Em nome do Rei do Baião

Há 21 anos, um filho perdia o pai. No caminho para o enterro, no interior de Pernambuco, ele admite: “Não conheci meu pai direito e amanhã é o enterro dele”. Seu nome é Gonzaguinha, filho do Rei do Baião. E é através de seus olhos que a história de Luiz Gonzaga vai para o cinema, em filme dirigido por Breno Silveira (2 filhos de Francisco). O titulo provisório é Gonzaga de pai para filho. A trilha sonora original conta com Gilberto Gil. O elenco ainda não está definido, mas as filmagens começam no fim do ano, em Exu. O plano é lançar em 2012, ano do centenário de Gonzagão.

“É provavelmente o maior filme que já fiz na vida”, diz Silveira. Semana passada, ele esteve no Recife, onde visitou o governador para estabelecer parcerias entre o estado e a Conspiração Filmes. A Downtown Filmes e Columbia Pictures assinam a coprodução e distribuição. Até o momento, 60% do orçamento está captado, via edital do BNDES. “Vou precisar de todo o apoio possível”.

“No fundo o que movia o Gonzaguinha era ser reconhecido pelo amor do pai”, diz Silveira, que baseia o roteiro, atualmente com trezentas páginas, nessa conturbada relação. Ele pretende fazer um filme que respeite a trajetória de Gonzagão, mas ao mesmo tempo com o apelo popular que o tornou nacionalmente conhecido. “Não será uma obra só para quem conhece Gonzagão. Ele fala do Brasil, de laços de amor, de migração, de tudo que um filho passou para se aproximar de seu pai. Assim, ele ganha um ar mais universal”. Assim, Silveira pretende atingir também a parcela do público que não conhece ou não tem interesse direto em Gonzagão.

Com o filme, Silveira se orgulha de promover consenso em uma família há muito dividida, enquanto negociava a cessão de direitos. “A família está se unindo de novo. Convenci a todos a se encontrar depois de 15 anos. Foi um jantar lindo. Todos se entenderam e, desde então eles têm se falado regularmente”.

Gonzaga de pai para filho surgiu quando Silveira havia desistido de fazer cinebiografias. “O sucesso de 2 filhos de Franscisco despertou a vontade de muita gente, que enviou propostas para filmar trajetórias difíceis que as pessoas vivem. Mas chegou nas minhas mãos uma fita de Gonzaguinha, sobre um Sertão que ele não conhecia bem, narrado com uma voz emocionada”.

A ascendência pernambucana pesou na decisão. Seu avô, Breno Dália da Silveira, conheceu Gonzagão e viajava pelo Sertão da Paraíba e também em Carpina, onde tinha terras. “Quando criança, passei quase todas as minhas férias no Recife. Minha infância foi escutando Gonzagão com meu avô. Por isso, até hoje filmo o Sertão”.

De acordo com Silveira, será um épico. “Teremos todas as dificuldades de fazer um filme de época, com várias locações. Vou rodar no Nordeste, na favela de São Carlos (RJ), onde Gonzaguinha foi criado, em Minas Gerais, onde Gonzagão cumpriu Exército. Não vou conseguir filmar de uma vez só. Pretendo começar a parte documental no final do ano, em Exu. Em abril, farei a ficcional, com atores”.

Assim como em 2 filhos…, Silveira não pretende convidar atores famosos para os papéis principais. O teste de elenco é em outubro. A princípio, o roteiro será baseado em duas fontes: uma fita cassete entregue ao diretor através das pesquisadoras Maria Raquel e Márcia Braga, que mantêm contato com os herdeiros de Gonzaguinha; além do livro Gonzaguinha e Gonzagão: uma história brasileira, de Regina Echeverria, cujos direitos estão comprados pela produção do filme. Nele também estão transcritas as fitas gravadas por Gonzaguinha um mês após a morte do pai. “Quantas pessoas compreenderam a visão de meu pai?”, se questiona o músico, a certa altura.

“Temos todos os ingredientes para fazer um bom filme, mais emocionante até do que 2 filhos…. Gonzagão foi da glória ao fundo do poço. Antes de ser resgatado por Gil, Caetano e o próprio Gonzaguinha, sua mulher, Helena, chegou a vender discos numa Kombi”.

(Diario de Pernambuco, 03/08/2010)

Sessão de Arte UCI Ribeiro apresenta: O milagre de Sta. Luzia

Radiografia do Brasil que toca sanfona, o documentário paulista O milagre de Santa Luzia (Brasil, 2008) tem Pernambuco como seu princípio e fim. Já no primeiro plano, Dominguinhos desponta no horizonte, a pé, na estrada que leva à Exu de Luiz Gonzaga. Da terra de Januário ao litoral, há vaqueiros e seus aboios e a poesia de Patativa do Assaré e sua voz trêmula, prestes a se despedir de nosso plano existencial.

Na capital, Dominguinhos encontra Arlindo dos Oito Baixos em seu reduto, no bairro de Dois Unidos, onde juntos animam um arrasta-pé. No interior da Paraíba, Pinto do Acordeon faz uma divertida versão para New York, New York, cantada em inglês caboclo, mais enrolado impossível. Joquinha Gonzaga, Camarão, Hélder Vasconcelos e Gennaro dão sua contribução antes da equipe pegar a estrada para o Sul – pois nem só de forró vive o acordeon.

