seja retomado para os padrões de 2008, priorizando antes os grandes eventos de audiovisual, pois eventos que nasceram ontem estão recebendo quase o mesmo patrocínio. Também vamos sugerir uma cláusula nos editais de produção de filmes, que determina que, para o filme ser patrocinado, sua primeira exibição deve acontecer em um dos grandes. É uma saída para elevar o nível da programação.

Mas isso não pode prejudicar a carreira do filme no exterior?
Não. Festivais como Cannes, Berlim e Veneza não exigem esse tipo de ineditismo. Se o filme for exibido no próprio país, não há bloqueio. Eles sabem que existem compromissos. Temos enfrentado esse problema por anos. Por exemplo, desde outubro de 2010 Heleno (de José Henrique Fonseca) estava previsto para estrear no Cine PE. Em janeiro, ele disse que não colocaria porque estava esperando a posição de Berlim. Não entrou. Liguei pra ele e ele disse: estou esperando Cannes. Também não entrou. Será uma atitude correta com os festivais brasileiros, já que os filmes são realizados com dinheiro público? Vamos fazer reserva de mercado, sim. Não vamos perder espaço para os internacionais porque os diretores querem massagear o ego.

Quais as novidades para o Cine PE de 2012?
O festival chegou ao tamanho que a gente queria. Escutamos setores e participamos de seminários, o que nos levou a algumas mudanças. Neste ano, a Mostra Pernambuco será no Centro de Convenções. A competição de curtas unificou os formatos digital e 35mm em uma única mostra e o padrão mínimo para produções em digital será o Full HD. Já temos dois homenageados e o filme de abertura definidos. A programação será em uma semana fechada, com cinco longas e 18 curtas na mostra competitiva oficial. Creio que, com isso, o Cine PE atingiu o modelo ideal. Também estaremos lançando o livro comemorativo dos 15 anos.

Além do Cine PE, quais os outros projetos da BPE?
Finalizamos as filmagens de Sons da esperança, que vai encerrar a programação do próximo Cine PE. Estou muito satisfeito, com o projeto de filme de ficção, que será dirigido por André Moraes. Somos quatro sócios, sendo duas produtoras do Rio de Janeiro e uma de São Paulo. Há duas distribuidoras em negociação. A história será ambientada em 1985 e terá como trilha todos os sucessos nacionais da época. Adriana Falcão e Nelson Caldas estão revisando o roteiro, escrito por mim. O elenco terá cerca de 50 artistas, a maioria pernambucanos. O orçamento será de R$ 7,2 milhões.

O que falta para Pernambuco ter uma indústria cinematográfica?
Em 2005 fundamos um Sindicato da Indústria Cinematográfica de Pernambuco, do qual fui presidente. Nos vinculamos à Federação das Indústrias, que nos deu total apoio, mas não geramos contribuição e pedi suspensão temporária. Agora, no festival, quero reunir o maior número possível de interessados e retomar essa discussão. O problema é que são poucas produtoras no estado, a maioria de atividade esporádica. E não dá para falar de indústria cultural em Pernambuco se a maior parte da produção é mantida com recursos públicos, direcionados a pessoas físicas. Por isso a necessidade de uma lei do mecenato, que estimule a busca pelo mercado.

Saiba mais

Recifense de 1961, Alfredo Bertini é doutor em economia pela Universidade de São Paulo.

Tem carreira como professor universitário, consultor e autor de livros especializados, entre eles, Economia da cultura (Editora Saraiva).

Foi secretário adjunto do estado de Pernambuco em 1994 e 1995. Após visita ao Festival de Gramado, começou a desenvolver o projeto de um festival de cinema para o Recife.

Em 2004 e 2005 foi secretário de Turismo e Esportes da Prefeitura do Recife e, logo depois, presidente do Fórum dos Festivais.

É diretor – junto com a esposa Sandra Bertini – do Cine PE — Festival do Audiovisual, que em 2012 completa 16 anos.

(Diario de Pernambuco, 02/01/2012)

Entrevista // Felipe Peres Calheiros: "Precisamos de condições iguais"

Em conversa caudalosa, a frase quase passa despercebida: “meu esporte é problematizar”, diz Felipe Peres Calheiros. Daí seu interesse pela dimensão social e política da realidade, representada em filmes de viés humanista. A definição também vale para seu próprio trabalho, colocado em crise a cada realização. A última, o curta-metragem Acercadacana, foi eleito o melhor do último Festival de Brasilia. Desde então, percorreu mais de 20 festivais. Hoje, amanhã e quarta-feira, ele será exibido no Festival Internacional de Curtas de São Paulo, o maior do país. Até outubro, vai para Biarritz (França), Santiago (Chile) e Suécia.

Felipe explica que o drama de Dona Francisca, agricultura ameaçada de perder a terra em que mora há 40 anos para um poderoso grupo usineiro, aponta para algo maior. “Temos vivido um boom econômico e uma aparente satisfação social com empregos e índices econômicos, mas para nós, isso não reflete em caminhos interessantes”.

O “nós” a que ele se refere é o Coletivo Asterisco, com quem desde 2006 desenvolve projetos como Mais um encontro em família, sobre a famosa noite cubana do Clube Bela Vista, no Alto Santa Terezinha. E Reforma universitária, o que eu tenho a ver com isso?, fruto de seu engajamento no movimento estudantil que participou durante os estudos nas faculdades de Direito (UFPE), Administração (UPE) e Rádio e TV (UFPE).

Antes, produziu um curta sobre um grupo quilombola que queria conhecer a praia. Assim nasceu Até onde a vista alcança, que desde 2007 percorreu 50 festivais em 16 países. Foi sua primeira experiência com a câmera, que veio a definir sua vida profissional. “Fizemos tudo em duas pessoas”.

A urgência em realizar e injetar dinamismo aos projetos levou Felipe a colocar no ar o site Vurto.com.br, criado em parceria com Marcelo Pedroso, outro realizador marcado pela inquietude estética e política. Aliados à educação, forma-se o tripé no qual Felipe pretende desenvolver os próximos trabalhos.

Como surgiu o projeto Acercadacana?

Em 2008 fui para Holanda com o Até onde a vista alcança e fiquei pasmo porque Lula esteve lá um pouco antes com uma campanha pelo uso do biocombustível. Havia faixas defendendo o combustível verde, como se o etanol fosse a salvação ecológica e social do mundo. E isso não é verdade, pois sabemos quais são as condições que o monocultivo da cana oferece para as pessoas e para o meio ambiente. Aí pensei em fazer um debate no cinema sobre isso. Fomos pesquisar junto com a Comissão Pastoral da Terra e ela apontou Dona Francisca entre os agricultures em situações semelhantes. Quando cheguei na casa dela, percebi que a situação era urgente e começamos a filmar. Fizemos três visitas e no começo de 2010 sentei com Paulo Sano, escrevemos o roteiro e montamos o filme.

Tudo sem edital?

Sem edital. Seria incoerente não realizar o filme, ao perceber a situação daquela agricultora que mora há 40 anos naquela terra, que tem uma ação à espera de julgamento para se confirmar o usucapião a que tem direito.

E o retorno dessa discussão?

Ainda estamos digerindo isso. A aceitação em festivais não foi tão ampla e não tivemos repercussão direta para o caso de Dona Francisca. O Tribunal de Justiça de Pernambuco não se propôs a julgar o caso de forma mais célere. Circular em festivais pode motivar pessoas a repensarem sobre o etanol, mas será que isso é o que devemos continuar fazendo? Agora que ele está aprovado pelo Funcultura para se tornar três episódios para a TV, estamos passando por esse debate, que também parte de entender como a cadeia produtiva do etanol e o desenvolvimentismo no Brasil tem se pautado.

E a ideia é interferir nisso de alguma forma.

Isso. E a questão é estende o filme para a TV ou fazer outra coisa. Tenho percebido que a educação é um caminho tangível e atraente para relacionar cinema com mudança, com novas atitudes. Isso é um indicativo do que vem por aí, uma tentativa paulofreireana de fazer cinema.

Acercadacana tem uma sofisticação estética e linguagem que o diferencia da ingenuidade de certos filmes de denúncia.

Procuramos conciliar ritmo, montagem e composição do filme, para representar de forma digna a história de Dona Francisca e sua luta para ganhar visibilidade. E de uma forma mais ampla, tentamos caminhar no sentido de construir uma narrativa coerente, partindo da compreensão de que cinema se constitui espaço de representação do mundo e portanto, necessariamente ligado a questões de poder. Ele tem papel fundamental no questionamento dessas relações, que estão mudando. Hoje temos uma liquefação da forma como as elites e os espaços de poder se organizam, e o cinema que vai tratar dessas questões não pode ficar restrito à mera denúncia. Por isso bebemos do cinema experimental, da ficção enquanto estudo estético, procuramos ferramentas de construção do cinema. Se queremos lidar com os mecanismos de poder, precisamos entender como funciona esses espaços no cinema, para levar uma mensagem e isso tudo fazer sentido pra gente. Isso passa por questões éticas, estéticas, pessoais.

Como resolver a questão ética de transformar um assunto delicado em produto?

Tem uma série de referências que lastreia nossa prática audiovisual, que vai muito além do cinema. Paulo Freire por exemplo, para mim é fundamental. Ele diz que ninguém chega para uma conversa sem conhecimento prévio, o que nos faz estabelecer um lugar de igualdade. Por exemplo, a Associação Quilombola do Sambaqui precisava construir uma sede. Fizemos 500 cópias do DVD, que foram vendidas na cidade de Panelas. Dona Francisca está esperando para fazer a casa dela de alvenaria. E tivemos a ideia de fazer cópias de Acercadacana. Já vendemos algumas e o dinheiro está sendo arrecadado pra ela construir a casa.

Como é circular nos festivais?

É um pouco complexo. Festivais oferecem diversas possibilidades de interagir com plateias. Há os que colocam a mim, curta-metragista iniciante, em hotel de luxo no Amazonas, junto com figuras do cinema hollywoodiano. E os que colocam todo mundo no mesmo quarto, mas promove uma discussão que faz com que o filme ganhe outra dimensão. Trafegar em festivais assim te reconstrói. Acho que isso agrada todo mundo que faz cinema com essa intenção. Por outro lado, fazemos concessões como dormir em casa de taipa num quilombo para gravar um filme, para depois levar um quilombola dormir em um hotel em Amsterdã. Isso gera muitas questões pessoais.

O que te levou a colocar no ar um site para veicular pequenos filmes?

