René Descartes descobre o Recife

Um filme incomum encerrou o 38º Festival de Cinema de Gramado. Ex-isto, de Cao Guimarães (Rua de mão dupla, Da janela do meu quarto), reforça as relações Minas-Paraná-Pernambuco em um viés radicalmente poético e experimental. O ponto convergente é o livro Catatau, publicado em 1975 por Paulo Leminski. Nele, o escritor curitibano coloca o filósofo e matemático francês René Descartes na comitiva trazida por Maurício de Nassau ao Recife. A hipótese não é toda descabida. Contemporâneo de Nassau, Descartes viveu por 20 anos em território holandês.

Rodado em 15 dias nos estados do Amapá, Alagoas, Pernambuco e Distrito Federal, o longa conta com João Miguel (Estômago) no papel de Descartes, ou como Leminski o batizou, Renato Cartesius. O que o diretor mineiro faz é trazê-lo do século 17 ao 21, onde, consternado, transita entre o povo nas ruas sujas, entre trabalhadores no terminal de ônibus e estuda os ângulos da arquitetura de Niemeyer. Quase no fim do filme, o próprio Leminski traduz as imagens em palavras: Catatau é sobre “o fracasso da lógica cartesiana branca no calor, emblema do fracasso do projeto batavo no trópico”. Em diálogo com o Discurso do método, em que Descartes enuncia o célebre Cogito ergo sum (Penso, logo existo), temos mais explicações para Ex-isto (o próprio Leminski assina um livro póstumo chamado O Ex-estranho).

Ao Diario, Guimarães diz que não se trata de uma adaptação literária, mas de uma reinvenção a partir da obra, publicada em 1975. “Leminski é nosso guia, ele dá o espírito que nos permite apostar em algo criativo, forte, impregnada no autor”. Para filmar as cenas de Ex-isto, foram utilizadas câmeras fotográficas Canon 5D, equipamento cada vez mais adotado em produções de baixo custo. “É a evolução tecnológica. Já trabalhei com Super 8, 16mm e Vídeo. É perfeito para o tipo de cinema que faço, porque dá para acompanhar de perto todas as fases”.

Para filmar a etapa local, Guimarães contou com o apoio de João Júnior, da Rec Produções. Outro parceiro e amigo da “Mauristad” presente no filme é Marcelo Gomes (Cinema, aspirinas e urubus), com quem foi dividida a montagem. “Geralmente edito meus filmes sozinho, mas após 20 dias de trabalho, precisei de um olhar de fora e convidei o Marcelo para vir a Minas”, diz Guimarães, que já dirigiu com Gomes o curta Concerto para clorofila e desenvolve com ele o terceiro filme da Trilogia da solidão (A alma do osso e O andarilho), que se chamará Homem das solidões, inspirado em Edgar Allan Poe.

Ao navegar pelo Capibaribe, o visitante europeu cumprimenta turistas no Catamarã. No Gabinete Português de Leitura, procura suporte intelectual para o caos em que se tornou a cidade maurícia. O movimento de câmera repousa na fachada do Cine São Luiz. No Mercado de São José, se inebria com o barroquismo de visões e odores díspares. No fim da noite, embriagado numa gafieira em Brasília Teimosa, suas certezas estão há muito abaladas. E abre um sorriso. “Sei mais de mim que de outros mas tem muitos outros em mim, que eu não sei”, conclui Renato, no livro. “Quis apresentar a cidade através do rio, de dentro pra fora. Por isso, é como se o personagem estivesse sempre flutuando. Propositadamente, ele não se relaciona com as pessoas. Quis colocá-lo onírico, contemplativo”.

A metrópole reinventada por Guimarães representa não só uma cidade, mas todo o Brasil. “Não é à toa que o Recife está misturado com Brasília, que simboliza a utopia brasileira, que vinha da ideia da razão. E optei por filmar a pororoca do Amazonas pelo simples fato do Leminski citá-la como o encontro do tropicalismo com a poesia concreta, uma pororoca cultural”.

Iconoclássicos – Primeira incursão do Instituto Itaú Cultural no âmbito da produção cinematográfica, Ex-isto inaugura o projeto Iconoclássicos, dedicado a explorar o universo de artistas brasileiros contemporâneos que causaram e continuam causando turbulências. A caminho estão quatro outros filmes, sobre Zé Celso Martinez Corrêa, por Tadeu Jungle; Nelson Leirner, por Carla Gallo; Rogério Sganzerla, por Joel Pizzini; e Itamar Assumpção, por Rogério Velloso. Eles já haviam sido tema do projeto Ocupação, que levantou arquivos e documentos dessas “entidades” que continuam influenciando gerações.

De acordo com Roberto Cruz, gerente do núcleo de audiovisual do Itaú Cultural, Ex-isto deve percorrer o circuito de festivais até que entre em cartaz nacionalmente, em salas específicas. “Temos muita expectativa de que esse tipo de cinema entre, não no circuito mercadológico, mas em exibições com entrada franca”. O primeiro a chegar aos cinemas, no entanto, deve ser o longa sobre Itamar Assumpção, que fica pronto em outubro. “Vamos promover ações de difusão para estabelecer uma grandeitinerância com instituições parceiras, como o circuito Unibanco Arteplex, com quem estamos em conversação”.

(Diario de Pernambuco, 17/08/2010)

Festival de Gramado premia Bróder

Bróder é o grande vencedor do 38º Festival de Cinema de Gramado. Pela primeira vez em nove dias de evento, o Palácio dos Festivais estava com lotação máxima. A cerimônia foi ágil e tomou cerca de uma hora e meia da noite de sábado, talvez para não prejudicar a transmissão ao vivo, pelo Canal Brasil. Apesar do ritmo acelerado, o resultado foi positivo, principalmente por ter evitado os usuais discursos e agradecimentos intermináveis dos premiados.

Baseado em ótima performance dos atores e roteiro preciso nos diálogos, situações e consequências, o longa de estreia do diretor Jeferson De aposta na crítica social sem abrir mão do drama particular que narra o reencontro de três amigos do Capão Redondo, periferia de São Paulo. O filme deve estrear comercialmente em novembro, logo após Tropa de elite 2. De barba, Caio Blat esteve no festival especialmente para receber o Kikito. Ele cultiva outra aparência para gravar o longa Xingu, de Cao Hamburguer. “Esse é o presente mais brilhante que recebi na minha carreira”, disse Blat. Em Bróder, ele interpreta Macu, um “mano” que no dia do aniversário se envolve em perigosa aventura com os amigos Jaime (Jonathan Haagensen), estrela do futebol mundial e Pibe, que após cursar universidade, se casa e sai do Capão. Em seu discurso, Blat afirmou se sentir apto a “encher a boca e dizer que é negão”. E agradeceu às famílias da comunidade que abriram as portas e o ajudaram a compor o personagem. “Cada família de lá tem um Macu em suas casas. Dedico esse prêmio a eles, para que possam mudar suas histórias”. Aplausos para ele.

Por sua vez, Jeferson De levantou a “galera” ao subir para o prêmio máximo vestindo a camiseta do Internacional, que perdeu para o Fluminense na última quinta. Criador do Dogma feijoada, ele deve muito aos gaúchos, que o incentivam desde o primeiro curta, rejeitado na Bahia e premiado em Gramado. E sabe retribuir. Da mesma forma, o primeiro longa, sobre “manos” com um ator branco classe média como protagonista, se equilibra em contradições. Assumindo essa lógica, com os Kikitos na mão, Jeferson agradeceu a Mano Brown “o maior líder das periferias do Brasil” e Daniel Filho, um dos produtores do filme.