No Mato Grosso, Dominguinhos apresenta músicos e ritmos diferentes dos nordestinos. Em São Paulo ele encontra Osvaldinho, amigo de longa data e jovens talentos como Gabriel Levy e Toninho Ferragutti e seus projetos experimentais e cosmopolitas. No Rio Grande do Sul, além de Renato Borghetti, seu nome famoso do “fole” no estado, somos apresentados a músicos de raiz, que vivem na área rural dos pampas.

De volta ao Nordeste, há o depoimento do pesquisador Raymundo Campos, com quem Dominguinhos gravou uma versão inédita de Triste partida. Num dos momentos mais emocionantes, Sivuca recebe Dominguinhos no seu apartamento em João Pessoa. Debilitado, o compositor fala sobre a nobreza e versatilidade do acordeon. E chora.

A despeito do mérito cinematográfico, momentos como este fazem o filme de Roizemblit importante documento sobre a música brasileira.

(Diario de Pernambuco, 27/11/2009)

20 anos sem Gonzagão // Nem todos se lembram do Rei do Baião


O caderno Viver encerra hoje a série 20 Anos Sem Gonzagão, que desde o último domingo trouxe matérias, entrevistas e reportagens sobre o Rei e seu legado. Durante cinco dias, conversamos com pesquisadores, ex-parceiros, parentes, “afilhados” e também o herdeiro inconteste, o sanfoneiro Dominguinhos. Fomos até Exu para conferir in loco a falta que seu mais ilustre filho faz. Viajamos ao Ceará, terra de Humberto Teixeira, imprescindível parceiro de Asa branca e outros imbatíveis baiões. Por fim, mapeamos o alcance de sua obra, que transita, impávida, pelo improvável percurso que liga o sertão do Araripe aos clubes noturnos de Nova York.

Consciente do papel de Luiz Gonzaga na construção da identidade nordestina, o governo de São Paulo investiu R$ 1,5 milhão em três dias de homenagens, no Vale do Anhangabaú, centro da capital paulista. A programação contou com 35 shows gratuitos com Dominguinhos, Alceu Valença, Elba Ramalho e Cordel do Fogo Encantado, espetáculos decirco e teatro e barracas de comidas típicas e artesanato. Representado por seus familiares, Gonzagão também recebeu a Ordem do Ipiranga, honraria mais elevada do estado. Mais de 200 mil pessoas compareceram ao evento.

Enquanto isso, em Pernambuco, o poder público tratou os 20 anos sem Luiz Gonzaga como fosse uma data qualquer. No último domingo, o principal programa foi promovido pela Prefeitura do Recife, através do Memorial Luiz Gonzaga, que realizou shows, oficinas e mostras no Pátio de São Pedro. Já o governo do estado apoiou a programação de Exu, realizada no Parque Aza Branca, antiga casa dos Gonzaga. O aporte foi de R$ 30 mil, a pedido da ONG que administra o espaço. Luciana Azevedo, presidente da Fundarpe, informou ao Diario que a grande celebração está reservada para o aniversário de Gonzagão, no próximo 13 de dezembro, quando o festival Pernambuco Nação Cultural encerra as atividades no Sertão do Araripe. “Esse foi o acerto com a região, discutido em fóruns”, diz Azevedo. Como nas demais etapas dofestival, haverá shows, teatro e mostras de cinema, artes plásticas e fotografia.

Ela explica que a Fundarpe optou por investir na sustentabilidade do Aza Branca, tombado patrimônio estadual na última sexta-feira. O acordo prevê o levantamento do acervo de Luiz Gonzaga em parceria com a Fundação Gilberto Freyre e a recuperação física do imóvel que abriga o museu e a casa onde o artista morou. “Não trabalhamos de forma pontual. Estudamos por dois anos o tombamento. Conseguimos homologar no Diário Oficial no último final de semana”, diz Azevedo, que na mesma visita, oficializou o Ponto de Cultura Alegria Pé-de-Serra, que também funciona no local.

(Diario de Pernambuco, 06/08/2009)

20 anos sem Gonzagão // Entrevista: João Silva

João Silva

João Silva é um dos principais compositores de Gonzagão. Nos últimos dez anos da carreira do Rei do Baião, Silva compôs sucessos como Pagode russo e Danado de bom, além de cuidar da produção de álbuns e shows. Aos 73 anos, a maioria vivido no Rio de Janeiro, e mais de 2 mil composições gravadas por diferentes artistas, João Silva está de volta ao Recife (ele é de Arcoverde), onde fixou residência desde outubro do ano passado. Sua história está documentada no livro do pesquisador José Maria Almeida Marques, Pra não morrer de tristeza. Em breve, ele estará em filme de Deby Brennand, Recordações nordestinas, em fase de produção. Ao Diario, ele conta como começou sua parceria, a falta que Gonzaga faz e revela porque as últimas gravações da dupla não serão conhecidas pelo público.

Entrevista // João Silva: “Gostaria que ele estivesse aqui”

Qual é sua mensagem, após vinte anos sem Luiz Gonzaga?
Gostaria que ele estivesse aqui, chamando atenção para seguir a semente que ele plantou, para manter a cultura viva. Gonzaga era a revista do povo, o jornal do matuto. O que aconteceia no Nordeste, ele colocava no disco e o matuto ouvia através de sua música. É importante manter a chama viva, porque hoje não se fala nem um terço do que é o Nordeste. É como se ele não existisse na cultura. De vez em quando ele aparece no meu sonho e diz: “Silva, o senhor me respeite. Precisamos fazer mais música, precisamos trabalhar”.