O Vurto é parte disso que a gente está falando, crítica aos festivais, a uma estrutura como o cinema independente tem se comportado, produto que tem que chegar a uma distribuidora para pagar as contas de casa e de fazer cinema de uma forma mais livre e realmente independente. Acho que essas insatisfações que motivaram eu e (Marcelo) Pedroso a procurar um lugar diferente dentro dessa mobilidade do mundo, a internet se tornou o espaço para expressar essas críticas, questionamentos, espelhos, está em construção.

Considerando que os financiadores talvez não queiram se envolver em polêmicas, como viabilizar projetos que abordam assuntos difíceis, que mexem com gente poderosa?

Esse é um dos riscos que fazem parte dessa escolha, mas o principal deles é o risco de vida, que não chegou a mim diretamente, mas sim a Dona Francisca, quando estávamos lá e fomos abordados por seguranças armados. Quando exibimos, e amigos dizem que fosse 20 anos atrás, não estaríamos vivos. Sabemos quais são as condições de segurança para pessoas dispostas a enfrentar os lugares de poder. Não faltam exemplos. Este ano, 15 pessoas foram assassinadas por questões ligadas à terra. Quanto ao financiamento, precisamos de condições iguais tanto para obras que façam propagandas governamentais quanto obras que falam o contrário. Vozes múltiplas precisam ser ouvidas numa democracia.

Fale um pouco sobre o documentário sobre Zuleno.

O filme está em finalização. Diego Medeiros, que hoje é o produtor executivo dos nossos projetos, me convidou para fazer um filme sobre Zuleno, que era amigo dele. Pude conhecer um pintor que levou uma vida um tanto singular, que trabalhou com Lula Cardoso Ayres, tem quadro bem cotados, mas vivia na simplicidade, doava o dinheiro que ganhava para instituições. É um filme que não tem enfrentamento político, mas que me cativou porque tem um sentido de questionamento do mundo.

Você se apresenta como documentarista, não cineasta. Não se vê fazendo ficção?

Está cada vez mais difícil definir o que é ficção, mas um dos episódios de Malunguinho, série para a TV que está em fase de produção, será com recursos ficcionais, para representar o enfrentamento do povo quilombola do século 19 e as elites açucareiras.

Quais os próximos projetos?

Tenho dois roteiros novos. Blecaute, sobre sombras, escuridão, que existem tanto no fazer cinema quanto numa comunidade quilombola, que nascem em imagens que fiz durante um blecaute em Conceição das Creoulas e outro sobre sexualidade, roteiro em gestação que chama-se Viagem ao corpo interior, sobre homossexualidade, heterossexualidade e as diversas formas de interação cultural que existem do litoral ao sertão. Os dois filmes caminham para essa igualdade dialógica freireana, de discutir o poder da imagem e como nos relacionamos com o lugar de sermos vistos.

(Diario de Pernambuco, 28/08/2001)

Um espelho em alto mar

Apesar de se apropriar de imagens alheias, das quais não teve participação ou controle, o diretor Marcelo Pedroso assina a autoria de Pacific (Brasil, 2010). E o faz sem provocação alguma. O documentário sustenta um discurso próprio, estabelecido na edição. Ao retirar de seu destino natural – uma reunião familiar ou um provável esquecimento – gravações feitas por turistas a caminho de Fernando de Noronha, Pedroso (KFZ-1348) propõe uma experiência que pode ser tão difícil quanto fascinante.

Pacific estreia amanhã no Cinema da Fundação e até outubro entra em cartaz em mais 13 capitais. O filme chega ao circuito comercial com elogios de importantes nomes do meio, como Eduardo Coutinho e Jean-Claude Bernadet. O mesmo Coutinho que, meses depois, lançou Um dia na vida, uma subversiva colagem de programas de TV exibidos na tela do cinema durante a Mostra de São Paulo. Sintonia fina.

Há o incômodo de se sentir preso por 70 minutos, em imagens trêmulas, que registram a viagem de cruzeiro, o “paraíso” all-included capaz de ofuscar o próprio destino. Tanto que os passageiros não comemoram o ano novo em terra firme, mas no próprio navio que dá nome ao filme. Em outro momento, um casal simula a famosa cena do Titanic. O quanto isso diz respeito a todos nós e aos valores que compartilhamos?

A proliferacao de câmeras gerou uma avalanche de videos caseiros. Pacific é um convite para pensar a natureza dessas imagens e que necessidades as levam a exisitir. É um espelho e, como tal, podemos rejeitá-lo por refletir o que não queremos ver em nós mesmos.

Entrevista >> Marcelo Pedroso: “Qualquer pessoa pode criar a própria narrativa”

Muitas vezes vemos os personagens do filme em situações ridículas. Pacific é uma crítica à “nova” classe média?

O conceito de ridículo é relativo e a proposta do filme não é criar juízo sobre isso. O que está em jogo é a noção de felicidade, que padrão de bem-estar é esse que buscamos, que nos é vendido, como o ideal de estar num navio de luxo, a caminho de uma praia paradisíaca. A noção do ridiculo não é um valor absoluto. A proposta não é criar um juízo, pois o que parece ridículo pode ser um momento singular para alguém. As pessoas foram muito generosas em ceder imagens e fizemos o possível para respeitá-las, sem abandonar um olhar que refletisse uma visão crítica do assunto.

Por que usar imagens feitas por turistas? De outra forma, o filme não seria possível?

Se tivesse ido para o navio filmar, poderia tocar em questões parecidas, não seria o Pacific. O filme tem uma marca da fabulação que remete a quem somos e quem queremos ser. Que personagem se cria quando estou no navio filmando, sem imaginar que aquilo poderá ser visto publicamente? Isso não é novo no documentário. Nos anos 1960, em vez de entrevistar, Jean Rouch filmava quem o personagem gostaria de ser. Então o filme parte para um grande retrato do devaneio, das narrativas em que nos colocamos como protagonistas e, com isso, se recria um mundo. Ser feliz se torna uma compulsoriedade, há quase uma obrigação de ligar a câmera, se ver e se mostrar realizado. Apertar o REC é quase um deflagrador da felicidade. É a apologia da imagem como determinante das situações.

Hoje milhões de pessoas têm acesso a câmeras e Pacific reflete esse momento. Como você avalia essa produção?

Hoje qualquer pessoa pode criar a sua própria narrativa, voce filma o objeto e se filma. Com isso está desenvolvendo um estar no mundo. E isso tem a ver com realização de desejos. Ao olhar para essas imagens, o filme busca mapear a iconografia do que está no extracampo. Que traços da cultura audiovisual estão ali, determinamo a busca daquelas pessoas? São referências da TV, da publicidade, que referendam um modo de vida capitalista, voltado ao consumo e a um deteminado padrão de beleza.

(Diario de Pernambuco, 18/08/2011)

Jehovah leva a vida na gaita

Jehovah da Gaita é um dos maiores instrumentistas brasileiros, mas continua praticamente desconhecido em sua terra natal. Em 52 anos de carreira ele gravou e tocou com mais de 200 artistas. E ainda hoje tem garra para mostrar seu trabalho em palcos da cidade. Jehovah Tavares de Lucena nasceu no bairro da Boa Vista e, apesar de ter sangue artístico na família (é sobrinho de Aberlardo da Hora e Claudionor Germano), quando jovem ele queria entrar para a Aeronáutica. Mudou de ideia quando, aos 14 anos, assistiu o filme Sempre no meu coração (EUA, 1942), que contava com uma orquestra de gaitas liderada pelo harmonicista russo Borrah Minevitch. “Aquilo me deixou fascinado”, lembra o mestre, que comprou uma gaita na feira assim que pode e aprendeu a tocar por conta própria. “Era o único instrumento que dava pra colocar no bolso e levar pra todo canto”.

No começo dos anos 1960, Jehovah se juntou com os irmãos Damasceno e sob o nome de Trio Harmônico gravou seu primeiro disco, Cha Cha Cha, Twist, etc, lançado pela Rozemblit. Hoje, o artista que já acompanhou Toots Thielemans, Paulo Moura e Raul de Souza se dedica ao ensino do instrumento às novas gerações (ele dá aula no bairro das Graças, onde mora) e a shows esporádicos. O próximo será sexta-feira, 22h, ao lado de Renato Bandeira, na Casa de Seu Jorge (Av. Santos Dumont, 1066 – Rosarinho).

Jehovah também é referência nacional em manutenção e conserto de gaitas, sendo o único no Norte e Nordeste que oferece esse tipo de serviço. A tarimba rendeu a ele o status de endorsee da Bends, famosa marca’ de harmônicas, que fabrica um modelo especial de acordo com suas orientações. Tirei todos os defeitos que encontrei nas outras, como a chave dura, a oxidação”.

Em entrevista concedida ao Diario durante o último Garanhuns Jazz Festival, Jehovah contou sobre sua arte e vida, sem deixar de fora uma crítica aos conterrâneos: “Nunca vi terra tão madastra com os filhos. O povo tem vergonha até de aplaudir, mas qualquer porcaria que vem de fora leva tudo, até cachê adiantado”. Leia mais a seguir.

Entrevista // Jehovah da Gaita: “Artista hoje é igual programa de computador, programado para ter seis meses de sucesso e depois sumir”

Como foi sua formação musical?
Fui criado na casa da minha avó, onde tio Abelardo tinha uma vitrola antiga, daquelas de corda, onde passava o dia ouvindo música erudita. Tanto que o aparelho se acabou e o meu grande troféu foi ele ter me dado todos os discos e a vitrola, que eu consertei. Aí comecei a conviver com os grandes mestres: Korsakov, Tchaikovsky, Dvorák, Politov, Ivanov. E abri o leque para os compositores com quem eles aprenderam. São grandes mestres, que comiam, dormiam, acordavam, bebiam e viviam música e apesar disso serem tratados como pessoas de segunda categoria, empregados da corte.

E por que elegeu a gaita como instrumento?
Tem instrumentos que ou você rejeita imediatamente ou ama de paixão. É o caso da harmônica, conhecida vulgarmente como gaita. É um instrumento extremamente melódico e que revela muito do músico que a toca. Costumo dizer que ela está na boca, bem pertinho do coração. Tanto que ela nasceu para ser companhia de pastores, marinheiros, andarilhos, que passavam muito tempo longe de suas casas.