Entre os longas estrangeiros, premiar Mi vida com Carlos foi decisão acertada. Em busca do pai que não pode conviver, o chileno German Berger fez um rico panorama da ditadura Pinochet. Ao lado da filha Greta, que o inspirou a realizar seu filme, declarou que “um país sem documentários é como uma família sem fotografias”. Gramado 2010 deu o prêmio especial a ficção La Yuma, apelidado de “Menina de Ouro da Nicarágua”, em que a bailarina Alma Blanco interpreta uma boxeadora. O filme tem sido celebrado inclusive por ser o primeiro longa produzido pelo país em 20 anos. O júri oficial ainda cometeu a ousadia de premiar o mexicano Nicola Pereda, jovem diretor de Perpetuum mobile, filme que embaralha o tempo da narrativa e estende à exaustão a duração de seus planos. O único lamento é pela ausência da premiação oficial do colombiano El vuelco del cangrejo. cuja abordagem entre atores e moradores de uma comunidade perdida no tempo criou um filme indefinível e, talvez por isso, tido como o melhor pela crítica.

Premiado em cinco categorias, Haruo Ohara consagra o diretor Rodrigo Grota. Ele teve outros filmes (Satori Uso, Booker Pittman) premiados em Gramado e outros festivais, mas nunca havia ganhado o prêmio de melhor direção. Encerrada a “Trilogia do Esquecimento”, sobre a Londrina dos anos 1950, Grota parte para realizar o primeiro longa, o policial Pé de veludo, história real de uma espécie de “Robin Hood”, que morreu após tiroteio de mais de três horas no centro de Marília, interior de São Paulo. “No mesmo dia, Che Guevara fez o famoso discurso na ONU, John Coltrane gravou A love supreme e o jogador Eusébio fez o melhor gol de sua carreira”, conta o diretor. Já o baiano Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hugues, ganha o devido reconhecimento ao dividir o prêmio de melhor curta com Haruo Ohara. Veterano em festivais, o filme é de uma poesia simples e direta, algo nada fácil de se alcançar.

Fora de competição, os filmes da Mostra Panorama muitas vezes foram tidos como melhores do que os que disputaram os Kikitos: Os inquilinos, de Sérgio Bianchi, Chantal Ackerman, de cá, de Gustavo Beck e Leonardo Ferreira (plano único de 61 minutos onde a diretora belga reflete sobre sua obra), Terra deu terra come, de Rodrigo Siqueira (vencedor do festival É Tudo Verdade 2010), Elvis e Madona, de Marcelo Lafitte (que atraiu um dos maiores públicos do festival) e o argentino Dois Irmãos, de Daniel Burman. Estes, mais a premiére de Ex-Isto, de Cao Guimarães, causaram a boa impressão de que, este ano, Gramado acertou em cheio.

38º Festival de Cinema de Gramado

Júri Oficial – Longa Nacional

Filme: Bróder, de Jeferson De
Prêmio especial do júri: O último romance de Balzac, de Geraldo Sarno
Diretor: Jeferson De (Bróder)
Ator: Caio Blat (Bróder)
Atriz: Simone Spoladore (Não se pode viver sem amor)
Roteiro: Dani Patarra e Jorge Durán (Não se pode viver sem amor)
Fotografia: Luis Abramo (Não se pode viver sem amor)

Júri Oficial – Longa Estrangeiro

Filme: Mi vida com Carlos, de Germán Berger-Hertz
Prêmio especial do júri: La yuma, de Florence Jaugey
Diretor: Nicolas Pereda (Perpetuum mobile)
Ator: Gabino Rodriguez (Perpetuum mobile) e Martin Piroyansky (La vieja de atrás)
Atriz: Alma Blanco (La yuma)
Roteiro: Pablo Meza (La vieja de atrás)
Fotografia: Miguel Littin Filho (Mi vida con Carlos)

Juri Oficial – Curta Nacional
Filme: Haruo Ohara, de Rodrigo Grota e Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hughes
Direção: Rodrigo Grota (Haruo Ohara)
Prêmio especial do júri: Os anjos do meio da praça, de Alê Camargo e Camila Carrossine
Ator: Flávio Bauraqui (Ninjas)
Atriz: Elisa Volpatto (Um animal menor)
Roteiro: Cláudio Marques e Marilia Hughes (Carreto)
Fotografia: Carlos Ebert (Haruo Ohara)

Prêmio da Crítica
Longa nacional: Diário de uma busca, de Flávia Castro
Longa latino: El vuelco de cangrejo, de Oscar Ruiz Navia
Curta nacional: Babás, de Consuelo Lins

Prêmio aquisição Canal Brasil: Haruo Ohara, de Rodrigo Grota

Júri Popular
Longa nacional: 180º, de Eduardo Vaisman
Longa estrangeiro: Mi vida con Carlos, de Germán Berger-Hertz
Curta nacional: Ratão, de Santiago Dellape

(Diario de Pernambuco, 16/08/2010)

Festival de Gramado // À espera dos Kikitos


Haruo Ohara – um dos melhores filmes do festival

Terminada a programação do 38º Festival de Gramado, o assunto mais discutido é o da distribuição dos Kikitos. A julgar pelo retorno do diretor Jefferson De e do ator Silvio Guindane ao festival, o júri oficial deve consagrar Bróder. Drama sobre família e amizade na violenta periferia paulista, o filme foi inicialmente escalado para abrir o evento, fora de competição.

Como não ganhou o prêmio principal em Paulínia, voltou ao páreo, de última hora. Entre críticos, Bróder divide opiniões. Parte dos avaliadores balança pelos documentários Contestado – Restos mortais, de Sylvio Back, O último romance de Balzac, de Geraldo Sarno, e Diário de uma busca, de Flávia Castro.

A noite de quinta-feira foi especial para os curtas. O mais instigante, Haruo Ohara, dialoga com a obra de um agricultor japonês que se tornou pioneiro da fotografia no Norte do Paraná. Fotografado em PB digital por Carlos Ebert, o filme encerra a Trilogia do esquecimento de Rodrigo Grota, três curtas de ficção explorados de forma documental. Os dois primeiros são Satori Uso (2007) e Booker Pittman (2008). Ambos foram premiados em Gramado e a boa recepção do terceiro indica que Grota não sairá daqui de mãos vazias.

“Morei em Londrina por dez anos e criei uma relação afetiva com a cidade”, diz Grota. Apesar de manter o recorte temporal e geográfico – a Londrina dos anos 1950, Ohara se difere de Satori Uso e Pittman na abordagem, que dramatiza o contexto do fotógrafo em ação e junto com a família. Para recriar a fotografia de Ohara, Ebert se inspirou mais em seu olhar do que na técnica. “Ohara usava o processo fotoquimico negativo-cópia em filmes da baixa sensibilidade, que tem uma enorme latitude. Por isso, não poderia transpor nada para o digital, que tem suas limitações. Meu desafio foi transcriar sua percepção dentro do novo suporte”.

De forma outra, o documentário Babás, de Consuelo Lins, utiliza fotografias antigas e anúncios de jornal para tratar da relação afetiva, histórica e social, inicialmente mantida entre famílias brancas e mães pretas para então assumir a moderna estrutura família burguesa / empregadas domésticas. Aos poucos, o foco se fecha para a história da diretora, que entrevista as babás que cuidaram dela na infância. A semelhança com Santiago, de João Moreira Salles, foi lembrada na coletiva de imprensa. Consuelo responde dizendo que o filme de Salles faz parte de uma tendência mundial de documentários em primeira pessoa. Mas admite: “Santiago é uma referência muito forte, não dá pra escapar”

Inspirada em sonho, a animação Os anjos no meio da praça, de Alê Camargo e Camila Carrossine, aposta no visual do 3D e trata de um garoto que assiste a seres alados caindo num povoado, onde são enclausurados.