Você é considerado um dos três grandes parceiros de Luiz Gonzaga.
Na verdade, eram quatro grandes parceiros. O primeiro foi o Miguel Lima. Quando o Gonzaga foi para o Sul, ele levou uma porção de temas do Nordeste, coisas do folclore. Chegando lá criaram essa coisa de que ele tinha que cantar. O Miguel Lima, vendo Gonzaga, falou com a RCA e disse que podia fazer dele o galã nordestino. Depois, com gibão de couro, chapéu de cangaceiro,faca e punhal, ele virou o gaúcho nordestino. Colocaram isso na cabeça dele e ele aceitou. O Miguel Lima era mineiro, um grande poeta. Ajudava o Gonzaga a terminar as músicas. Depois veio o Humberto Teixeira, estudado, deputado. Gonzaga tirou a zabumba do melê e a caixa de guerra. Foi ele quem criou a zambumba, formou o trio e pipocou no mundo. Depois veio Zé Dantas, mas Gonzaga descobriu que ele era simpático ao comunismo. E ele era oposição e se separou de Zé Dantas, ficou só com Zé Marcolino, que era muito “chão” e começou a se repetir.

E como surgiu a parceria entre vocês?
A primeira gravação com ele foi em 1963. Ele queria me conhecer, me ouvia na rádio. E eu era louco para conhecer Gonzaga. Então Marinês me apresentou a ele. Gonzaga gravava uma música minha a cada dois anos. Só que com o rock e a bossa nova, a mídia não segurou ele. Desprezado, ele saiu do eixo Rio-São Paulo e veio se esconder em Exu. No fim dos anos 70, eu trabalhava com o Trio Nordestino, que entrou no casting da gravadora Copacabana. Vendemos na época 260 mil discos. Na época, Gonzaga vendia no máximo 3 mil. Então me chamaram para produzir o disco novo dele, o Danado de bom, que vendeu 1 milhão e 500 mil cópias. Naquela época, Gonzaga era uma empresa mal dirigida.

É verdade que existem músicas suas com Luiz Gonzaga retidas pela Universal?
São oito músicas, que gravamos no tempo da gravadora RCA, hoje BMG. Em cada disco a gente gravava 15 músicas, mas entravam 13. Então sobraram oito. Elas foram mixadas e masterizadas, mas não incluidas no disco. Eles nunca lançaram, nem pretendem lançar. Parece até que queimaram os tapes. Uma vez levei um projeto para lançar essas músicas. Quando cheguei lá, o diretor geral nem sabia que Gonzaga chegou a gravar ali.

(Diario de Pernambuco, 04/08/2009)

20 anos sem Gonzagão // O Rei e o Doutor do Baião

Fortaleza (CE) – Compositor que reinventou o baião, primeiro grande parceiro de Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira (1915-1979) se tornou a atração principal do 19º Cine Ceará. O documentário sobre sua história, O homem que engarrafava nuvens, foi exibido no evento no último domingo, data em que Gonzaga completou 20 anos de morte. Para receber o público, um trio de forró tocava as músicas da dupla. Teve até quem dançasse enquanto esperava a abertura das portas do Cine São Luiz.

“Aqui tem mais de cem Teixeiras”, garante Evangelina Margarida, prima do advogado que prefere classificar como poeta-compositor. Responsável pela convocação da família, dividida entre Fortaleza e a pequena Iguatu, a cidade natal do criador de clássicos como Asa Branca, Baião, Assum preto, Paraíba e Juazeiro, Margarida recebia o primo, Gonzagão e a cantora Carmélia Alves na própria casa durante os shows no interior cearense. “Ele poderia ter sido um mito, mas era muito recatado”. A prima descreve Teixeira como simples, afetuoso e um flautista de mão cheia – com 13 anos, ele tocava nas sessões do Cine Majestic em Fortaleza. “Nosso avô Lafayette ensinou as primeiras notas”.

Após a parceria, Teixeira continuou a compor, mas nem tanto. O parente Eurico Teixeira Júnior lembra que, enquanto advogado, ele se dedicou à luta pelos direitos autorais dos músicos, à época vitimizados por contratos leoninos com as gravadoras. Mais tarde, como deputado federal, criou a Lei Humberto Teixeira, que financiou a circulação de artistas em caravanas pelo Brasil e outros países. Como suplente da Câmara dos Vereadores de Iguatu, Eurico pretende promover um festival de música e um memorial em homenagem ao filho mais famoso da cidade.

Denise Dummont, filha de Teixeira e produtora do longa dirigido por Lírio Ferreira, subiu ao palco para apresentar o filme visivelmente emocionada, por “trazer esse homem de volta para casa”. “Luiz Gonzaga foi a cara do baião, mas meu pai foi o doutor do baião, apelido dado pelo próprio Gonzaga como reconhecimento. É normal que o intérprete ofusque o homem que compôs as canções. Por isso, ele nem sempre teve o reconhecimento que merece”, diz Dummont, antes da projeção começar.