De onde veio o gosto pela harmônica cromática (com botão, capaz de tocar as 12 notas da escala)?
Minha primeira gaita era diatônica, de escala simples, que me decepcionou pois queria tocar Maracangalha, de Dorival Caymmi, mas faltava uma nota. Pensei: que gaita vagabunda! Até que conheci um cara chamado Eduardo Nadruz, conhecido como Edu da Gaita e me apresentou a harmônica cromática, o que me permitiu tocar todas as notas da música.

A gaita ficou popular a partir dos anos 1940, através de Hollywood. E hoje, como está o instrumento?
Apesar de serem vendidas 13 milhões de unidades por ano, a gaita ainda é considerada por muitos como brinquedo pra criança. Então antes é preciso provar que ela é um instrumento para depois o músico ser creditado para trabalhar. Ainda assim, é como um sacerdócio, pois ser músico no Brasil é ser cidadão de segunda categoria. Você toca numa casa e a última pessoa que o garçom pergunta se quer água é ao músico.

Então você se sente como os músicos da corte?
Sim. Apesar de que tenho um público fiel que vai para os shows, isso é que gratifica. É como uma eleição em que não fui eleito, mas estou recebendo votos de qualidade. Jamais estive em paradas de sucesso, não quero, detesto, nunca vi parada de sucesso que prestasse para o músico. Tenho 67 anos e já vi muita gente subindo e descendo. Artista hoje é igual programa de computador, programado para ter seis meses de sucesso e depois sumir.

Você também tem uma carreira na publicidade como criador de jingles. Ainda recebe encomendas?
Desisti da publicidade nos anos 1990, mas continuei aceitando compor por encomenda. Mas hoje estou me precavendo. A melodia que concebi com arranjos de Sérgio Campelo (do Sá Grama) para ser usada na série de TV Auto da Compadecida já comprei como tema pra celular, sem o crédito dos artistas. Nunca recebi um tostão por isso. A música foi pro cinema e também não recebi nada.

Nos últimos anos, você se apresentou em restaurantes e praças de alimentação. O que tem feito atualmente?
Graças a essas atividades, sou convidado a me apresentar em eventos. Mas parei de fazer música de fundo, onde você convive com celular tocando, gente discutindo o preço do arroz ou política… O povo não vai pra ouvir a música, que vira um mero digestivo.

(Diario de Pernambuco, 14/03/2011)

Ponto de virada

Apesar do sobrenome em comum, Nelson Xavier levou uma vida inteira para conhecer Chico. Ateu de formação comunista, ele atuou em meia centena de filmes, entre os quais Os fuzis (1964), Eles não usam black-tie (1982) e Narradores de Javé (2003). Após sete anos longe do cinema, ele está de volta no papel que considera ser o mais importante de sua carreira, o qual deve “reencarnar” em breve, no filme As mães de Chico, de Glauber Filho, diretor da cinebiografia de outro ícone do espiritismo brasileiro, Bezerra de Menezes – diário de um espírito (2007).

Chico Xavier, de Daniel Filho, entra em cartaz amanhã, dia de seu centenário de nascimento. Em Paulínia, onde concedeu a entrevista a seguir, o ator falou sobre a construção do personagem e como ele mudou sua maneira de ver o mundo. Quando soube que a reportagem vinha de Pernambuco, uma emoção a mais fez brilhar os olhos do artista, que viveu no Recife por volta de 1962, quando Participou ativamente do Movimento de Cultura Popular. “Foi um dos momentos mais gloriosos de minha vida”, disse, com voz emocionada. Leia mais a seguir.

Entrevista // Nelson Xavier: “Chico me lembrou que o amor tem que estar mais presente”

Você interpreta Chico Xavier com muita fidelidade. Que estratégia você utilizou para construir o personagem?
Eu tentei interpretá-lo, não imitá-lo. Eu e Ângelo Antônio (que vive Chico Xavier na juventude) ensaiamos no sentido de parecer um com o outro, para poder fazer juntos, nos espelhar nele e em nós mesmos. Mas o que me conduziu foi a emoção, foi isso o que me fez sentir identificado com ele. E a única explicação para essa emoção é a presença dele. É uma coisa de contágio, de invasão, de posse. Por exemplo, teve um momento durante as filmagens que uma atriz no papel de mãe que trouxe uma carta do filho morto me disse: ‘ele está do seu lado’. E eu caí em prantos. Foi essa emoção que me conduziu mais do que qualquer outra coisa.

Como você pontua Chico Xavier na sua carreira? É seu grande papel?
É. Porque ele transcende. Nenhum personagem muda necessariamente (o ator). Chico me fez mudar. Me lembrou que o amor tem que estar mais presente na vida da gente. A tolerância tem que excercer sim, viver a paciência, a entrega, a bondade, o amor. Não pode só evocar, tem que viver, assumir. Isso ele fez comigo.

Desde o início você foi pensado para ser o ator principal. Até então, quem era Chico Xavier para você?
Apenas um médium. Quando alguém me chamava de Chico algumas vezes eu respondi ‘é a mãe’. Depois que li o livro com dedicatória do Marcel (Souto Maior, o escritor) dizendo que ele gostaria que eu fizesse o papel, li e fiquei tomado com aquela história sofrida. Fui invadido por uma onda de amor que me balançou. Quando vi estava lidando com um santo. E isso me invadiu a ponto de ultrapassar os limites de um trabalho artístico. Foi tão forte que não tem como negar porque é muito intenso, leva as lágrimas, paro de falar, pois transcende ao filme.

Você já fez mais de 50 filmes e após sete anos, volta a atuar para o cinema, onde viverá novamente Chico Xavier para o longa As mães de Chico
É verdade, tenho feito mais TV. Mas sou o que sou hoje porque quis dirigir cinema, esse foi meu início. Mas fiz pouca coisa ou quase nada porque não tenho lado empresário. Dei cabeçada e deixei pra lá, não sei sair à luta para captar recursos. Tenho um filme que captei e até agora não consegui grana para completar o filme. Lembrar é resistir, espécie de documentário de teatro com depoimentos de torturados políticos.

Antes do filme você seguia a doutrina espírita?
De jeito nenhum. Eu só acreditava que o kardecismo existe. Conhecia desde criança, minha mãe era espírita. Só mudei no sentido de achar que a gente morre e desaparece. Hoje acho que não, continuamos com a identidade, acho que voltamos.

Que momento do filme mais te marcou?
Existem vários momentos, mas o início é o que marcou mais, porque eu rezo e penso na minha mãe. (pausa para chorar) Eu resgatei a relação com minha mãe porque ela sempre quis que eu aderisse ao espiritismo, eu sempre zombava. Por isso, as duas vezes que eu rezo no filme eu não pude deixar de lembrar disso. Ele disse que a mãe, depois de desencarnada, ensinou o caminho.

Outro personagem emblemático que você fez foi Lampião, em seriado de TV de 1982.
Com ele também teve essa coisa de posse. Mas foi diferente, chamei ele de general do povo, ele tinha uma visão radical de fazer justiça com as próprias mãos. E tinha o amor com Maria Bonita. Quando vesti os óculos dele, teve uma semelhança com essa invasão do Chico. Os dois são reais, né? São brasileiros, não são ficção.

Que lembranças você guarda do Movimento de Cultura Popular?
Muita gente boa estava lá, como Germano Coelho e Paulo Freire. A gente via o futuro, éramos inocentes, achávamos que isso ia melhorar o Brasil. Foi um momento muito lindo. A composição de católicos e comunistas tinha dado certo, rendeu um verniz cultural que permitiu um trabalho de conscientização, de alfabetização e de agitação política. O Brasil era outro, não era essa pátria conformista que a gente assiste hoje. Era sociedade viva, querendo mudar. Tinha uma juventude participando do processo político, operários indo pra rua. O MCP que foi modelo para o CPC, era um organismo fantástico.

O MCP vai completar 50 anos. Você acha possível retomar o espírito daquela época?
Eu acho difícil, mas acho que deve ser tentado. O Brasil é outro, está muito conformista. Estudantes não tem organização. A perplexidade da esquerda e 20 anos de ditadura amorteceu a capacidade de resposta do povo brasileiro.

(Diario de Pernambuco, 01/04/2010)

Entrevista // Kleber Mendonça Filho: "Recife frio é um lamento de amor sobre a minha cidade"

Recife frio causou reação imediata e muitos aplausos. Que tipo de retorno e interpretações você teve depois da sessão?
Aquilo que ocorreu na sessão é muito raro pela intensidade e pela emotividade. Levei três horas para me recompor. O que mais me impressionou foi uma reação não apenas às idéias, mas às imagens do filme. As pessoas mostraram para mim, Emilie (Lesclaux, produção e montagem), Juliano (Dornelles, produção e direção de arte), Simone e Andrés (Shaffer, ator) que há uma beleza emotiva no filme. A surpresa é ver que essa beleza chega forte em muitos. Isso também é raro. O maior retorno foi a dúvida esclarecida de que o filme, que é muito pernambucano, local, se comunica com pessoas que nunca foram ao Recife. Sempre nos perguntávamos se o filme seria compreendido por não-pernambucanos.

Recife frio faz comédia com valores arraigados da cultura recifense. Você acredita que pessoas podem se ofender?
A maneira como o Recife vem sendo tocado do ponto de vista urbanístico precisa ser questionado, e uma boa saída para ilustrar questões como essa é usando a força implacável do cinema. Recife frio é um lamento de amor sobre o Recife, e esse lamento, claro, tem dor. O filme junta-se a filmes atuais do cinema pernambucano que estão exatamente abordando essa questão, como Menino aranha, de Mariana Lacerda, Eiffel, de Luiz Joaquim e Um lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro. Não vejo como algumas pessoas individualmente poderiam se sentir ofendidas. Recife frio é um olhar pessoal sobre a minha cidade.

A sequência com Lia de Itamaracá encerra o filme de forma transcendente, quase sobrenatural. Como surgiu a ideia de inseri-la no filme como algo positivo, depois de tantas críticas demolidoras ao Recife way of life?
Lia é uma mulher linda. Seu rosto é especial e a câmera a adora. Filmar Lia bem era uma obrigação minha. Fico feliz que o tom de rainha que ela tem esteja no filme. Ela é cativante e sua presença emocionante. Para completar, sua música é bela, e a letra promove uma sensação de generosidade ampla “minha ciranda não é minha só, ela é de todos nós”. A sequência talvez mostre que, por mais que as coisas mudem para pior, há sempre a riqueza de uma cultura para iluminar tudo.