Ratão provocou risadas com o pastiche de filmes de luta e humor de situações absurdas dos anos 1980. Só pelas referências já se pode ter uma ideia: Goonies, Aventureiros do bairro proibido, Tarantino, filmes blackspoitation, kung fu e Os Trapalhões. A trilha pega bem: Jehtro Tull, Jorge Ben e o pernambucano Di Melo.

Último longa nacional em competição, o documentário Diário de uma busca se aproxima do chileno Mi vida con Carlos, de German Berger. Menos afetiva, Flávia Castro também procura o pai que se foi, Celso Afonso Gay de Castro, militante perseguido pela ditadura, assassinado em estranhas circunstâncias em 1984.

(Diario de Pernambuco, 14/08/2010)

Festival de Gramado // El vuelco del Cangrejo

Em escala ascendente, a mostra competitiva do 38º Festival de Gramado está revelando bons filmes. Hoje a programação de filme se encerra com o inédito e esperado Ex Isto, de Cao Guimarães, adaptação do livro Catatau, de Paulo Leminski, com João Miguel no papel de René Descartes. Da noite de quarta-feira, o colombiano El vuelco del cangrejo (A reviravolta do caranguejo), de Oscar Ruiz Navia, é um manifesto autoral atípico em um país que, assim como o Brasil, está se especializando em filmes sobre periferia e violência.

Premiado pela Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica no último Festival de Berlim (o mesmo recebido por La Teta Assustada), Cangrejo foi rodado numa comunidade de pescadores perdida no litoral, que interage com um forasteiro (Rodrigo Velez) à procura de uma rota marítima para deixar o país. Com exceção de Velez e de dois outros atores, todo o elenco é formado pelos moradores de La Barra, que reagem às câmeras com diálogos e ações tão naturais que não sabemos se assistimos a um documentário contemplativo ou uma ficção em tom de poesia. Na dúvida, é cinema.

Não se pode afirmar o mesmo de Ponto org, de Patrícia Moran. Seu núcleo dramático é ficcional, mas simula um documentário, em que uma garota classe média (Erika Altimeyer) e um videoartista (o rapper Renegado) entregam câmeras a um grupo de garotos, que num movimento de “inclusão”, tornam-se autores de imagens da vida nas ruas. A experimentação é radical e provoca vertigem ao som de videogame. Impressiona a atuação de Teuda Bara, fundadora do Grupo Galpão de Minas Gerais.

(Diario de Pernambuco, 13/08/2010)

Festival de Gramado // Oscarito para Pereio

O Troféu Oscarito de 2010 foi para o ator Paulo César Pereio. Não se trata de justiça tardia, como ocorreu com Júlio Bressane dois anos atrás. Gaúcho de Alegrete, o ator esteve em Gramado várias vezes, onde foi premiado por sua atuação em Noite (1985), de Gilberto Loureiro, e As aventuras amorosas de um padeiro (1975), de Waldir Onofre. Em casa, Pereio estava bem comportado. Nada de palavrões, atitudes provocativas ou declarações politicamente incorretas. Ao contrário do personagem que há 50 anos ele vem construindo no teatro, TV e cinema, o que vimos foi um homem tranquilo, disposto a falar sobre sua visão de cinema e seus projetos atuais.

“É incrível receber um troféu Oscarito. Até hoje sou fã dele”, disse o ator, na entrega do prêmio, terça à noite. “Ele é o grande representante do que a mídia tentou derrubar com esse nome, a chanchada. Que ainda é a grande escola do cinema brasileiro. Enquanto a gente desprezava, os norte-americanos tentaram roubar. Para mim, Mel Brooks é a chanchada brasileira”.

Horas antes, na coletiva para a imprensa, Pereio ousou mais. “Me lembro de quando ganhei o primeiro Kikito, achei estranho porque ele tinha a bunda na frente. Mas depois mudaram isso”. A conversa começou com um retrospecto do Festival de Gramado, o qual acompanha desde a primeira edição, em 1973. A consagração de Arnaldo Jabor e Hugo Carvana são para ele exemplos da sensibilidade de Gramado em apontar os rumos do cinema nacional. Lembrou inclusive que a abertura para filmes sul-americanos começou com o fechamento da Embrafilme, no começo dos anos 1990. “O Brasil não produzia mais filmes e graças a essa carência, começamos a tomar contato com esse cinema maravilhoso, que é o argentino”.

Mas as recordações param por aí. Sobre Eu te amo (1981), Pereio diz não se lembrar de nada. “Quero falar de outro filme, Pereio, eu te odeio. Eu te amo já tem 30 anos, se você olhar pra mim naquele tempo, hoje tenho outra cara”. Com direção de Allan Sieber, o documentário Pereio, eu te odeio deve estrear no começo do ano que vem e traz depoimentos de ex-mulheres, filhos e amigos. “Rodamos mais de três horas com gente falando mal de mim”.

Para ele, apesar da adoção do modelo de produção norte-americano, o cinema brasileiro continua algo marginal. “O leito desse rio é pouco nítido, só vejo as margens. Os recursos são muito precários. Um filme de Hollywood com Julia Roberts dá pra bancar dois anos de cinema brasileiro”. Dos projetos que participa, Pereio diz que se lembra sempre das filmagens, nunca dos filmes prontos. No festival deste ano, ele participa de Ponto Org, de Patrícia Moran. “Eu não vi ainda, então considero que estou no processo”.

(Diario de Pernambuco, 11/08/2010)

Gramado // Bons curtas na noite de terça

Os curtas mostraram força na noite de terça-feira em Gramado. Vento (SP), de Marcio Salem, o mais estilizado de todos, é sobre a fantasia de um menino em ser super-heroi e salvar a mãe numa cidade em que o vento acabou. Com participação de Otto e figurino de Joana Gatis, o filme tem cenários artificiais e objetos à moda antiga, que lembram Tim Burton, e personagens tão estranhos quanto os dos irmãos Coen. E isso pode ser tão bacana quanto um problema. Outro paulista, Pimenta, de Eduardo Mattos, trata da importância do pai para o filho, um menino maltratado pelo irmão mais velho. Bonito.

Os outros dois curtas são veteranos no circuito de festivais. Conto singelo sobre a liberdade que surge da união, o baiano Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hughes foi bem recebido em Gramado. Pela primeira vez em casa, o gaúcho Amigos bizarros do Ricardinho (melhor ator e montagem no Cine PE) se passa numa agência de publicidade, onde o estagiário entretém os colegas com casos estranhos e engraçados e com isso quase perde o emprego. Personagem da vida real, Ricardo Lilja esteve na sessão e disse ao Diario que tudo o que está no filme é verdade. O diretor, Augusto Canani, foi um dos que receberam um e-mail com histórias do Ricardinho. Hoje, elas também são contadas no Twitter: @amigosbizarros.

Os longas em competição foram Historia de um dia (Venezuela), de Rosana Matecki e Contestado – restos mortais, de Sylvio Back. Documentário “sensorial”, sem palavras, o primeiro tenta extrair poesia ao registrar os costumes de um povoado rural, dividido entre os afazeres do dia e a religiosidade. Quarenta anos após filmar a ficção A guerra dos pelados, Sylvio Back volta ao tema e desafia a platéia com um filme de duas horas e meia com depoimentos de especialistas e moradores da região onde aconteceu o massacre do Contestado, de acordo com o diretor, “um conflito submerso que está sumindo de nossa historiografia”.