Longa-metragem resgata figura do compositor

Ao longo da estreia cearense de O homem que engarrafava nuvens, as palmas incontidas e gente cantando junto deixaram claro de que o doutor do baião pode não ser tão conhecido assim, mas não há fronteiras para sua obra. Esse é justamente um dos objetivos do longa: contar a história do baião através de seus idealizadores e intérpretes, de Luiz Gonzaga à David Byrne e a japonesa Miho Hatori.

Com lançamento comercial previsto para outubro – mês dos 30 anos de morte de Humberto Teixeira – o novo longa Lírio Ferreira reconstitui a década de ouro do baião (1946-56) com imagens de arquivo costuradas a depoimentos. Método já utilizado no documentário anterior, Cartola – música para os olhos. “São trabalhos irmãos, com o mesmo DNA, apesar do Cartola ser mais lúgubre e noturno, e este ser mais solar, colorido”, diz Ferreira, ao Diario. “No Cartola, optamos por colocar uma ‘ponta preta’ no filme, para representar o sumiço dele enquanto viveu com uma terceira mulher, entre Deolinda e Dona Zica. Essa ‘ponta preta’ começaem 1944 e termina em 1954, exatamente a década de ouro no baião. Não foi só a história com a mulher que colocou Cartola na obscuridade. Aquela ponta preta é O homem que engarrafava nuvens. É aí que os filmes se completam”.

Mais do que um documentário sobre uma fase obscurecida da MPB, O homem que engarrafava nuvens é um acerto de contas pessoal em que a filha parte em busca do pai que a criou, mas foi negado por tanto tempo. Em momento “divã”, de emoções carregadas, Dummont pergunta quem era o pai à própria mãe, que deixou tudo por outro homem e foi morar em Nova York. “Eu tinha muito ressentimento. Amava minha mãe, mas por 50 anos fiquei pensando como ela foi capaz de me abandonar”, disse a atriz, na coletiva de imprensa ontem pela manhã.

"O homem que engarrafava nuvens", de Lírio Ferreira, hoje, no Cine Ceará


Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira: parceria preciosa e nem sempre conhecida

O homem que engarrafava nuvens, documentário de Lírio Ferreira, será exibido hoje à noite no 19º Cine Ceará.

Nada mais simbólico. Hoje se completam 20 anos desde que Luiz Gonzaga morreu.

Além disso, fazem 30 que se foi Humberto Teixeira, parceiro na criação dos primeiros e definitivos sucessos.

Na sala de imprensa, a produtora do longa, a atriz Denise Dumont, protesta ao ler os jornais locais, que dedicaram várias páginas ao velho Lua.

Ela tem motivos para tanto: é filha de Teixeira, o “doutor baião”.

Apenas uma matéria fala sobre o trabalho do pai. No título: “Humberto Teixeira reforçou parceria”.

“Ele criou a parceria!”, responde Denise.

O filme foi a forma de Denise apresentar o pai ao mundo, que sem saber o “conhece” via palavras cantadas por Gonzagão. É dele as letras de Asa Branca, Baião, Assum preto, Paraíba, Juazeiro, entre outros.

Projetado primeiramente em Nova York, no Museum of Modern Art (Moma), O homem que engarrafava nuvens percorreu festivais internacionais como o prestigiado International Documentary Film Festival of Amsterdam (IDFA), e mostras do Rio de Janeiro e do Pantanal, em Campo Grande, onde foi premiado pelo público e júri.

No último Cine PE, ele foi exibido fora de concurso, após a cerimônia de premiação.

20 anos sem Gonzagão

O caderno Viver inicia hoje uma série dedicada a Luiz Gonzaga, o artista que colocou o Nordeste no mapa da MPB.

Quando ele se foi, a tristeza foi grande para aqueles que acompanhavam sua trajetória única com admiração. E para tantos outros que vivem ou se identificam com os valores por ele propagados.

O velho Lua foi pro céu aos 76 anos, vítima de pneumonia, em 2 de agosto de 1989. Aqui, na Terra, sua obra parece não ter data de validade. Se em vida foi cantada por Peggy Lee, Dizzy Gilespie e Amália Rodrigues, no século 21 segue sampleada e reinterpretada por músicos das mais diversas vertentes e quadrantes do mundo.

Segundo de nove filhos de Seu Januário dos Santos e Ana Batista, Luiz Gonzaga do Nascimento foi assim batizado por nascer em 13 de dezembro, dia de Santa Luzia. O sobrenome foi sugestão do padre, inspirado em São Luiz Gonzaga e no mês do nascimento de Jesus. Dos oito aos 14 anos, acompanhou o pai que tocava em festas da região.

Com 17 se alista noExército, onde é apelidado de “bico de aço”, por tocar corneta. Quando ganha a dispensa, fica no Rio de Janeiro, onde toca para estudantes e trabalhadores nordestinos que para lá migraram.

Em 1946 lança a música Baião, interpretada pelo grupo Quatro Azes e um Coringa, criada em parceria com o compositor cearense Humberto Teixeira. Na esteira viriam Asa Branca, Assum preto, Qui nem jiló e outros sucessos. Em 1949 conhece Zé Dantas, importante parceiro com quem compõe Acauã, Xote das meninas.

Em 1962, morre Zé Dantas e surge João Silva, que o levaria a vender milhões de discos. Em 1980, toca para o papa João Paulo II. No último show, em junho de 1989 no Teatro Guararapes, declarou: “Ninguém vai acabar com o forró. Não vai porque essa é a música do povo”.