Entrevista // Camilo Cavalcante: "O sertão tem mil vieses a serem descobertos"

Ave Maria… foi premiado em três pontos fortes do filme. Qual é sua avaliação?
A alma desse filme é muito simples, acho que o mais simples que já fiz. Ele tem a poesia da simplicidade que não se forja, mas a que simplesmetne existe e nós conseguimos captar. Sem dúvida o trabalho de Nicolas Hallet e Beto Martins foram essenciais. Eles tiveram não só técnica, mas muita sensibilidade e generosidade a partir do momento em que fizeram oficinas e treinaram assistentes. Eles mergulharam no sertão e compartilharam a experiência com quem não tinha experiência alguma. Creio que o filme foi premiado porque a honestidade do processo está na tela. O sertão é mostrado de maneira íntima e o júri reconheceu essa verdade no projeto.

Você sempre defendeu o cinema enquanto arte coletiva. Desta vez, abriu mão do crédito de diretor para assinar com toda a equipe, da qual participaram moradores de Serrita. Como isso funcionou na prática?
Antes fizemos uma parte teórica, hisória e linguagem do cinema, depois introduzimos noções de roteiros e pedimos que trouxemos ideias em torno da Ave Maria. Depois de tudo selecionado, escrevemos o roteiro. Paralelamente havia a pesquisa de locação, com todo mundo numa kombi e discutimos em sala os lugares mais interessantes. Filmamos somente as tardes, o que dava tempo para fazer um set tranquilo e participativo. Os sets estão cada vez mais estressados, todos ficam nervosos e a magia se perde no ritmo de trabalho. Não existiu hierarquia. Eu estava como a pessoa que propôs o exercício, o desafio. De certa forma, era o pilar de referência, sem impor nada. Quando via algo que do meu ponto de vista era muito importante, colocava para discutir com eles. Por exemplo, na edição, os alunos julgaram o primeiro plano muito longo e ele foi diminuido até surgir o consenso.

O que te levou a adotar esse método?
Para fazer um filme sobre uma realidade que não é a minha, achei interessante esse tipo de mergulho. Foi uma grande experiência. Cheguei com informações e as pessoas me deram sua forma de enxergar o mundo. Quem vai para Lisboa de avião, gasta sete horas. Para Serrita, de ônibus gasta o mesmo, mas não tem o abismo geográfico do oceano, mas do contato, da percepção. Sou uma pessoa urbana e pensei que esse contato poderia dar alma a um filme que a gente não vê muito por aí. Na maioria dos filmes, o sertão acaba sendo estereotipado por quem se apropria dele para construir uma obra. Quis o contrário, um filme onde as pessoas pudessem se expressar, que não entra como um colonizador, que passa como um trator em cima dos outros, coisa que transparece num filme. O sertão é muito mais do que um território geográfico, mas da alma humana. Apesar de muitos críticos dizerem que o tema está desgastado, acho que ele ainda tem mil vieses a serem descobertos.

Novo romance de Marcelino Freire sairá primeiro em quadrinhos

É o que diz o autor de Angu de sangue e Racif na entrevista concedida ao repórter Thiago Corrêa, do Diario de Pernambuco.

“Fico ali, reescrevendo, ganhando fôlego, puxando pelo oxigênio. Chama-se Mulungu. Ela primeiro vai sair como uma HQ, desenhada por Guazzelli – via Companhia das Letras, tudo leva a crer. Depois é que sairá como livro – esse, creio, pela Record, lá pelo ano de 2025″, afirma Marcelino, em trecho da entrevista.

Leia o papo na íntegra aqui.

Com sede de cinema – entrevista com Lírio Ferreira

Quando criança, Lírio Ferreira queria ser engenheiro. Aos 15 anos, prestou vestibular para arquitetura, mas não passou. Era cinéfilo, mas nem passava por sua cabeça ser cineasta. Jogava futebol, treinava no juvenil do Sport. Logo trocou a bola pelo surfe. Na sequência, tentou jornalismo. Desta vez entrou. Ia pra faculdade de bermuda, queimado de sol. Lá, juntou-se a uma turma que em pouco tempo ganhou o mundo com um cinema instigante e criativo. Ao lado de Paulo Caldas, dirigiu Baile perfumado (1996). Com o reconhecimento, ganhou aval para rodar Árido movie (2005) com atores famosos como Selton Mello, Guilherme Weber, Giulia Gam, Renata Sorrah e Matheus Nachtergaele.

No documentário musical Cartola – Música para os olhos (2007), dividiu direção com Hilton Lacerda, parceiro de longa data. O projeto repercutiu positivamente e abriu caminho para O homem que engarrafava nuvens (2008), que na última terça-feira ganhou o prêmio da crítica no 19º Cine Ceará.

Após temporada no Rio de Janeiro, Lírio está de volta ao Recife, onde pretende permanecer até começar as filmagens de Sangue azul, sua volta ao cinema de ficção. Em entrevista ao Diario, ele fala sobre carreira, cinema e boemia, esta última, da qual tem sido personagem recorrente. Critica a “monocultura” do cinema comercial, capaz de manter dois terços das salas ocupadas por apenas dois filmes. E convoca a nova geração de cineastas pernambucanos: “não vamos mais viver de ciclos”.

Entrevista // Lírio Ferreira: “Quero trabalhar mais no Recife”

Realizar o filme alterou sua ompreensão sobre a obra de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira?
Não há como sair incólume da experiência de fazer um filme sobre o universo do baião. Sempre ouvi , sabia da importância, mas não tinha a dimensão de como tudo aconteceu, até onde chegou.

Você pretende continuar na carreira de documentarista?
Pretendo, mas não agora. Quero voltar a trabalhar com atores. Adorei a experiência, foi muito bom fazer esses filmes, principalmente por relativizar a barreira entre gênero e bitola. Futuramente, penso em fechar uma trilogia. Passei pelo samba, o baião e quero fechar com algum personagem que representasse o pop e o rock.

E Sangue azul, quais são os detalhes?
Não tem nada muito definido. O primeiro tratamento do roteiro está pronto, mas ele vai mudar. Posso adiantar que é um filme sobre a impossibilidade de amar.

Entre 2007 e 2008 você lançou dois filmes. Já entre Árido movie e Baile perfumado, foram quase 10 anos. Por que tanto tempo?
Houve certa inexperiência de iniciante, umdeslumbre da minha parte. No Baile teve aquela repercussão toda, de curtir a viagem pelos festivais. Quando me dei conta, havia passado dois anos. Nesse tempo tinha escrito o roteiro de Cartola, com Paulo Caldas e Hilton Lacerda. Depois Paulo saiu, foi fazer o Rap do pequeno príncipe e ficamos eu e Hilton. Ao mesmo tempo, tive a ideia do Árido movie, o roteiro ficou pronto em 2001 e só consegui rodar em 2003. Em 2002 entrou O homem… E os projetos correram paralelamente.

Como começou sua carreira?
Estudei jornalismo com Paulo Caldas, Samuel Holanda, Adelina Pontual, Patrícia Alves. Paulo era o cineasta da turma e me convidou para ser assistente dele no Bandido da sétima luz, sobre Fernando Spencer. Foi a primeira vez em que trabalhei com cinema, em 1985. Cláudio Assis estudava economia, se aproximou da gente porque namorava uma das meninas. Nos juntamos e formamos o Avant-retrô, um nome completamente pernóstico, imagine, Vanguarda Retrô! Fizemos o primeiro roteiro, Biodegradável, que nunca virou filme. Logodepois Claudão ganhou um prêmio e foi fazer Henrique e convidou o Avant-retrô todo para trabalhar.

Ainda existe a “brodagem” dos primeiros tempos ou o clima está mais para disputa individual, para viabilizar o “seu”?
Rola de tudo, até confusão. Porque isso mexe com sentimentos. Não dá pra ser hipócrita e dizer que não existe disputa, apesar de saudável. Quem perde fica triste. Não cabe todo mundo. É paradoxal, pois ao mesmo tempo tem a brodagem de torcer pelo outro, fico superfeliz que Cláudio Barroso vai filmar este ano, Cláudio e Paulo também. Hilton está com Tatuagem, um projeto belíssimo. É a coroação de uma geração. E ainda tem a nova geração, que está botando pra quebrar.

A capacidade em usar limites técnicos e financeiros a seu favor marcou os primeiros filmes da retomada pernambucana. Você acredita que hoje a situação se inverteu – muitas câmeras nas mãos e poucas ideias nas cabeças?
As facilidades permitem o aparecimento de novos cineastas, com filmes maravilhosos ou ruins, em várias partes do Brasil. Isso é bom, as produções não estão mais concentradas no eixo Rio-São Paulo. Por outro lado, elas criam pessoas mais acomodadas, que nem sempre pensam num plano B. Antigamente, as pessoas pensavam duas vezes antes de ligar a câmera, ensaiavam mais, não podiam gastar muito negativo. Hoje fica pra resolver na montagem. Isso prejudica o foco, o olhar para a história.

Você é uma figura conhecida da boemia recifense. O que lhe interessa nesse contexto noturno?
Quando era mais novo, tinha uma relação mais cinematográfica. Hoje eu saio para relaxar mesmo. Sempre me interessei muito pelos personagens da noite. As pessoas que circulam pelas ruas, prostitutas, bêbados, travestis, ladrões, poetas, sempre tive um fascínio por esse mundo. Adoraria se pudesse sempre dormir muito tarde e acordar muito cedo. Esse é um dos grandes paradoxos da minha vida.

E o famoso beijo na boca de Lírio?
Já fui mais beijoqueiro (risos). Teve uma época que adorava beijar meus amigos. As pessoas comentavam. Uma vez até o Caetanocomentou. Sei que isso está fora de moda, mas passei a mania para outras pessoas, que eram reticentes no momento e hoje dão bastante beijo na boca…

Dizem que no Recife as pessoas já nascem artistas. E ultimamente há um boom de cineastas. Como você vê esse comportamento?
Não é de hoje que o Recife é uma cidade que respira cultura. Há a mistura de intelectualidade europeia com elementos da cultura popular. Isso explica um pouco essa necessidade do pernambucano de ser artista, sem necessariamente ter realizado algo. O audiovisual é a bola da vez porque está muito acessível, para o bem e para o mal. Ele está em voga, porque é uma maneira de falar e pensar o mundo de uma maneira rápida e direta. Assim como nos anos 90 muitas bandas foram inspiradas no manguebeat. O problema é que isso pode descambar para uma coisa de moda, de projeção. E não de passar o bastão.