Entrevistas com médiuns que incorporam caboclos, jagunços e soldados mortos em combate podem ser questionáveis enquanto documento, mas dão ao filme um necessário contraponto emocional à grande quantidade de informações levantadas e ao importante levantamento de imagens de arquivo.

Carta ao pai emociona em Gramado

Cauã Reymond causou rebuliço na imprensa televisiva e fez meninas em busca de autógrafos serem barradas na porta da sala de exibição do Palácio dos Festivais. Ele esteve em Gramado na noite de segunda-feira, para promover o longa Não se pode viver sem amor, de Jorge Durán. Em competição, o filme já foi exibido no último Cine PE, de onde saiu com o prêmio especial do júri.

No entanto, o melhor programa da noite foi Mi vida com Carlos, documentário absolutamente pessoal do chileno German Berger sobre os anos de ferro da ditadura de Pinochet. Longe do tom panfletário, o filme se estrutura como uma carta escrita por Berger ao pai que nunca conheceu. Filho de imigrantes judeus fugidos do holocausto nazista, Carlos Berger foi um dos presos políticos assassinados em 1973 pelas chamadas Caravanas da Morte. Fatos históricos são ilustrados com imagens de arquivo. A fotografia de Miguel Littin (filho do famoso cineasta chileno), movimentos de câmera e montagem fazem delicado contraponto à gravidade do assunto.

“Decidi ser cineasta para enfrentar meus medos e dores. Mas foi nascimento de minha filha que desencadeou este filme” disse Berger. “Littin, que também é o roteirista, me convenceu a abrir minha memória e romper o silêncio”. A advogada Carmem, mãe do diretor, tem sido liderança ativa para que a justiça seja feita no Chile. “A classe política chilena promoveu a desmemória. Isso impede a construção de um futuro auspicioso para o país”. Na Europa, o filme foi exibido na Espanha e na França, onde foi introduzido por Constantin Costa Gavras (Estado de sítio). Apesar de não haver planos de distribuição, Mi vida com Carlos precisa ser mais visto no Brasil, não apenas por ser bom filme, mas pela estranha tendência que temos para esquecer os crimes da ditadura militar.

Curtas – O consenso sobre a primeira noite da mostra competitiva de curtas é que o programa ficou a desejar. A exceção foi a estreia de Ninjas, apresentado pelo produtor como uma “orgia de horror e atrocidades, não um filme brasileiro de terror, mas um filme de terror brasileiro”. Estrelado por Flávio Bauraqui (5xFavela), a obra de Dennison Ramalho, gaúcho radicado em Nova York, fez um exercício de gênero em cinemascope, em que um policial evangélico é perseguido pelo fantasma de um menino que, por acidente, ele matou. Somadas à trilha sonora, cenas de tortura física e um Jesus Cristo com o intestino à mostra fazem de Ninjas o filme mais “Ozzy” do festival.

Em sua primeira exibição fora do estado, A minha alma é irmã de Deus não contou com a presença da diretora, Luci Alcântara, ou do escritor Raimundo Carrero, que divide com Luci a produção e roteiro adaptado do livro vencedor do prêmio São Paulo de Literatura. Apesar da bossa pop que os gaúchos adoram, o trabalho não foi compreendido e provocou estranhamento. Difícil converter literatura em cinema.

(Diario de Pernambuco, 11/08/2010)

Festival de Gramado // Um Balzac para pensar o cinema

Nem Luciano Szafir, nem Paula Lima. A estrela da noite de domingo foi Honoré de Balzac. Não é pouco, para um festival que celebra os famosos do momento, evocar o escritor francês nascido 200 anos atrás. Pois foi através de Balzac e de obras em torno dele que o cineasta baiano Geraldo Sarno encontrou elementos para refletir sobre o processo de criação artística.

Com citações de Paul Valéry (“Nada é mais abstrato do que aquilo que é”), pintura, literatura e música erudita, o viés de O último romance de Balzac é, no mínimo, polêmico. O filme traz à tona a obra O avesso de um Balzac contemporâneo (Editora Lachâtre, R$ 48), análise “arqueológica” feita pelo psicólogo Osmar Ramos Filho sobre uma obra psicografada por Waldo Vieira (parceiro de Chico Xavier) em 1965, pelo espírito de Balzac. Faz também uma livre adaptação em de A pele de Onagro, um dos primeiros romances do escritor. Dentro da estética do cinema mudo, este “filme dentro do filme” é estrelado por José Paes deLira, mais conhecido como o Lirinha do Cordel do Fogo Encantado. Também estão no elenco Simone Spoladore e Ernesto Sollis.

Geraldo e Lirinha se encontraram na predileção de ambos por cantadores da fronteira Pernambuco/Paraíba foi fundamental para que Lirinha topasse entrar no projeto. Nos anos 1960, Geraldo rodou vários documentários sobre o tema. Por sua vez, declamadores como Pinto do Monteiro e Patativa do Assaré foram a primeira referência arrebatadora na formação de Lirinha.

Na manhã seguinte à exibição, durante o debate com a imprensa, o filme deu o que falar. Alguns não resistiram à tentação de taxá-lo de espírita, que estaria engrossando essa tendência que está tomando conta do cinema nacional. Hoje, por exemplo, Sylvio Back exibe em Gramado seu Contestado – restos mortais, documentário de 2h30 em que, através de 30 médiuns, ex-combatentes narram detalhes da guerra que ocorreu há 100 anos entre o Paraná e Santa Catarina. De formação marxista e com outros filmes que abordam questões religiosas como Viramundo, Iaô e Deus é um fogo, ele nega qualquer inclinação espírita do longa. “O filme não tem visão religiosa ou doutrinária. Eu não sou espírita. Respeito a visão do Waldo, que encaro como o processo de criação em que o artista, mesmo não religioso, pode viver. Não são poucos os artistas ou filósofos que se dizem possuídos no momento de criação”.

De acordo com Sarno, a interpretação do professor Osmar traz aspectos centrais na obra de Balzac, inéditos na crítica mundial. Que levaram não somente à A pele de Onagro, como ao pasticho de uma pintura de Paul Potter, considerado por Balzac como o Rafael dos animais. O projeto original incluía uma viagem a Paris, para documentar o universo do autor, logo abandonado em prol da releitura de Onagro. Nele, Rafael Valentin (Lirinha) aceita abreviar sua vida, em troca da realização de todos os seus desejos.

Ao Diario, Lirinha disse que antes de aceitar o papel, precisou superar sua resistência com as exigências do cinema. No entanto, no fim da ressaca provocada pela separação do Cordel do Fogo Encantado (seu primeiro disco sem o grupo sai no começo do ano), ele tem motivos para se identificar com Balzac e seu personagem. “A Teoria da Vontade é uma metáfora do trabalho artístico, em que ele encara dificuldades e decepções em busca do reconhecimento. Também me identifico com a ideia do suicídio na arte, a busca pelo recomeço, a morte como o inicio de algo novo. E Rafael vai cada vez para o subterrâneo, até chegar na situação de que ele não pode mais se apaixonar senão morre”. Além de protagonizar Balzac, Lirinha faz uma pequena homenagem a Glauber Rocha no inédito Transeunte, novo filme de Eryk Rocha.