Na edição de hoje, dedicada ao cantador do Araripe, conversamos com pesquisadores e artistas, numa tentativa de apresentar caminhos por onde trilham o herdeiro Dominguinhos e seguidores do Rei do Baião.

Há também as homenagens, que começam em Exu, terra natal de Gonzaga, e desembocam no Recife. Confira em reportagens, o legado do sanfoneiro que quis ser lembrado por cantar “as aves, os animais, os padres, os cangaceiros, os retirantes, os valentes, os covardes, o amor”.

(Diario de Pernambuco, 02/08/2009)

Um rei que não decepcionava os seus súditos

Mais do que um grande artista, Luiz Gonzaga era um promotor do forró e da cultura nordestina. Entre aqueles que conviveram com o sanfoneiro, vários têm histórias para contar sobre seu caráter generoso e benevolente, um tanto incomum no meio musical. De forma que, além do herdeiro Dominguinhos, Gonzagão espalhou pelo mundo um bom número de afilhados. A julgar por tal inclinação, a conclusão é que o Rei do Baião levava o título tão a sério que se via na obrigação de trabalhar e cuidar bem dos seus “súditos”.

Inspirado pelo “mote”, o pesquisador Raymundo Campos desenvolveu uma investigação própria a respeito. O estudo faz parte de um projeto maior, intitulado Cristomatia do baião – Vozes da seca, ainda inédito no formato livro. O texto apresenta Gonzaga como mecenas dos próprios concorrentes e, na época em que não havia leis de incentivo à cultura, desenvolveu a sua própria política cultural, com investimentos “a fundo perdido”.

“Ele ajudava até as pessoas que otinham magoado em algum momento. Isso só fazia sentido do ponto de vista monarca-súdito. Ele gostava de suprir todas as necessidades. Ajudava presenteando os artistas com sanfonas muitas vezes iguais a que ele tocava. Também dava estímulo moral, apoio, queria saber como a pessoa estava. Uma vez, ele ofereceu a bilheteria de um show junino a um sanfoneiro com dificuldades de saúde”.

Na opinião de Campos, Gonzagão obteve a “realeza” a partir de seu talento e também graças à sua capacidade em superar as dificuldades do migrante pobre, que vai para uma região desconhecida trabalhar nos serviços mais duros. “Isso gerou um referencial positivo. Mesmo com as deficiências de um nordestino semi-analfabeto, que sai fugido da sua terra, ele foi um exemplo do homem que luta, trabalha e vence. Não do que pede esmola, que é o que acontece hoje no país, em que há uma multidão oficializada de dependentes com orgulho de pedir”.

Campos conta que foi o próprio Gonzaga quem deu sustância para a criação do Cheiro do Povo, que nofim dos anos 70 lotava as instalações do atual Clube Atlântico, em Olinda. “Foi a base de um movimento pela valorização do forró. Gonzaga tocava sem ser anunciado porque ao meio-dia da sexta-feira ele ligava e dizia que estava vindo para o Recife. Em menos de três meses estávamos com a casa cheia todos os dias”. O nome da casa surgiu como resposta a uma declaração do então presidente João Figueiredo. “Eu não sei bem quem perguntou, lá na Ilha do Maruim, se ele gostava do cheiro do povo. Ele respondeu: ‘não gosto do cheiro do povo. Prefiro cheiro de cavalo'”, lembra o pesquisador que, em 1983, terminou por receber apoio do Rei do Baião numa hora difícil, pois perdeu o emprego no que define como uma “rasteira empresarial”. “Ele soube que estava em dificuldade e me ofereceu um show de graça, num dia que desse dinheiro, porque um show na segunda-feira é diferente de um sábado”.

Além do Gonzaga mecenas e solidário, Campos destaca seu papel de reivindicador social. É sabido que, somente na cidade natal de Exu, em1973, ele foi responsável pela chegada de telefone, sinal de TV, asfalto e energia elétrica nas áreas rurais. Sem falar que, a pedido do governador Eraldo Gueiros Leite, foi agente de paz da histórica discórdia entre as famílias Alencar e Sampaio. “Ele era de direita, tinha uma visão tradicional do Nordeste. Mas não se metia em ideologia, fazia reivindicação sem ódio”.

Vinte anos após a morte do mestre, Campos avalia que, salvo engano, só Dominguinhos mantém, solitário, a índole protetora do mestre do Araripe. “Os outros, apesar de tocar a boa música nordestina, estão fechados em suas carreiras. O que é uma pena, pois isso reduz o músico nordestino. Nós temos grandes compositores, mas não há aquela corrente solidária capaz de buscar seus próprios caminhos”.

(Diario de Pernambuco, 02/08/2009)

As palavras do herdeiro

A história de Dominguinhos e Luiz Gonzaga começou em 1950. Época de ouro do baião, onde Gonzaga era o Rei e Dominguinhos era José Domingos de Morais, um menino de oito anos que tocava com os irmãos em Garanhuns. Quatro anos depois, foi Chicão, o pai biológico, quem fez a ponte entre o pequeno músico e o futuro pai artístico, que recebeu a família Morais dando de presente uma sanfona de 80 baixos. “Para nós era o céu”, conta Dominguinhos, em entrevista ao Diario.