É difícil ler uma crítica de um filme seu no jornal?
O problema está mais relacionado ao jornal do que aos críticos. Há pouco espaço para crítica,os cadernos estão ficando cada vez menores. Determinados filmes de entretenimento nem deveriam ser criticados, é um desperdício de espaço. Quanto à crítica, ela é fundamental, pois oxigena o cinema. Não acredito em pervesidade. O que muda é o gosto e a maneira de perceber. Não sou do tipo de ficar me lamuriando quando a crítica é negativa.

Árido movie gerou controvérsia por ser muito “aberto”.
Ele é muito generoso, pois cada um sai com o seu final. É um filme pessoal, tem memórias, ideias, neuroses. As pessoas não precisam decifrar seus signos, mas podem senti-los. Ele é também uma homenagem à expressão Árido movie, cunhada pelo jornalista Amin Stepple, uma espécie de guru da minha geração. Sua visão instigante e provocativa foi fundamental para nossa formação. Adotamos o termo como contraponto ao mangue beat. Enquanto Glauber dizia “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, a gente disse “uma ideia na cabeça e um copo de uísque na mão”.

Você despontou nacionalmente com Baile perfumado. De lá para cá, mudou a forma de entender o cinema?
Mudou menos a minha forma de ver cinema e mais a forma de ver a vida. Hoje, depois do sexo, drogas e rock’n’roll, que não foi uma conquista da minha geração, mas da que somos filhos e pudemos desfrutar, vejo um mundo completamente conservador, careta, bitolado, politicamente correto em tudo. Hoje o sexo é de uma caretice absurda, deixou de ser prazer para virar doença. As drogas, que eram usadas como algo sensorial, para abrir novos mundos, também viraram doença. E o rock também encaretou, tanto no visual quanto na maneira como se toca. Isso é muito triste, porque mina vários caminhos que poderíamos trilhar. Não sei se tudo aquilo em que acreditamos está morrendo, esse cinema provocante, instigador, reflexivo, difícil… Quando eu faço um filme, prefiro o desvio arriscado e desconhecido do que um caminho seguro e curto. Mantenho isso até hoje, com um olhar mais maduro. O frescor do Baile perfumado nunca vai ser o mesmo, mas mantenho meus “demônios”. Continuo com a frase que encerra o Baile: “só os inquietos vão mudar o mundo”. Significa o recado de uma geração de cineastas, que de alguma forma mudaram.

A política pública para o cinema está fortalecida em Pernambuco?
Sou de uma geração que mantinha relações de favor com o governo. Isso se quebrou. Espero que não volte mais. Hoje temos um canal de discussão aberto. Ainda não é o ideal, mas a gente chega lá. Esse espaço é de merecimento do cinema pernambucano, que colocou o estado na cinematografia mundial.

Você se envolve pessoalmente na batalha por recursos?
Com exceção do último, em todos os meus filmes sou produtor, diretor e roteirista.

Com eles dá para manter uma vida confortável ou você precisa de outras fontes?
Tenho graduação de jornalismo mas nunca exerci. Sempre vivi dos meus filmes. Tenho 44 anos e em raríssimas exceções estive empegado com carteira assinada. Desde 2001 vivi dos meus três últimos filmes, mas eles terminaram e eu decretei falência antes mesmo da crise mundial. Até agora, ou alguém me convida para fazer cinema ou videoclipe, ou faço projetos meus, que demoram certo tempo para se solidificar. Como só vou filmar em 2011, estou procurando emprego (risos). Quero trabalhar mais no Recife, pretendo ficar aqui por algum tempo.

A produção de filmes parece cada vez maior. O que falta para consolidar o cinema nacional?
O problema está na rede exibidora, que ainda está no sistema custo-benefício. Por isso, ela se concentra em grandes e poucos lançamentos, com risco zero para o exibidor. São filmes de grande bilheteria, para crianças e adultos que querem ser crianças. Deveria ser proibido dois filmes de 700 cópias cada entrar num país com 2 mil salas de exibição. Isso monopoliza o parque de exibição e causa um malefício absurdo. Mediocriza toda uma geração, criada com filmes banais, que não levam a pensar, que não incomodam. Cinema pra mim não é a maior diversão. Dos melhores filmes a que assisti, eu saí mal pra caramba, passei horas para digerir. Dizem que Glauber Rocha morreu para não ver esse processo. Se ainda estivessem no mercado, não sei se haveria espaço para ele e grandes gênios como Bergman, Antonioni e Fellini.

(Diario de Pernambuco, 09/08/2009)

20 anos sem Gonzagão // Entrevista: João Silva

João Silva

João Silva é um dos principais compositores de Gonzagão. Nos últimos dez anos da carreira do Rei do Baião, Silva compôs sucessos como Pagode russo e Danado de bom, além de cuidar da produção de álbuns e shows. Aos 73 anos, a maioria vivido no Rio de Janeiro, e mais de 2 mil composições gravadas por diferentes artistas, João Silva está de volta ao Recife (ele é de Arcoverde), onde fixou residência desde outubro do ano passado. Sua história está documentada no livro do pesquisador José Maria Almeida Marques, Pra não morrer de tristeza. Em breve, ele estará em filme de Deby Brennand, Recordações nordestinas, em fase de produção. Ao Diario, ele conta como começou sua parceria, a falta que Gonzaga faz e revela porque as últimas gravações da dupla não serão conhecidas pelo público.

Entrevista // João Silva: “Gostaria que ele estivesse aqui”

Qual é sua mensagem, após vinte anos sem Luiz Gonzaga?
Gostaria que ele estivesse aqui, chamando atenção para seguir a semente que ele plantou, para manter a cultura viva. Gonzaga era a revista do povo, o jornal do matuto. O que aconteceia no Nordeste, ele colocava no disco e o matuto ouvia através de sua música. É importante manter a chama viva, porque hoje não se fala nem um terço do que é o Nordeste. É como se ele não existisse na cultura. De vez em quando ele aparece no meu sonho e diz: “Silva, o senhor me respeite. Precisamos fazer mais música, precisamos trabalhar”.

Você é considerado um dos três grandes parceiros de Luiz Gonzaga.
Na verdade, eram quatro grandes parceiros. O primeiro foi o Miguel Lima. Quando o Gonzaga foi para o Sul, ele levou uma porção de temas do Nordeste, coisas do folclore. Chegando lá criaram essa coisa de que ele tinha que cantar. O Miguel Lima, vendo Gonzaga, falou com a RCA e disse que podia fazer dele o galã nordestino. Depois, com gibão de couro, chapéu de cangaceiro,faca e punhal, ele virou o gaúcho nordestino. Colocaram isso na cabeça dele e ele aceitou. O Miguel Lima era mineiro, um grande poeta. Ajudava o Gonzaga a terminar as músicas. Depois veio o Humberto Teixeira, estudado, deputado. Gonzaga tirou a zabumba do melê e a caixa de guerra. Foi ele quem criou a zambumba, formou o trio e pipocou no mundo. Depois veio Zé Dantas, mas Gonzaga descobriu que ele era simpático ao comunismo. E ele era oposição e se separou de Zé Dantas, ficou só com Zé Marcolino, que era muito “chão” e começou a se repetir.

E como surgiu a parceria entre vocês?
A primeira gravação com ele foi em 1963. Ele queria me conhecer, me ouvia na rádio. E eu era louco para conhecer Gonzaga. Então Marinês me apresentou a ele. Gonzaga gravava uma música minha a cada dois anos. Só que com o rock e a bossa nova, a mídia não segurou ele. Desprezado, ele saiu do eixo Rio-São Paulo e veio se esconder em Exu. No fim dos anos 70, eu trabalhava com o Trio Nordestino, que entrou no casting da gravadora Copacabana. Vendemos na época 260 mil discos. Na época, Gonzaga vendia no máximo 3 mil. Então me chamaram para produzir o disco novo dele, o Danado de bom, que vendeu 1 milhão e 500 mil cópias. Naquela época, Gonzaga era uma empresa mal dirigida.

É verdade que existem músicas suas com Luiz Gonzaga retidas pela Universal?
São oito músicas, que gravamos no tempo da gravadora RCA, hoje BMG. Em cada disco a gente gravava 15 músicas, mas entravam 13. Então sobraram oito. Elas foram mixadas e masterizadas, mas não incluidas no disco. Eles nunca lançaram, nem pretendem lançar. Parece até que queimaram os tapes. Uma vez levei um projeto para lançar essas músicas. Quando cheguei lá, o diretor geral nem sabia que Gonzaga chegou a gravar ali.

(Diario de Pernambuco, 04/08/2009)

Entrevista // Willie "Big Eyes" Smith: "Muddy Waters foi a minha escola"

De onde surgiu seu apelido?
Quem colocou foi Muddy Waters, pois todos da banda tinham um apelido, menos eu. Um dia, no meio de um show, durante a apresentação dos membros da banda ele olhou para mim e disse, de repente, sem explicação: na bateria, Willie Big Eyes Smith!!!

O que você pode falar sobre sua infância em Helena, Arkansas?
Vim de uma famíla muito pobre, num lugar que a vida era difícil. Minha infância foi como a de qualquer criança. Eu queria tocar, mas não tinha condições financeiras de comprar instrumentos musicais.

E como você aprendeu a tocar o blues?
Desde que nasci convivo com o blues. Na minha infância, minha avó tinha deixado para minha mãe muitos discos de Tampa Red, Robert Johnson etc. Quando cheguei em Chicago, após um mês na cidade, arrumei um trabalho e pude comprar meu primeiro instrumento. Cheguei com 17 anos e Muddy Waters foi a minha escola: toquei com ele por mais de 18 anos.

Como você pode descrever os melhores momentos com Muddy Waters?
Muddy foi como um pai para mim. O melhor cara do mundo para trabalhar. Se não fosse assim, não teria passado tantos anos com ele.

Como aconteceu sua participação no filme The Blues Brothers, ao lado de John Lee Hooker?
Estava de férias quando me convidaram e eu voltei para esse filme. Muddy Waters estava doente nessa época e não pôde participar. Eu também toquei outras vezes com John Lee.

Qual será o repertório para hoje à noite?
Vou decidir na hora. Tudo pode acontecer. Nunca planejo um um show. O blues é assim!

Entrevista // Edgard Navarro : "Esse filme é um ‘ebó’ que me desonera de fazer outros"

A primeira versão do argumento é de 1978. Como ele surgiu?
Foi num desses delírios de juventude, da mistura de várias coisas. Sexo, drogas e rock’n’roll. A história, sobre um fantasma que toma conta de uma botija de ouro enterrada, é recorrente na mitologia brasileira. E me perturbou durante anos.