Após a sessão e também no debate, não foram poucas as críticas ao filme de Sarno. O diretor responde que procura filmes de ruptura. E que assume o risco “suicida” de fazer o que não sabe. “Espero não ser aceito por quem busca entretenimento. Quero estar contra a corrente. Talvez não crie uma nova língua, então gaguejo para não falar a língua do cinema dominante”.

Diario de Pernambuco, 10/08/2010)

Festival de Gramado // A periferia fala alto


Caio Blat e Jonathan Haagensen em Bróder, de Jefferson De

Na turística Gramado, em que até a água mineral é indexada em euro, filmes de periferia falaram mais alto nos dois primeiros dias de festival. Bróder e 5x Favela – agora por nós mesmos apontam para o humano e o desumano, dentro e fora da favela. E reafirmam o instinto documental como o que há de melhor no atual cinema de ficção brasileiro. Os filmes monopolizaram os prêmios do último Festival de Paulínia. Em competição em Gramado, Bróder deve levar alguns Kikitos.

Na sexta, noite de abertura, o frio no tapete vermelho fez tremer os ossos do esparso público munido de câmeras nas grades de contenção. A temperatura oscilou entre 5ºC e 7ºC. Mesmo assim, houve assédio popular aos famosos Iran Malfitano, Cássia Kiss, José de Abreu, Tuca Andrada, Carla Marins, Virgínia Cavendish, André Arteche, Malu Galli, Laila Zaid e Jonathan Haagensen. Revelado em Cidade de Deus, Haagensen se destaca em Bróder como o jogador de futebol Jaime, que saiu da periferia de São Paulo para jogar na Espanha.

Com roteiro de Newton Cannito,fotografia de Gustavo Hadba (um pouco prejudicada pela projeção) e produção de Cacá Diegues e Daniel Filho, Bróder narra o reencontro de três amigos no Capão Redondo e é uma das apostas do ano no cinema nacional. Estreia em novembro no circuito nacional, logo depois de Tropa de Elite 2. Além de Haagensen, Caio Blat, Sílvio Guindane e Cássia Kiss fazem ótimas atuações.

Na coletiva para a imprensa, surgiram comparações entre Jefferson De e o Spike Lee de Faça a coisa certa (1989). Outras influências confessas do diretor são Martin Scorsese e Mathieu Kassovitz. “Spike Lee tem vida fácil. Nos EUA, branco é branco, preto é preto, judeu é judeu, viado é viado. Aqui a discussão é mais complexa. No filme, a questão da cor só tem importância quando eles saem do Capão e vão para o centro. Eu mesmo só comecei a ter cor quando saí da periferia de Taubaté e fui pra universidade”, disse o diretor, que estreia no formato de longa duração, quer filmar a história de Ronaldinho Gaúcho e não esconde o desejo de disputar uma vaga ao Oscar 2011 com Bróder.

Exibido em seguida, o longa gaúcho Enquanto a noite não chega voltou a esfriar os ânimos da platéia. Baseado na memória (representada por sequências de arquivo em película 35mm) e na solidão de um casal de idosos traumatizados pela Guerra do Contestado, o filme foi apresentado pelo diretor Beto Souza como um drama não tão evidente, de “atmosfera”. E a primeira produção em tecnologia digital 4k a ser exibida simultaneamente, por fibra ótica, em três países diferentes. Pena que, enquanto filme, é mal resolvido.

No sábado, a mostra competitiva não empolgou. À procura de ideias próprias, o documentário uruguaio Ojos bien abiertos só fez reproduzir ideias prontas da nova esquerda latino-americana. Com depoimentos de Eduardo Galeano, o filme tem o mérito de contextualizar episódios recentes, como o da expulsão do embaixador norte-americano na Venezuela. Já a narrativa não-linear de 180º, de Eduardo Vaisman, só fez abusar da paciência dos que ainda restavam na sala. O melhor programa do dia foi o argentino Dois irmãos, que abriu a Mostra Panorama. Opostos, os protagonistas vivem na velhice um dolorido mas redentor processo de reconciliação familiar. Faz lembrar que filmes simples podem ser os mais eficientes.

(Diario de Pernambuco, 09/08/2010)

Diretores desconhecidos do grande público são contrapeso para a fama de que Gramado é festival de celebridades

A partir de hoje, o Diario de Pernambuco começa a publicar a cobertura do 38º Festival de Gramado. A programação começou na última sexta-feira e segue até o próximo sábado, com a festa de premiação.

Concorrem ao Kikito de Ouro oito longas-metragens brasileiros, sete de outros países da América Latina e 19 curtas nacionais. O principal homenageado é o ator gaúcho Paulo César Pereio, que recebe amanhã o Troféu Oscarito. O pernambucano Minha alma é irmã de Deus, de Luci Alcântara, encerra a primeira leva de curtas, na noite de hoje.

Este ano, o tradicional evento do cinema está maior. Ganhou dois dias, ou seja, começa e termina nos fins de semana. De acordo com Ademir Coletto, presidente do festival, o objetivo é atrair mais turistas – ano passado, 100 mil visitaram a cidade. A projeção para 2010 é de 120 mil.

Se no tapete vermelho é conhecido o assédio aos famosos (ou nem tanto), dentro do Palácio dos Festivais o evento busca chamar atenção dos cinéfilos com uma programação sem celebridades, em sua maioria, de respeito ou que podem gerar boas surpresas. Entre os veteranos, temos Geraldo Sarno (O último romance de Balzac), Sylvio Back (O Contestado – restos mortais) e Jorge Durán (Não se pode viver sem amor). Da nova geração, Jefferson De (Bróder), Patrícia Moran (Ponto Org), Eduardo Vaisman (180º) e Beto Souza (Enquanto a noite não chega).

O júri oficial de longas nacionais é formado por Emiliano Ribeiro, Ivana Bentes, Kiko Goifman, Mateus Araújo Silva e Suzana Amaral. No júri de curtas estão Eric Laurence, Paula Szutan e Marcos Breda. Entre os participantes do júri popular está Maria Doralice Amorim, leitora que venceu o concurso de críticas promovido pelo Diario.

O programa, elaborado pelo crítico José Carlos Avellar e o cineasta Sérgio Sanz, chama atenção não só para as mostras competitivas, mas para os filmes fora de concurso, como o longa 5x Favela – agora por nós mesmos, Elvis e Madonna, de Marcelo Laffitte e o carioca Chantal Akerman de cá, de Gustavo Beck e Leonardo Luiz Ferreira. Na sexta que vem, encerrando as atividades cinéfilas, teremos o novo longa de Cao Guimarães, Ex Isto.

Apesar de ser conhecido como o festival das celebridades, o exercício da crítica se destaca em Gramado. Desde janeiro presidida por Roger Lerina, do jornal Zero Hora, a Associação dos Críticos do Rio Grande do Sul promove uma oficina, ministrada por Ivonete Pinto (revista Teorema) e um encontro, que este ano discute cinema, crítica e novas tecnologias.

(Diario de Pernambuco, 09/08/2010)

Gramado anuncia longas em competição


O último romance de Balzac, de Geraldo Sarno

O Festival de Cinema de Gramado anunciou ontem os longas nacionais e estrangeiros em competição. Além disso, foram revelados os homenageados de sua 38ª edição: a diretora paulista Ana Carolina Soares, que receberá o Troféu Eduardo Abelin, e o ator gaúcho Paulo César Pereio, que receberá o Troféu Oscarito. Uma surpresa e tanto, considerando que a atriz homenageada em 2009 foi Xuxa Meneghel.