Não tardou e Dominguinhos vingou. Consagrado por público e crítica, ele não só deu continuidade, como evoluiu e ampliou o legado da sanfona nordestina. A seguir, ele fala sobre a vivência com o mestre e os rumos do fole prateado, instrumento que um dia brilhou nas mãos de Januário e Gonzagão e hoje segue firme com o talento e a simpatia de seu herdeiro.


Entrevista // Dominguinhos: “Gonzaga enxergava quando um homem tinha valor”

Como Dominguinhos descreve Luiz Gonzaga?
Como o mais importante artista criador que esteve na sustentação da música popular nordestina. Ele foi essa figura que, sem atentar muito para isso, deixou uma imensa obra para seguir e aprender para que ele continue sendo lembrado e sua herança jamais se perca.

Desde que você era garoto, trabalhou com Gonzaga com bastante proximidade. Como foi a convivência com o Rei do Baião?
Ele era aquele sertanejo puro, forte, gente boa. Era duro, às vezes, fazia a gente ficar um pouco assustado, mas imediatamente tudo voltava para o lugar, sem encrenca, pedia desculpas.

Ele também era conhecido como pessoa generosa, com muitos apadrinhados. Isso chegava a ser um problema?
Era meio de veneta. Fazia as coisas meio no rompante, nem sempre acertava. Dava uns foras porque deixava pessoas que não tinham nada a ver se aproximar. Depois caía em si e reclamava. Mas era um ser humano muito bondoso. Enxergava quando um homem tinha valor. Não tinha ciúme. Fazia o trabalho dele e quem quisesse se encostar, não tinha problema.

Gonzaga tinha vários afilhados, mas nomeou você como único herdeiro.
Eu tinha 16 anos quando ele me apresentou como herdeiro artístico. Fiquei surpreso, na época nem sabia o que era isso. Estava gravando com ele numa sessão da RCA, no Rio de Janeiro. Era minha primeira vez no estúdio e ele saiu-se com essa. Zito Borborema, eu e Miudinho formamos o primeiro Trio Nordestino nessa mesma sessão. A gente cismou de fazer um trio como Gonzaga gostava de tocar e passamos a ensaiar. Depois saímos pra viajar pelo Nordeste. Também foi a primeira vez que andei de avião!

Por algum tempo, você também foi o motorista de Gonzagão, não é?
Sim, em algumas viagens, nos anos 60. Às vezes, ele nem ia junto, viajava de avião. Ele queria me levar para o Nordeste com Anastácia, minha parceira. E o jeito que ele arranjou era que eu fosse útil também fazendo propaganda nos lugares onde chegava, com uma corneta em cima do carro. Eu fazia propaganda, abria os shows, depois ele se juntava e fazia o resto do show. Essas viagens foram extraordinárias, eu aprendi muito. Nem Gonzaguinha tirou proveito como eu.

Por falar nisso, você ter sido o preferido de Gonzaga causava ciúmes da parte de Gonzaguinha?
Olha, se tinha ciúmes ou não, eu não prestava muito atenção (risos). Não ligava pra isso. Quando ele se chegou realmente para viver com o pai, eu já estava no convívio com Gonzaga há bem mais tempo. E nós fizemos uma amizade muito proveitosa, fomos parceiros. Não tinha besteira com ele não.

Quando você encontrou Luiz Gonzaga pela primeira vez?
Conheci Luiz Gonzaga em Garanhuns, com oito anos de idade. Eu tocava na porta do Hotel Tavares Correia com meus dois irmãos. Morais tocava a sanfoninha de oito baixos, eu tocava pandeiro e Valdomiro, o melê. Eu nem sabia quem ele era e ele deu dinheiro a meu pai e seu endereço no Rio de Janeiro. Depois eu e meus irmãos fomos para Olinda, onde ficamos internos por quatro anos na Escola Prática e Comercial. Depois, andamos muito pelo interior tocando e pegando bigu em caminhão. Quando meu pai se desenganou e viu que não tinha jeito, não dava pra ficar mais, disse: “vamos para o Rio de Janeiro procurar Luiz Gonzaga”. Meu irmão Morais já tinha ido fazia um ano com um amigo, Zé Paulo e pai tiveram a coragem de ir. Pegamos um caminhão e viajamos por onze dias. E deu certo. Foi aí que me juntei com Gonzaga.

Nos anos 60, Luiz Gonzaga amargou uma baixa na carreira, os discos não vendiam tão bem, o baião havia saído da moda. Como foi enfrentar esse momento?
Às vezes ele se desarvorava, se precipitava. Se aperreava, queria deixar o baião de lado, dizia que o povo não gostava mais dele. Mas isso era num dia. No outro, ele já estava com o pé na estrada. Continuou gravando e falando do Nordeste.

Nos anos 70 o acordeom foi reinserido na MPB e você fez parte disso. Como foi que se deu essa retomada?
Nos anos 50 havia o Mário Mascarenhas, grande professor que montava muita academias. Com o aparecimento da bossa nova, o acordeom começou a desaparecer, principalmente por causa do violão, da guitarra e o teclado, que saiu da igreja para tocar o iê-iê-iê. De repente, todo mundo começou a achar o acordeom pesado. Mas eu fiquei, assim como Chiquinha, também Chinoca, cearense do tempo da rádio Nacional que está no Rio até hoje, Edinho, tinha o Caçulinha, que tocava na chamada Regional de Pernambuco, ótimo músico, Orlando Silveira, Sivuca, que foi pra fora do país e voltou 18 anos depois. Até que o acordeom voltou a despontar devido à influência de Gilberto Gil e Gal Costa, que me colocaram pra tocar representando o Brasil na Midem (na França, em 1973) e depois gravando o disco Índia, no lugar do tecladista. A turma de estudantes universitários começou a redescobrir o instrumento e o acordeom voltou a entrar em evidência.