É um filme ligado ao plano mitológico?
Eu trabalho com o raso e o profundo, com signos que remetem à realidade do dia a dia. Há personagens muito fervorosos numa crença, completamente preocupadas e comprometidas com a profundidade do ser. E outros que não acreditam em nada, são rasos na dor e na vida filosófica. Quero falar sobre a avareza, sobre apego e desapego. Quero falar sobre a busca do tesouro interior, enterrado no passado.

Que realidade vivem os moradores dessa cidade de pedra?
É uma realidade dura, que de certa forma é uma síntese do que é a sociedade. Há uma convivência difícil com os tipos mais comezinhos, prosaicos, que fazem todo tipo de fofoca. E a dor, que perpassa tudo. Há os homens que não conseguem dormir, porque estão infelizes e são trazidos à luz para conviver com o deboche, a chalaça, o descaso das pessoas ditas comuns. Elas deitam e rolam com a dor dos outros. O corno é o outro, o veado é o outro, a puta é a outra, o louco é o outro. É o mundo dos humanos que estão na ralé, com as cores do Brasil e da Bahia.

Um dos personagens foi raptado e torturado pela ditadura militar durante os jogos da Copa de 1970. Você chegou passou por algo parecido nessa época?
O máximo que eu sofri foi o ardor nos olhos pela fumaça de uma bomba de gás lacrimogêneo. Não tive confronto direto com a polícia porque não optei pelo enfrentamento. Optei pelo desbunde da arte, na descoberta das drogas. Tudo isso foi colocado no meu filme anterior, Eu me lembro, que conta minha participação naquele momento. Eu não tive coragem nem convicção suficiente para pegar em armas. Minha guerra era de outra natureza, travada dentro de mim mesmo.

Prestes a completar 60 anos, o que te impulsiona a realizar um filme?
Para mim,fazer cinema é algo mais do que profissão. Virou obsessão. Além de ser algo artístico, é algo quase religioso, uma necessidade visceral de sobrevivência. É por isso que fiz isso até agora. Enquanto se gastam mundos e fundos para fazer filmes de R$ 15 milhões, desprovidos de alma fértil ou de uma consequência maior para o país miserável que vivemos. Para repetir o que já existe na TV. O fato de ter muito escrúpulo me levou para uma senda onde sei que não há retorno. Esse filme me desobriga de ficar nessa loucura, nessa neurose. A partir de agora, talvez não faça um cinema tão sacrificado.

É um ciclo que está se encerrando?
Um ciclo de obrigação. É como no candomblé, onde tenho que arriar determinada oferenda a um orixá. A minha vida inteira, com 30 anos de cinema, tenho a clara consciência de que estou fazendo um grande ebó. É como se eu estivesse disparando vários ebós, cada filme era um. E esse ebó me desonera de continuar fazendo outros. Acabou a grande obrigação. Agora vou fazer cinema por dilentantismo.

Que obrigação era esta?
Uma obrigação da minha neurose, companheiro. Da minha alma, da minha religião, de uma carência, de uma agonia. Que não tem nome. Artur Bispo do Rosário, que tem uma grande obra e era esquizofrênico, falou : ‘vocês dizem que é arte, mas não é arte. É a minha salvação na terra’. É isso que vai me curando. Depois desse filme, posso respirar e fazer qualquer coisa. Fui anistiado do meu karma. Talvez continue fazendo cinema como nos tempos do Super 8, e fazer minhas besteiras imperfeitas com descompromisso. Ou, quem sabe, vá fazer um jardim. Será uma felicidade maior do que esse cinema atrelado a tantas preocupações, como ganhar o Oscar.

*publicado no Diario de Pernambuco

Entrevista // Geraldo Sarno: "A questão é ousar a ponto de arriscar a não fazer mais nada depois disso"

Porque a opção por Balzac e a psicografia no novo filme?

O que mais me interessa é refletir sobre o processo de criação. Posso considerar o livro de Valdo Vieira como uma leitura de Balzac, uma interpretação da sua obra. O estudo científico de Osmar Ramos é uma segunda interpretação, a partir da análise do “pastiche”. Se nós, enquanto cinema, trazemos a figura histórica de Balzac e sua obra, no caso A pele de Onagro, citada no estudo de Osmar, fazemos também uma análise própria. São, no mínimo, três pontos de vista, mais o nosso – o do filme.

A relação entre palavra e imagem parece ser algo constante na sua carreira.

Estou tornando essa relação mais precisa agora. Um possível subtítulo para esse filme seria “a palavra e a imagem”. É sabido que o Balzac dava primazia à imagem, inclusive por sua aproximação da pintura. Tanto que o Osmar, a partir do livro psicografado, identifica um quadro do século 17, feito pelo pintor holandês Paul Potter, mais ou menos contemporâneo de Rembrandt. Osmar descobriu que quadro é esse, e faz uma análise entre a pintura e a A pele de Onagro, algo absolutamente original e nunca realizado por nenhum estudioso de Balzac.

Como entender o conceito de “protodocumentário”, que você utiliza em seu último filme? O “pastiche” ficcional reservado a Balzac seria algo semelhante?

Penso em “A pele de Onagro” como um “pastiche” do texto original, uma imagem para cada palavra, em diálogo com o romance. Diferente do filme “Tudo isto me parece um sonho”, onde existe um documentário dentro do documentário, que poderia ser entendido como um protodocumentário sobre a cana de açúcar. É uma série de planos dispostos com elementos mais simples do tema: a plantação, o corte, a usina, uma série de planos com narração de um texto histórico do século 19, de Antônio Pedro Figueredo. Uma sequência básica, embrionária, quase que não manejada. Esteticamente, é a coisa mais linda que eu já fiz.

Você classifica seus últimos filmes como “suicidas”. O que isso significa?

Essas coisas me vieram depois que fiz Tudo isto me parece um sonho. Eu o chamo de suicida por dois motivos. Primeiro, porque é um documentário com duas horas e meia de duração – o primeiro corte tinha quatro horas. Segundo, eu não sabia o que estava fazendo. Então o “suicídio” diz respeito a assumir riscos, de buscar formas diferentes de fazer filmes. Eu não sei me repetir, tenho que fazer algo que não sei fazer. Se eu não sei fazer, isso me instiga. Se eu soubesse o que é, eu não faria. Não é algo meramente estético, porque penso que certos parâmetros de criação são necessários. Digo isso dado o momento do audiovisual contemporâneo, pois tento trabalhar a partir de um marco social e histórico. A questão é ousar a ponto de arriscar não fazer nada mais depois disso. Pode dar certo, ou não, mas se não for assim, você vai fazer a mesma coisa que todo mundo está fazendo. O que termina por ser outra forma de suicídio.

Nos anos 60, você fez parte de um grupo que propôs um projeto de pensar o país através do cinema. Qual o balanço, cinquenta anos depois?

Se você pensar na obra de Glauber Rocha, Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade, que se realizam em universos de criação próprios, cada um à sua maneira, abordaram exatamente as mesmas grandes questões do Brasil. No mais, nunca houve esse projeto. Glauber Rocha disse que evitamos o debate estético por questões políticas. Agora, que passamos por uma grande pobreza estética, não temos mais embasamento para construir uma visão de mundo. E para isso não basta a mera visão política. Ela te leva para o tema, faz a análise correta, mas automaticamente não faz uma obra. Pois o que faz a obra é a linguagem, a maneira de fazer.

Matéria primordial da sétima arte – entrevista com Carlos Ebert

Carlos Ebert, Lúcio Kodato e Flávio Ferreira, três experientes diretores de fotografia do cinema nacional, se encontram no Recife para ministrar uma das oficinas do Centro Audiovisual Norte-Nordeste (Canne). Será amanhã pela manhã, somente para convidados. Logo depois, é a vez do público interessado receber uma superaula sobre o tema, na palestra gratuita Novos horizontes do cinema nacional, marcada para as 15h no Cinema da Fundação (Fundaj – Derby).

Na pauta estão as novas perspectivas da cinematografia contemporânea, inclusive no que diz respeito à interação entre linguagens, gêneros e mídias. A união de forças entre os três “cinematógrafos”, para usar um termo mais específico, faz da palestra uma ótima oportunidade para compreender o cinema a partir de sua matéria primordial: a luz.

O evento é promovido pela diretoria de cultura da Fundaj, em parceria com a gerência de audiovisual da Fundarpe. A organização é de Flávio Ferreira que, entre outros trabalhos, é responsável pela fotografia da novela Xica da Silva (TV Manchete) e dos programas Brasil legal e Brava gente brasileira (Globo). Já Kodato trabalhou com uma infinidade de diretores, entre eles Leon Hirszman, Roberto Santos, Maurice Capovilla e Silvio Tendler, e John Boorman, na produção internacional Floresta das esmeraldas (1985).

Completa a tríade o carioca Carlos Ebert, que começou aos 19 anos como um dos fotógrafos do clássico O bandido da luz vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, e nos últimos anos vem trabalhando com talentos como o paranaense Rodrigo Grota (Satori Uso, Booker Pittman) e o pernambucano Marcos Enrique Lopes, com quem desenvolve o curta-metragem Janela molhada. Em entrevista ao Diario, ele antecipa alguns temas que serão tratados no encontro de amanhã.

Entrevista // Carlos Ebert: “A sensibilidade e conhecimento de cada fotógrafo levam a uma imagem única”

Como o senhor define uma profissão como a sua, situada entre a técnica e a criatividade?
Costumo dizer que o diretor de fotografia é uma espécie de demiurgo entre o roteiro escrito e a criação das imagens. É um trabalho mais de transcriação que de transposição. Por isso, a escolha de um diretor de fotografia é uma espécie de eleição por afinidade estética e também de afetividade, pois é preciso se dar bem com a pessoa. Claro que fazer um filme é trabalho de equipe, mas a sensibilidade e conhecimento de cada fotógrafo levam a uma imagem única. Por isso, há diretores que gostam de trabalhar com determinados fotógrafos, mas em determinados filmes percebem que não é o fotógrafo ideal. Cada caso é um caso. Nos grandes filmes da história do cinema, o “casamento” entre diretor e fotógrafo sempre é muito bom.

Qual a diferença do seu trabalho com Sganzerla, e o que você vem desenvolvendo com novos diretores?
É diferente sim. Com o Sganzerla nós tinhamos a mesma idade, estavámos descobrindo como fazer cinema juntos. Aos 42 anos de carreira, prefiro trabalhar com os mais novos porque já conheço as demandas da minha geração. Gosto dos jovens porque seus pedidos constituem um desafio. Por essa experiênca, posso ajudá-los a realizar suas ideias.