O festival começa dia 6 de agosto, com a exibição hors concours do longa Bróder, representante brasileiro no Festival de Berlim 2010. O filme de encerramento será o inédito Ex-Isto, de Cao Guimarães, sobre o poeta paranaense Paulo Lemisnki. Também fora de competição, haverá sessão de Cinco vezes favela – agora por nós mesmos, exibido em maio no Festival de Cannes.

Na categoria longa-metragem nacional, competem os filmes 180°, de Eduardo Vaisman (RJ), Diário de uma busca, de Flavia Castro (RJ); Enquanto a noite não chega, de Beto Souza (RS); Não se pode viver sem amor, de Jorge Durán (RJ); O último romance de Balzac, de Geraldo Sarno (RJ); Ponto Org, de Patricia Moran (SP); e O Contestado – restos mortais, de Sylvio Back (RJ).

Os longas estrangeiros que disputam o Kikito são El vuelco del cangrejo, de Oscar Ruiz Navia (Colômbia/França); Historia de un dia, de Rosana Matecki (Venezuela); La vieja de atras, de Pablo Jose Meza (Argentina/Brasil); La Yuma, de Florence Jaugey (Nicarágua); Mi vida con Carlos, de German Berger (Chile/Espanha/Alemanha); Ojos bien abiertos: un viaje por la Sudámerica de hoy, de Gonzalo Arijon (Uruguai); e Perpetuum móbile, de Nicolás Pereda (México).

Entre os 16 curtas em competição está o pernambucano A minha alma é irmã de Deus, com direção de Luci Alcântara e texto de Raimundo Carrero. Outros destaques são o baiano Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hughes, Vento (SP), de Marcio Salem, Haruo Ohara, de Rodrigo Grota e Pinball, de Ruy Veridiano. A programação completa, que inclui mostras paralelas e a distribuição de longas e curtas ao longo dos nove dias de festival, será divulgada na semana que vem.

(Diario de Pernambuco, 20/07/2010)

Novo longa de Geraldo Sarno estreia em Gramado

O último romance de Balzac, novo longa de Geraldo Sarno, é um dos selecionados para participar do 38º Festival de Cinema de Gramado.

O filme é baseado no livro O Avesso de um Balzac contemporâneo- Arqueologia de um pastiche, resultado de dez anos de estudo do psicólogo Osmar Ramos Filho sobre outro livro, Cristo espera por ti, ditado por Balzac ao médium Valdo Vieira. Em certo ponto do filme, há uma parte ficcional que adapta o romance A pele de Onagro (La peau de chagrin), escrito por Balzac em 1831.

O interesse pelo fazer cinematográfico / literário é o que move o diretor nos últimos anos. Sarno descreve o novo filme como um jogo de espelhos com diferentes níveis de leitura, criação e reinterpretação da obra de Balzac: primeiro, a partir do livro psicografado; depois, da pesquisa do psicólogo; e por fim, do próprio documentário.

Seu último anterior, Tudo isto me parece um sonho (2008), que investiga a “herança” deixada pelo general pernambucano José Ignácio de Abreu e Lima, gira especialmente em torno desse processo de reflexão / criação. Celebrado em Brasília com os prêmios de melhor roteiro e direção, o filme foi considerado pelo cineasta Carlos Reichenbach como “a maturidade política do documentário brasileiro”.

Após quase cinco décadas dedicadas à produção e educação, o premiado diretor de Viramundo (1964), Iaô (1973) e Delmiro Gouveia (1978) adota um discurso mais grave, que alerta produtores e patrocinadores do audiovisual para a necessidade de discutir linguagem e criação.

“Quando digo que nós perdemos, é porque essa questão, tão importante, é ao mesmo tempo inteiramente marginal, não comove ninguém, em nenhum país da América do Sul”.

A seguir, trechos de uma entrevista que fiz com Sarno em 2009, enquanto rodava O último romance de Balzac.

André Dib – Porque a opção por Balzac e a psicografia no novo filme?
Geraldo Sarno – O que mais me interessa é refletir sobre o processo de criação. Posso considerar o livro de Valdo Vieira como uma leitura de Balzac, uma interpretação da sua obra. O estudo científico de Osmar Ramos é uma segunda interpretação, a partir da análise do “pastiche”. Se nós, enquanto cinema, trazemos a figura histórica de Balzac e sua obra, no caso A pele de Onagro, citada no estudo de Osmar, fazemos também uma análise própria. São, no mínimo, três pontos de vista, mais o nosso – o do filme.

A relação entre palavra e imagem parece ser algo constante na sua carreira.
Estou tornando essa relação mais precisa agora. Um possível subtítulo para esse filme seria “a palavra e a imagem”. É sabido que o Balzac dava primazia à imagem, inclusive por sua aproximação da pintura. Tanto que o Osmar, a partir do livro psicografado, identifica um quadro do século 17, feito pelo pintor holandês Paul Potter, mais ou menos contemporâneo de Rembrandt. Osmar descobriu que quadro é esse, e faz uma análise entre a pintura e a A pele de Onagro, algo absolutamente original e nunca realizado por nenhum estudioso de Balzac.

Como entender o conceito de “protodocumentário”, que você utiliza em seu último filme? O “pastiche” ficcional reservado a Balzac seria algo semelhante?
Penso em A pele de Onagro como um “pastiche” do texto original, uma imagem para cada palavra, em diálogo com o romance. Diferente do filme Tudo isto me parece um sonho, onde existe um documentário dentro do documentário, que poderia ser entendido como um protodocumentário sobre a cana de açúcar. É um série de planos dispostos com elementos mais simples do tema: a plantação, o corte, a usina, uma série de planos com narração de um texto histórico do século 19, de Antonio Pedro Figueredo. Uma sequência básica, embrionária, quase que não manejada. Esteticamente, é a coisa mais linda que eu já fiz.

Entrevista completa aqui.

Diario de Pernambuco leva leitor a Gramado

Em parceria com o Festival de Cinema de Gramado, o Diario de Pernambuco seleciona leitor para participar do júri popular do tradicional evento gaúcho. Para concorrer, é preciso enviar uma resenha crítica sobre um dos três longas-metragens nacionais em cartaz no Recife: Sonhos roubados, de Sandra Werneck (em cartaz no Cine São Luiz, Rosa e Silva e Box Guararapes), Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes (no Cinema da Fundação) e Insolação, de Felipe Hirsch e Daniela Thomas (no Cinema Apolo). O autor do melhor trabalho viajará, com todas as despesas pagas, para a 38ª edição do festival.

Veja aqui como concorrer a esta viagem

O texto deve ter até 35 linhas, em corpo Times New Roman 12, e o candidato pode postar sua resenha crítica no diariodepernambuco.com.br/viver, em formulário específico, ou enviar pelos Correios, endereçado ao Caderno Viver, na sede dos Diários Associados (Rua do Veiga, 600, Santo Amaro). O prazo para as inscrições se encerra na próxima quinta-feira, dia 15.

Entre os critérios de avaliação estão originalidade, concisão, capacidade argumentativa e teor opinativo. Podem participar candidatos de qualquer faixa etária, desde que residentes na Região Metropolitana do Recife. O leitor selecionado participará do júri popular, formado por 15 convidados de todo o país.