E hoje, para onde vai o forró sanfonado?
Estamos numa escalada de bons acordeonistas, que tocam muito bem. Nunca houve uma procura tão grande pelo instrumento como hoje em dia. Há muitos valores surgindo como Cezinha, Waldonys, Adelson de Viana. E os que tocam faz tempo, Chico Justino do Ceará, Gennaro que está por aí há muitos anos, mestre Camarão que já vem de muito antes, Arlindo dos Oito Baixos, Manoel Maurício, Geraldo Correia, que mora em Campina Grande, tem mais de 80 anos e é um dos maiores sanfoneiros de oito baixos do Brasil. Tem Luizinho Calixto, né? A sanfona tomou um rumo muito bom. Até os oito baixos estão sobrevivendo bem.

(Diario de Pernambuco, 02/08/2009)

Do Recife a Exu, todos lembram Seu Lua

Ao longo do dia, as cidades Recife e Exu se desdobram em homenagens ao Rei do Baião. No Recife, os festejos são iniciativa da Prefeitura Municipal e marcam o primeiro ano de vida do Memorial Luiz Gonzaga, localizado na casa 35 do Pátio de São Pedro. Por isso, das 9h à 0h, o local abre as portas com uma mostra especial de documentários e oficinas de instrumentos para crianças, jovens e adultos. Também às 9h, Arlindo dos Oito Baixos abre uma série de shows em frente ao Memorial, no Pátio de São Pedro, seguido por cinco trios de pé-de-serra.

Entre 10h e 14h, uma frevioca faz o percurso entre o Mercado da Boa Vista e da Madalena, homenagem da Orquestra Sanfônica de Oito Baixos de Santa Cruz do Capibaribe. A partir das 15h, o tradicional Forró de Arlindo (Avenida Hildebrando de Vasconcelos, 2900 – Dois Unidos) abre as portas para reverenciar e evocar Gonzagão, com apresentações do Trio Macambira, Jaqueta de Couro, Trio Chinelão e do anfitrião Arlindo dos Oito Baixos.

De volta ao Pátio de São Pedro, das 17 às 19hé a vez dos sanfoneiros da cidade de Salgueiro prestarem seu tributo. Às 19h, é chegada a hora de celebrar a missa na Igreja de São Pedro dos Clérigos, com a presença de membros da família Gonzaga. Às 20h, Gennaro e Santanna fazem uma homenagem ao zabumbeiro Quartinha. Depois, haverá shows de Chiquinha e Sérgio Gonzaga, Camarão, Território Nordestino, Irah Caldeira, João Lacerda, Genival Lacerda, Andrezza Formiga, Salatiel Dias, Cristina Amaral, Nádia Maia, Sevy Nascimento, Roberto Cruz, Seu Januário, Dudu do Acordeom, Rogério Rangel, Joana Angélica, Ed Carlos, Roberto Lins e Muniz do Arrastapé. O acesso a todos os eventos é gratuito.

Em Exu, terra natal do sanfoneiro, a programação está concentrada no Parque Aza Branca, antiga residência dos Gonzaga, hoje transformada em museu e espaço para eventos. A programação começa às 9h, com uma missa celebrada à sombra de um frondoso juazeiro. Logo após, no mesmo local, o sanfoneiro Joquinha Gonzaga, sobrinho de Luiz, recebe companheiros como Joãozinho de Exu, TarginoGondim, Flávio Leandro, os grupos Harmonia do Forró e Três do Cariri, além de outros sanfoneiros da região do Araripe. A entrada é franca. Informações: (87) 3879-1295.

(Diario de Pernambuco, 02/08/2009)

Recife reverencia ilustre parceiro de Gonzagão

O compositor João Silva, homenageado do São João do Recife ao lado de Jackson do Pandeiro, recebe hoje o título de cidadão recifense. A cerimônia será às 16h, na Câmara dos Vereadores (Rua Princesa Isabel – Boa Vista). Nascido em Arcoverde e após muitas décadas de vida no Rio de Janeiro, o ex-parceiro de Luiz Gonzaga, hoje com 73 anos, mora na capital pernambucana há apenas oito meses. O título foi uma proposta do vereador Jurandir Liberal (PT). Para comemorar, o veterano músico lança amanhã, às 19h, o novo álbum, João Silva canta mais Gonzaga, realizado com patrocínio do Funcultura.

As 12 faixas não são inéditas, mas pelo menos a metade nunca chegou ao formato CD, permancendo restrita a material de colecionador. Além disso, elas ganharam um novo tratamento de estúdio: foram remixadas, reprocessadas digitalmente e acrescidas com novos instrumentos. O CD será lançado no Forró Jazz, projeto especial do São João do Recife, sediado na Rua Mamede Simões (a mesma do Bar Central). Os shows são de maestro Edson Rodrigues, Paulo Rabeca e Herbert Lucena. Na próxima terça-feira, haverá nova sessão de autógrafos às 15h30, durante o último encontro das Jornadas Gonzaguianas (Livraria Cultura).