Nos filmes feitos hoje no país, há o que possa ser classificado como uma fotografia “brasileira”?
Não. As ferramentas de captação digital aumentam em número e qualidade, o que deu espaço para o surgimento de uma diversidade de estilos. Mais do que isso, as fotografias estão se tornando cada vez mais específicas para cada história.

As possibilidades digitais permitem simular a textura da película de forma satisfatória, ou isso permanece um desafio?
É possível simular qualquer coisa digitalmente, inclusive riscos e outras “sujeiras” de filmes mal conservados. O suporte digital já chegou na mesma resolução que o fotoquímico, mas isso não significa o fim da película, pois ela ainda é a melhor forma de conservar um filme. Se bem cuidada, a película pode durar até 150 anos, e nenhum arquivo digital chega a tanto. Nisso ela é superior, e essa é uma função muito nobre.

Quais vantagens e desvantagens da nova geração de fotógrafos, que começa trabalhando no suporte digital?
A vantagem deles é desfrutar dessa diversidade de formatos e possibilidades infinitas de manipulação da imagem, algo inédito para qualquer outra geração. A desvantagem é que, para desfrutar disso com bom rendimento, é preciso mais disciplina na definição da linguagem. Pois é muito fácil se seduzir com os efeitos e perder o foco narrativo do filme.

* publicado no Diario de Pernambuco

O humano tratado com leveza e humor

Ao longo do tempo, o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa desenvolveu um admirável talento: o de tratar de temas complicados, geralmente ligados ao comportamento humano, com leveza, humor e clareza. Enquanto fala, ele chama a atenção não somente pela força do discurso, como pela forma jovial e franca de expressá-lo.

Há quem o reconheça graças à TV – durante cerca de dez anos, ele apresentava todas as manhãs o quadro matinal Quebra-cabeça, transmitido pela Band. Sua carreira, no entanto, data de muito tempo antes, e já ultrapassa seis décadas de dedicação e mais de 30 livros publicados.

Aos 88 anos “e meio”, faz questão de ressaltar, ele acaba de lançar A inconsciência coletiva (Ágora, R$ 51,90), em que analisa e atualiza o trabalho do psicanalista Wilhelm Reich, o criador da análise bioenergética.

Dr. Gaiarsa está no Recife e apresenta hoje a palestra Por que é tão difícil amar o próximo?. Será às 19h, no Libertas Socializante (Rua Rodrigues Sette, 80 – Casa Amarela). Inscrições custam R$ 20 e devem ser feitas pelo telefone 3441-7462.

Em entrevista ao Diario, ele trata das razões, sintomas e consequências dessa dificuldade em lidar com “o outro” e aborda temas pessoais sem muitas abstrações: sua capacidade de traduzir grandes verdades para o cotidiano continua impecável.

Entrevista // José Ângelo Gaiarsa: “Somos muito mais versáteis e precisamos desenvolver isso”

Por que “amar o próximo” é algo que fica mais no discurso que na prática?
O “próximo” é sempre algo coletivo, pois na prática ele é meu inimigo, meu competidor. Eu posso até amar o próximo, desde que ele seja sempre o mesmo. É fato que estamos todos “emoldurados”, não usamos 10% de nossa aptidão de movimento. Todo mundo sabe qual o seu jeito. Se você sai dele, os conhecidos falam: “como assim?” E a paralisia que você aprendeu na infância está fadada a ser eterna.

As pessoas se sentem mais seguras quando “o outro” é sempre o mesmo…
Sim, pois é preferível ter o outro sob controle que amá-lo. A “educação” consiste em limitar movimentos. Você não faz ideia das possibilidades do nosso aparelho locomotor, a nossa capacidade de movimento é infinita. A soma de todas as danças, lutas, esportes e artes circenses é o que o corpo humano pode fazer. E a restrição de movimentos é mortífera. É ser morto em vida, virar um paspalho bem comportado, com meia dúzia de movimentos repetidos. Como duas estátuas podem se amar, ou dois bonecos articulados podem se amar, dançar, ter relações sexuais, a não ser de formas pré-estabelecidas? Somos muito mais versáteis e precisamos desenvolver isso.

Como?
Para bem amar é preciso repensar a posição machista da sociedade. Sexo para o homem começa quando ele entra na gangue, que é a pior forma de “machice”. E para me aproximar de uma mulher com amor, preciso perder 80 % da minha “machice”. Antes de mais nada, amar envolve um profundo respeito pela mulher. Coisa que o machão não tem nem de longe. Das inversões mais radicais da espécie humana, a maior é a opressão da fêmea. A mulher vive para manter a vida, é dona indiscutível da natureza. O melhor que o homem pode fazer é pôr-se a serviço dela. E experimentar prazeres como nunca sentiu na vida, em vez da vulgaríssima trepada. Talvez a maior revolução seja o avanço da mulher na representação social. Sempre falo de um partido das mães e de uma escola para a família. Sei que a mulher corre o sério risco de se contaminar e virar “macho”. Eu espero que não, pois a mulher não é inerentemente agressiva. O macho é. Enquanto os machos dominarem o mundo, a humanidade será a catástrofe que já tem sido.

Do que trata seu último livro, A inconsciência coletiva?
Ele tem muito do Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. Tem a ver com não querer olhar a si, não se deixar influir pelo outros.

Qual a importância do trabalho de Wilhelm Reich, tema que o senhor desenvolve não só na nova obra, mas ao longo de sua carreira?
Podemos entender a partir da diferença entre Freud e Reich. Freud disse: “deita aí e fala. Eu não quero te ver”. Após certo número de encontros, ele se sentia um pouco embaraçado de ficar diante da pessoa, pois é difícil ficar sem interagir. O jeito é só escutar. É a antecipação da psicologia pelo celular. Por sua vez, Reich começou a reparar no paciente e viu que tudo o que havia de inconsciente nele está expresso pelo corpo. E assim começou a psicologia do corpo.

O senhor ganhou fama nacional com um programa de TV bastante assistido por mães que não sabem o que fazer com seus filhos. Hoje, o que diria para essa audiência?
É difícil, não gosto de dar conselhos, pois a criança é um produto que aparece no mundo sem instruções para uso. Mas posso dizer o seguinte: seu filho não é nada do que você pensa. Ele não é bobo, não é inocente, não é ingênuo. Ele é muito esperto, muito atento, aprende dez vezes mais depressa que você. Em vez de tratá-lo como criança, o melhor que você pode fazer por ele é respeitá-lo. Isso é até mais importante que amá-lo.

Negócio da música equalizado


Do sistema analógico ao digital, do CD ao compartilhamento de arquivos, o hábito de ouvir música mudou radicalmente nos últimos anos. Mudou tanto, que “revolução” parece ser a melhor palavra para descrever o sem-número de invenções, fatos e descobertas em torno do assunto. Nesse contexto repleto de permissividade, consumidores, empresas de telecomunicação, provedores de conteúdo e fabricantes de mídia virgem só têm a agradecer. Do outro lado da balança, não há motivo para tanto: artistas, gravadoras e distribuidoras são os principais lesados por este processo em plena ebulição.

O que nos conduz ao cerne da questão: como equilibrar uma equação em que cada elemento é indispensável para manter viva a cadeia produtiva da música? Entre as respostas disponíveis está o Last.fm (www.last.fm), site que remunera o artista toda vez que sua música é executada, e hoje acumula um dos maiores catálogos do mundo fonográfico. Disposto a discutir o futuro da música na internet, o responsável pela aquisição de conteúdo da Last.fm, Jonas Woost, estará no Recife como um dos convidados do Porto Musical, que acontece de 17 a 20 de junho, no Bairro do Recife. Na entrevista a seguir, ele explica como a Last.fm está fazendo da música “líquida” um bom negócio.

Entrevista // Jonas Woost: “Artistas que querem ganhar dinheiro precisam ser empreendedores”

Transmitir música pela internet pode ser algo rentável para gravadoras e distribuidoras. E para os artistas, é bom negócio?
Artistas são extremamente beneficiados pelos serviços de streaming pela internet. Além de dar publicidade a eles, a Last.fm paga em dinheiro a cada vez que suas músicas são tocadas. Chamamos isto de “Programa de Direitos Autorais para Artistas”.

No que a Last.fm difere das demais rádios online e sites como MySpace? Como competir com outros serviços de rádio via web, que não cobram nada pelo streaming?
Uma das maiores características da Last.fm são as recomendações. Baseados nos hábitos musicais do ouvinte, temos condições de recomendar qualquer tipo de música para qualquer pessoa. Como existe muita música disponível, a capacidade de filtrar é uma das funções mais importantes nos serviços de música na internet.

Que vantagens artistas iniciantes podem ter com esse modelo de transmissão?
Vinte anos atrás, se você quisesse mostrar seu trabalho para muita gente, teria que assinarum contrato com uma gravadora. Sem isso, as rádios simplesmente não tocariam sua música, as revistas não escreveriam sobre você, e você não estaria habilitado a colocar sua música nas lojas. Isso mudou completamente. Agora, qualquer músico pode tecnicamente alcançar qualquer pessoa conectada à internet diretamente. Isso torna o negócio justo para todos, mas traz novos desafios. Com tantos artistas em busca de fãs, como uma banda pode ter certeza que será notada? Serviços como a Last.fm podem ajudar nisso.

Qual a principal fonte de renda da Last.fm?
Nós ganhamos dinheiro com publicidade, mas também temos renda com assinaturas.

Você concorda com a tese de que a música gravada hoje funciona mais como cartão de visitas para shows, que agora são a principal fonte de lucro?
Ultimamente, muitas pessoas dizem que shows são mais importantes do que a música gravada, mas eu não creio que isso possa ser aplicado a todos os casos. Sim, há certos artistas que obtém sucesso fazendo turnês, e os fonogramas ajudam a promover isso. Mas por outro lado há muitas bandas que simplesmente não fazem shows, ou fazem sem receber nada em troco. Mas nós aprendemos que não há modelo de negócio para quem faz música. Cada artista precisa encontrar sua forma de fazer dinheiro: alguns venderão CDs e downloads, outros cairão na estrada, outros talvez venderão camisetas. Ou uma combinação de tudo isso. Além disso, haverá novas ideias que nem suspeitamos ainda. Artistas que querem ganhar dinheiro precisam ser empreendedores.