Curtas – Na manhã de anteontem, o Festival de Gramado divulgou a lista de curta-metragens em competição. Dos 16 que participam da mostra nacional, um é pernambucano: A minha alma é irmã de Deus, de Luci Alcântara, escrito e roteirizado por Raimundo Carrero. Os destaques são o baiano Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hughes, selecionado pelo último Festival de Brasília e Vento (SP), de Marcio Salem, recém-premiado como melhor direção de arte (Flávio Takahashi) no 20º Cine Ceará. Entre os novíssimos estão o paulista Eu não quero voltar sozinho, de Daniel Ribeiro, Haruo Ohara, de Rodrigo Grota (Booker Pittman e Satori Uso) e Pinball, de Ruy Veridiano.

Outro ponto de interesse será a exibição de Amigos bizarros do Ricardinho, de Augusto Canani, representante do bom cinema gaúcho que, após circular nos principais festivais do país, por fim será recebido em casa, onde compete tanto na mostra nacional quanto na mostra gaúcha. De acordo com a assessoria de imprensa do Festival de Gramado, a programação completa, que inclui longas em competição e homenageados de 2010, será divulgada em 19 de julho.

(Diario de Pernambuco, 07/07/2010)

Festival de Gramado divulga os curtas em competição


Fabiana Pirro e Leo Antunes em cena de “A minha alma é irmã de Deus”
Crédito: Manu Galindo

Curta Metragem Nacional

1. A MINHA ALMA É IRMÃ DE DEUS, de Luci Alcântara, Recife.
2. AMIGOS BIZARROS DO RICARDINHO, de Augusto Canani, Porto Alegre.
3. CARRETO, de Cláudio Marques e Marília Hughes, Salvador.
4. EM TRÂNSITO, de Cavi Borges, Rio de Janeiro.
5. EU NÃO QUERO VOLTAR SOZINHO, de Daniel Ribeiro, São Paulo.
6. HARUO OHARA, de Rodrigo Grota, São Paulo.
7. MAR EXÍLIO, de Eduardo Morotó, Rio de Janeiro.
8. NAIÁ E A LUA, de Leandro Tadashi, São Paulo.
9. NINJAS, de Dennison Ramalho, São Paulo.
10. O CORAÇÃO AS VEZES PARA DE BATER, de Maria Camargo, Rio de Janeiro.
11. OS ANJOS DO MEIO DA PRAÇA, de Ale Camargo e Camila Carrossine, São Paulo.
12. PIMENTA, de Eduardo Mattos, São Paulo.
13. PINBALL, de Ruy Veridiano, São Paulo.
14. RATÃO, de Santiago Dellape, Brasília.
15. UM ANIMAL MENOR, de Pedro Harres e Marcos Contreras, Porto Alegre.
16. VENTO, de Marcio Salem, São Paulo.

Mostra Gaúcha 2010

1. AMIGOS BIZARROS DE RICARDINHO, de Augusto Canani. Porto Alegre.
2. DEPOIS DA PELE, de Márcio Reolon e Samuel Telles. Porto Alegre.
3. EU E O CARA DA PISCINA, de William Mayer. Porto Alegre.
4. LIMBO, de Fernando Mantelli. Porto Alegre.
5. MALDITA, de Claudia Dreyer. Porto Alegre.
6. OS NOMES DO CARIMBO, de Roberto Burd. Porto Alegre.
7. PEIXE VERMELHO, de Andreia Vigo. Porto Alegre.
8. QUANDO O TEMPO DA REFLEXÃO ACABAR, de Vinícius Guerra. Caxias do Sul.
9. UM ANIMAL MENOR, de Pedro Harres e Marcos Contrera. Porto Alegre.
10. UMA VISITA HOLLIWEGER, de Pedro Foss. Esteio.
11. UTTARA, de Ivo Schergl Júnior. Guaíba.
12. VOLTO LOGO, de Eduardo Wannmacher. Porto Alegre.

Gramado // Renovação cultural para leitora do Diario

A estudante de publicidade Maria Améle Dorneles, de 22 anos, acompanhou de perto os sete dias do Festival de Gramado. Ela foi a leitora selecionada pelo Diario de Pernambuco para integrar o júri popular do evento. Para tanto, Méle participou de um concurso de resenhas críticas promovido pela equipe do caderno Viver. “Foi uma experiência incrível. Não imaginava que seria tão bom”, disse Dorneles, conhecida pelos amigos como Méle. “O festival praticamente, para a cidade. Tudo e todos se voltam para o evento”.

Entre os pontos positivos, nossa jurada destaca a integração com pessoas de diferentes partes do país. “No final da semana parecia que éramos amigos de infância. Falar e debater sobre cinema com pessoas que amam o assunto deixou tudo mais fácil”.

Méle revela que a escolha de Corumbiara, de Vincent Carelli, como melhor longa nacional, foi quase que unânime. Já na categoria longa estrangeiro, foi necessário um pouco mais de discussão até que os jurados decidissem por Lluvia, de Paula Hernández. Na categoria curta metragem, o escolhido foi a animação Josué e o pé de macaxeira, de Diogo Viegas.

Méle ainda destaca o reconhecimento dispensado ao júri popular. “Tivemos acesso a festas excelentes e conhecemos diretores, atores e produtores que com certeza enriquecem a rede de relacionamento de qualquer um”. Durante sua incursão à Serra Gaúcha, ela também destaca a beleza e a baixa temperatura de Gramado. “É muito frio para uma recifense, mas nada que tirasse o brilho da temporada. Aprendi bastante, tanto sobre cinema como sobre cultura e pessoas. Voltei pra casa renovada”.

(Diario de Pernambuco, 18/08/09)

Vá ao Festival de Gramado com tudo pago – aumentou o prazo do concurso

O prazo para se inscrever no concurso que levará um leitor do Diario de Pernambuco a Gramado se estendeu para a próxima quinta-feira.

Ganha quem escrever a melhor crítica sobre o filme A festa da menina morta, de Matheus Nachtergaele.

O motivo da prorrogação é que a próxima sessão do filme será somente na quarta-feira, às 20h15, no Cinema da Fundação.

Para conhecer o regulamento completo, clique aqui aqui.

Concurso de críticas leva leitor do Diario a Gramado

De 9 a 15 de agosto, o Festival de Cinema de Gramado realiza sua 37ª edição. Mais uma vez, o Diario de Pernambuco marca presença e fará a cobertura completa deste que é um dos mais antigos e conhecidos festivais de cinema do país.

Anunciada na semana passada, a programação deste ano traz uma boa amostra da produção nacional e latino-americana. Mérito da curadoria dos cineastas Sérgio Sanz e José Carlos Avellar, que há quatro anos se dedicam a fazer de Gramado um reduto não só de personalidades e famosos da TV, mas também de bons filmes e ideias.

“Antes, as pessoas prestavam mais atenção ao tapete vermelho do que à tela. Nossa preocupação é que os filmes voltem a ser a atração principal”, disse Avelar, no fim da última edição do evento.

O ator Reginaldo Faria e o cineasta Ruy Guerra são os principais homenageados deste ano. Um dos destaques da mostra competitiva é Canção de Baal, longa de estreia de Helena Ignez, atriz de carreira consolidada por filmes como Assalto ao trem pagador e O bandido da luz vermelha. Baseado em peça de Bertolt Brecht, seu filme tem cenários de Guto Lacaz, músicas de Tom Waits cantadas em português e cenas de nudez que prometem dar o que falar.

Na mostra internacional, os olhos se voltam para produção peruana La teta asustada, de Claudia Llosa, vencedora do Urso de Ouro no último Festival de Berlim. Entre os 12 curtas nacionais (ainda há 15 curtas da mostra gaúcha), concorre o pernambucano Não me deixe em casa, de Daniel Aragão.