Alguns países adotaram a taxação de dispositivos de mídia como forma de compensar artistas, produtores e distribuidores. Na sua opinião, esta é a melhor saída para descriminalizar a livre troca de conteúdo?
Ficou claro que não é solução perseguir pessoas por compartilhar música “ilegalmente” na internet. A música continuará sendo compartilhada, e ninguém pode impedir isso. Mas há ideias sobre como assegurar o pagamento de artistas pela música disponível de graça na rede. Cobrar um “blanket fee” (algo como uma taxa quecubra todos os custos do serviço) por ponto de conexão com a internet é uma solução interessante. Algumas pessoas chamam de “imposto”, mas eu prefiro “taxa”. Se tenho que pagar uma quantia mensal que me permite baixar, ouvir e compartilhar música à vontade, e com isso facilitar minha a vida, quero ter certeza que os artistas estão recebendo por isso.

Novas configurações do trabalho

O sociólogo pernambucano Francisco de Oliveira participa hoje, às 19h, do Seminário Mutações – a condição humana. Doutor pela USP, onde é professor titular, ele está de volta ao Recife para falar sobre o assunto através do marxismo, ideologia com a qual se notabilizou como pensador do universo político, social e econômico.

A conferência Marx e a condição humana procura compreender um novo contexto, em que o produtor é subjugado pelo produto, e a identificação entre trabalho e trabalhador é cada vez menor. De forma que, se o marxismo considera o trabalho como centro da atividade humana, até ele está em crise, afirma Oliveira, em entrevista ao Diario.

O Seminário Mutações segue até o dia 5 de junho. Para participar das conferências, sediadas no Memorial de Medicina de Pernambuco, basta procurar o Centro Josué de Castro (fone: 3423-2800). As inscrições custam R$ 30 e R$ 15 (estudantes e maiores de 60 anos), e também podem ser feitas no local do evento.

Entrevista // Francisco de Oliveira: “A tendência à despolitização é mundial”

Que ferramentas o marxismo oferece para compreender a atual condição humana?
O marxismo está num grave impasse teórico. Não por causa do fim da União Soviética, não é nada disso. Mas sim porque centrou sua compreensão do homem no trabalho, que é o centro da reflexão marxista sobre a condição humana. E o trabalho mudou de forma, os processos do capital transformaram a identidade dos trabalhadores. É claro que o trabalho não desapareceu. Hoje trabalha-se mais do que nunca.

Em ensaio publicado no livro Mutações, o senhor afirma que a ciência elevou a produtividade do trabalho a ponto de torná-lo banal, quase supérfluo. Ao mesmo tempo, o gigantesco contingente de trabalhadores tem sido o trunfo de países como Brasil, China e Índia. Como explicar essa contradição?
O Brasil não tem esse trunfo. Mas a China e Índia têm, porque lá predomina o trabalho no modelo industrial do século 20. Coisa que o Ocidente não tem mais. Nos países desenvolvidos, o desafio mais forte é teorizar sobre a descentralidade do trabalho, essa grande revolução capitalista. Já o Brasil é um caso especial, pois mistura tudo. Há um exército informal formidável, que trabalha mais do que os formais, sem pertencer a classe social alguma. É uma geléia amorfa, de onde se tira um subproduto. Por isso, a identidade entre o trabalhador e seu trabalho é algo difícil de estabelecer.

No mesmo texto, o senhor diz que o novo mundo ainda não está totalmente desenhado, e mesmo assim acredita que ele será abundantemente rico e escandalosamente pobre. Não haverá outras possibilidades em jogo?
Não. Eu trabalho com ciências sociais, e até onde ela nos fornece ferramentas para observar a sociedade, só vejo esses dois extremos. E não só nos países pobres e sua situação escandalosa, mas também nos ricos, onde cada vez mais cresce a desigualdade. Se após o breve sucesso do estado de bem-estar (welfare state) as desigualdades nos Estados Unidos e Europa diminuíram, a partir do domínio do neoliberalismo elas voltaram a aumentar. Agora, com essa crise avassaladora,vemos cenas que a memória americana havia deletado, como trabalhadores em cidades industriais fazendo fila para receber comida. E essa desigualdade não se corrige pela economia, mas pela política.

O grau de interesse dos brasileiros pela política parece ser cada vez menor. Até que ponto essa indiferença é válida enquanto indignação?
Indignação é necessária, mas não faz política. É preciso dar um passo adiante, e isso a sociedade brasileira não deu. A tendência à despolitização é mundial. Isso tem a ver com a política feita através da economia, que é a atual forma de colonização. Uma exceção é a recente eleição de Barack Obama, onde jovens foram às urnas, e várias decisões importantes estão em jogo. Será que, no Brasil, iremos renovar o mandato de José Sarney com o mesmo entusiasmo?

Nesse contexto, o senhor, que é um dos fundadores do PT e também do PSOL, continua a acreditar na política partidária?
A política institucional do país hoje é quase irrelevante. A gente passa a vida lendo jornais e televisão,e isso é um divertimento, pois não toca em questão essencial alguma. Sabemos das patifarias de Sarney, e também da união entre Renan Calheiros e Lula para encontrar formas de barrar a CPI da Petrobras. Gastamos nosso cotidiano acompanhando essas notícias sem importância, porque não é nisso que se orienta a direção do estado. Preste atenção nos jornais: sempre há uma fotografia do presidente do Banco Central, porque ele é quem manda na política econômica. O que decide o rumo da sociedade não passa pelo Congresso.

Há pouco tempo, países hoje chamados de “emergentes” eram classificados como de “terceiro mundo”. Além da troca de nomes, há mudança efetiva?
Isto é um eufemismo, essencialmente não mudou nada. “Emergente” é uma palavra neutra, sem conotação política. É uma mudança de vocabulário que revela a despolitização do discurso. Se algo está mudando, é por iniciativa dos próprios países. Por exemplo, China e Índia não podem ser chamados de emergentes ou de terceiro-mundistas, pois estão no centro da nova estrutura capitalista mundial.

Como o senhor avalia a crise econômica mundial?
A crise é algo próprio do capitalismo, ele se move em crises. A normalidade que os analistas falam não existe, quem lê a história do sistema sabe disso. Algumas crises são quase fatais, como a dos anos 30. A crise atual é uma rearrumação poderosa, devido ao fato de que o desenho das instituições financeiras não corresponde mais ao poder real que está em jogo. Não é uma crise fatal, isso só existe quando os “de baixo” não aguentam mais, e os “de cima” não sabem o que fazer. Mas diferente daquela crise, que gerou os fundamentos do estado de bem-estar social, desta vez, não se vê sair nada.

Entrevista // Affonso Romano de Sant’Anna: "A arte se transformou em commodity"

O escritor e crítico literário Affonso Romano de Sant’Anna é um contestador feroz do conceito de arte contemporânea. Tanto que em seu último livro, O enigma oculto (Rocco), até a crítica especializada é colocada em questão. Ele esteve no Recife na última quinta-feira para prestigiar a abertura da exposição O homem e sua sombra, série de pinturas em cartaz no Museu do Estado, do artista plástico Pragana. O pintor criou a partir de um poema do escritor. Na entrevista que concedeu ao Diario, Sant’Anna justifica suas ideias a partir de uma experiência acumulada em 72 anos de vida e viagens mundo afora.

Como surgiu o livro O homem e sua sombra?
Um dia, de repente, veio uma frase estranha na cabeça: “era um homem com sombra de cachorro, que sonhava ter sombra de cavalo”. Fui anotando aquilo com curiosidade, sem saber no que ia dar. Quando fechei o processo, me dei conta de que esse é um tema que existe no folclore do mundo inteiro, e que nem a psicanálise esgota. Pois trata da duplicidade, da ambiguidade que circula na cabeça das pessoas, sobretudo na sociedade esquizofrênica em que vivemos.

Esteticamente, o senhor se considera vinculado a alguma tendência ou escola?
Ao longo da vida, participei de vários movimentos sem ter assinado nenhum manifesto ou cartilha, mas sim, dialogando e criticando, pois essas organizações acabam tendo um cunho religioso. Seria muito fácil se eu entrasse em um partido político, em um grupinho literário, se pertencesse a uma tribo. Isso tem um preço muito caro. Você entra para um partido e acaba virando sacerdote. Entra para um movimento estético e termina messiânico. Sempre fuimuito vacinado contra isso. E hoje continuo nessa batalha, fazendo a crítica de uma certa arte que se chama contemporânea. Sou contemporâneo, por isso critico o meu tempo.

A arte que o senhor critica seria uma fuga do aqui-agora?
A coisa é complexa. Contemporâneo é uma palavra ardilosa, imprópria, que é utilizada de forma equivocada e maquiavélica. Como quem diz: “eu estou salvo e você está condenado. Eu estou do lado do futuro e você, do passado. Eu sei fazer arte e você não sabe”. Um dos equivocos está no adjetivo: a arte contemporânea está tão preocupada em ser contemporânea que esquece de ser arte.

No futuro a arte será completamente híbrida ou ainda haverá a compartimentação?
Se olharmos a história da arte, veremos que ela começa híbrida. No princípio, quando não havia nenhum teórico analisando a arte, a dança a música, a poesia, o canto, o teatro era uma coisa só. Depois tivemos uma compartimentação acadêmica. Já no século 19, Wagner propunha a tese da arte total e a ópera seria esse gênero que reuniria música, poesia, artes plásticas, teatro. A ideia da arte total é muito antiga. E importa menos que ela seja total, e mais que seja arte.

Nesse contexto, há espaço para artistas que se dedicam apenas à criação desvinculada do mercado?
Depende. Alguns artistas podem furar esse bloqueio, por uma série de condições. Mas é uma tarefa muito mais complicada, pois estará indo contra a corrente. Hoje a arte se transformou numa commodity, controlada por um mercado internacional que está na mão de alguns grupos. Grande parte da arte ocidental deriva de Charles Saatchi, um grande galerista e um dos maiores publicitários ingleses. Ele dita o gosto ocidental e está começando a comandar a China e Rússia, ou seja, globalização no sentido mais perverso.

Qual sua opinião sobre a proliferação de eventos literários?
É um avanço, pois fazem com que os escritores circulem para além de seu nicho. Diferentemente de Paraty, que na verdade é uma grande mostra da literatura internacional, mais um gesto de exportação que importação. Aliás, isso faz parte de uma rede de festivais que existem em torno do mundo e que tratam a literatura como espetáculo. Um modelo positivo seria o da Jornada de Passo Fundo. Há uma preparação anterior, durante um ano, que permite ao público conhecer a obra do conferencista. Isso se chama diálogo literário.