Fora de competição, o Panorama do Cinema traz Garapa, de José Padilha (também exibido em Berlim), Morro do céu, de Gustavo Spolidoro, e Tudo isto me parece um sonho, de Geraldo Sarno (parcialmente rodado em Pernambuco). A Mostra Música e Poesia exibe, entre outros, Só dez por cento é mentira, de Pedro Cezar (sobre Manoel de Barros) e o pernambucano A geração 65, de Luci Alcântara.

Concurso leva leitor ao festival – Em tradicional parceria com o evento, o Diario de Pernambuco promove um concurso que levará, com todas as despesas pagas, um de nossos leitores para participar do júri popular do Festival de Gramado. Para concorrer, basta escrever uma resenha crítica sobre o longa-metragem A festa da menina morta, de Matheus Nachtergaele, atualmente em cartaz no Cinema da Fundação (veja roteiro). Ano passado, o filme foi um dos destaques de Gramado, onde ganhou 6 Kikitos de Ouro (prêmio especial do júri, melhor ator para Daniel de Oliveira, melhor fotografia, melhor música, prêmio da crítica e melhor filme pelo júri popular).

O texto deve ter até 35 linhas, em corpo Times New Roman 12, e ser enviado para o e-mail edviver.pe@diariosassociados.com.br ou via Correios, endereçado à sede dos Diários Associados (Rua do Veiga, 600, Santo Amaro). O prazo para as inscrições se encerra na próxima segunda-feira, dia 27. Entre os critérios de avaliação estão originalidade, concisão, capacidade argumentativa e teor opinativo. Podem participar candidatos de qualquer faixa etária, desde que residentes na Região Metropolitana do Recife. Ao todo, o festival convocará quinze jurados de todo o Brasil.

(Diario de Pernambuco, Caderno Viver, 22/07/09)

Júlio Bressane, hoje, no Recife

O cineasta carioca Júlio Bressane está no Recife para apresentar seu mais novo longa, A erva do Rato.

A sessão será hoje, às 20h, no Cinema da Fundação (Derby). Inédito no Recife, o filme é uma livre adaptação dos contos A causa secreta e O esqueleto, de Machado de Assis. Fotografia de Walter Carvalho, com Selton Mello e Alessandra Negrini no elenco. faz parte do Festival Les 3 Continents, que segue até sexta também no Teatro Apolo (Recife Antigo).

Aos 62 anos, Júlio Bressane é um dos poucos brasileiros a fazer cinema experimental, filosófico e até mesmo erudito. Talvez por isso mesmo seus filmes (Matou a família e foi ao cinema, Mandarim, Filme de amor) não são tão vistos ou conhecidos pelo grande público acostumado com feijão e arroz televisivo.

No último Festival de Gramado, ele recebeu um merecido prêmio pelo conjunto da obra e exibiu seus dois últimos filmes: Cleópatra, com Miguel Falabella e Alessandra Negrini, e o curta-documentário Passagem em Ferrara, em que visita o túmulo do cineasta italiano Michelangelo Antonioni (1912-2007).

Citando Niestzsche, Gaston Bachelard, Camões e filósofos gregos, ele participou de uma coletiva de imprensa, em que negou o conceito de cinema marginal (gênero em que foi enquadrado no fim dos anos 60) e defendeu sua arte com termos difíceis de decifrar, apresentando “imagem inconsciente do tempo” e “motivo fóssil” como chave de interpretação de seus filmes.

Bressane também falou sobre seu mais novo filme, A erva do rato, que seria exibido pela primeira vez na semana seguinte no Festival de Veneza, reduto onde seu trabalho é constantemente celebrado. Confira os melhores momentos da coletiva, originalmente publicados no Diario de Pernambuco. Palvras ditas de forma convulsiva, e que permitiram conhecer um pouco mais sobre o pensamento desse intrincado e indomável filósofo do cinema.

Cleópatra
Como queria uma versão em português, tive de fazer um deslocamento do mito de Cleópatra, não só no sentido geográfico, mas também narrativo. A força da língua portuguesa é a lírica, sobretudo a trovadoresca, e a versão que fiz é uma versão lírica, que vem de Camões até Dom Cabral, Drummond, Lupicínio Rodrigues, Noel Rosa. Coloquei tudo isso nessa colcha de detalhes da língua, e consegui uma respiração que até então não tinha encontrado. O resultado é o contraste, o paradoxo, o choque dentro dessa nova estrutura do mito.

Passagem em Ferrara
Meu encontro com Antonioni foi feito através da perspectiva. Ele era um homem que tinha essa consideração, e sabia que a perspectiva é o pensamento. É um filme de amor, pois eu tinha uma paixão muito grande por ele, que para mim foi um Deus. Deixei que o filme fosse feito fora de mim, sem minha interferência, esperando que isso dissesse alguma coisa dele próprio, e não de uma intenção minha. A minha idéia de Antonioni é a da imagem-sintoma, interrompida e recalcada. Essa minha apropriação me levou a pensar como eu queria um encontro com ele ainda vivo. Quando eu e um grupo de cineastas fomos ao túmulo, fui vítima do sintoma patológico. Tive uma sensação muito grande de mal-estar, porque eu senti o cheiro de seu corpo putrefato. Eu não sabia o que fazer ali, em desespero me dirigi a ele, pedi que me ajudasse. E, através desse gesto, desenvolvi o filme. Foi uma aproximação dos ossos do Antonioni, através de seu significante e daquela ordem geométrica que é o cemitério.

A erva do rato
O filme é uma sobrevivência a um motivo fóssil, e essa é uma chave de leitura importante para seu entendimento. O que nós precisamos ver ali é a imagem inconsciente do tempo, o que tem ali de memória inconsciente. O horror ao rato e o convívio com o esqueleto são dois enigramas – traços sensíveis e duradouros – que tirei de dois contos de Machado de Assis. A causa secreta é o horror ao rato, signo do apetite sexual, da morte e do tempo, lugar comum de toda a iconografia. Em O esqueletohá o convívio com essa figura caricatural da morte, que também é um sintoma de vida, porque a forma tem vida. Só que, depois de pronto, ele tomou outra dimensão. Faço filmes que não sei o que são. Se soubesse, não fazia, pois já estava resolvida a questão.

O “naufrágio” do espectador
Nós temos que reverter essa situação do naufrágio do espectador. É preciso um esforço grande [de interptetação, de compreensão de um filme] e isso foi abandonado em prol da juventude eterna e ereção prolongada. Isso não existe. Até para o grande prazer é preciso esforço, para sair da porcaria que a gente é. E geralmente a gente não sai, mas vale o esforço. Para buscar o filme, é preciso o abandono de si. Ou seja, evitar a tragédia humana que é a tendência à mediocridade. Fazer um esforço contrário à mediocridade seria o passatempo ideal na terra.

Cinema marginal e de baixo orçamento
Essa é uma questão completamente artificial. É uma tirania. O Brasil já é uma margem. Cinema marginal no Brasil só jogando no mar, e a idéia talvez tenha sido essa. Se não é marginal talvez um dia possa ser recuperado, como as imagens arrancadas do inferno. Nesse sentido, o projeto de cinema marginal se enquadra um pouco com o da exterminação nazista. Nunca postulei regime para fazer filmes de baixo orçamento, e nem sou a favor disso. Fiz filmes de baixo orçamento porque fui expulso do cinema brasileiro. Nunca tive filme lançado, nem peguei esses abacaxis que lançam em 200 cinemas e não pagam nem o durex que cola o cartaz. Em 1969, rompi com essa postura, de maneira talvez pouco diplomática, e isso me valeu uma condenação que dura até hoje.