“Estou falando com Gonzaga como se fosse hoje”, diz o mais novo cidadão recifense, sobre o resultado do processo que atualizou cinco canções originalmente gravadas por ele, Gonzagão e Severino Januário, irmão do rei do baião, no ano de 1968. Em entrevista ao Diario, Silva conta que o projeto começou por iniciativa sua, pois os irmãos viviam uma desavença. A ideia era chamar Gonzagão para fazer a voz. E dar uma “força” no disco de Januário que, assim como o pai, tocava sanfona de oito baixos. Na gravação original, Gonzaga e Silva cantam na primeira parte das músicas. A segunda era instrumental, em que Januário toca sanfona, triângulo e zabumba.

João Silva conheceu Gonzaga quatro anos antes dessa gravação. Eles foram apresentados por Marinês, nos bastidores da rádio Mayrink Veiga, que ambosfrequentavam. “Não deu dois minutos e a gente brigou”, lembra Silva. “Eu disse: ‘tenho uma música que é a tua cara’. E ele respondeu que todo mundo dizia isso. Aí eu disse que então não tem música nenhuma”. A música, gravada meses depois, era Crepúsculo sertanejo.

Em João Silva canta mais Gonzaga há letras acrescidas, sanfona de 120 baixos (“aquele instrumento metido a besta”, diz Silva) tocada por Gennaro, cavaquinho, baixo, guitarra e percussão. Além disso, a música Forró atarrachado foi reescrita e agora se chama Baioneiro Gonzagão. Para completar, foi regravada uma sequência de composições registradas por Gonzaga já no fim de carreira, como Para não morrer de tristeza, Uma pra mim, uma pra tu e Arcoverde meu.

Com um cancioneiro de mais de 2 mil composições escritas, João Silva entra em estúdio ainda este mês para gravar o álbum de inéditas Sertão puro, em que será compositor, arranjador e produtor. Segundo ele, será um álbum mais “chão”, mais “raiz”, com um linguajar antigo utilizado no interior. “O problema do forró de hoje é que, a cada 15 músicas gravadas, 14 são xotes e uma é baião, todas falando de amor. No meu, não vai ter xote nem arrasta-pé. É só baião e forró puro”, diz o músico.

Serviço
Lançamento do álbum João Silva canta mais Gonzaga

Quando: Amanhã, às 19h
Onde: Projeto Forró jazz (Rua Mamede Simões – Boa Vista)
Quanto: Entrada franca (O CD será vendido a R$ 15)

João Silva e Jackson do Pandeiro afinados com São João


João Silva, autor do forró Pagode Russo: um dos homenageados do São João 2009 do Recife

As comemorações em torno de João Silva e Jackson do Pandeiro, homenageados do São João da prefeitura do Recife, começam a ganhar maior dimensão a partir de hoje, em diferentes endereços da cidade. Às 9h, na Casa do Carnaval (Pátio de São Pedro), será inaugurada a exposição interativa e itinerante sobre os artistas. Às 15h30, na Livraria Cultura (Paço Alfândega – Recife Antigo), haverá a segunda etapa do ciclo de palestras Jornadas Gonzagueanas. E às 20h, no Teatro de Santa Isabel, a Orquestra Sinfônica do Recife apresenta arranjos especiais para músicas de João e Jackson, entre outros compositores. Todos os eventos têm entrada franca.

Nascido em Arcoverde, João Silva voltou a Pernambuco há apenas oito meses, e diz que nem tão cedo pretende “arredar” o pé da capital que, no próximo dia 18, concederá a ele título de cidadão recifense. No encontro de hoje na Livraria Cultura, ele se encontra com os pesquisadores Ademário King e Mávio Holanda (a quem a prefeitura comprou o atual acervo do Memorial Luiz Gonzaga). “João Silva foi a pessoa que mais compôs para Gonzaga. Conversando com ele, poderemos saber detalhes dessa parceria”, disse King, que mora em Caruaru e viaja especialmente para o evento.

Aos 73 anos de vida e mais de 2 mil composições gravadas por Gonzaga, Jackson, Quarteto em Cy, Núbia Lafayette, Ari Lobo, Simone, Ney Matogrosso, entre outros, João Silva tem sua vida contada em livro de José Maria Almeida Marques, intitulado Pra não morrer de tristeza, e filme de Deby Brennand, Recordações nordestinas (em fase de produção). Ele mesmo explica que, das 114 canções feitas para o Rei do Baião, 26 são instrumentais. “São músicas soladas por Gonzaga, e foram lançadas num disco da gravadora Copacabana”, explica o veterano compositor de Pagode russo e Danado de bom, que às 20h terá parte de sua obra tocada no palco do Santa Isabel, em arranjos sinfônicos de Nilson Lopes.

O Concerto de São João apresenta arranjos inéditos para orquestra e sanfona, em que o forrozeiro Genaro será o solista. Às 9h, no mesmo local, haverá ensaio aberto ao público. “Já fizemos algo parecido no projeto Sivuca Sinfônico, mas essa é a primeira vez que a Orquestra do Recife se envolve diretamente com o São João”, conta o maestro Osman Gioia. No repertório também haverá novas versões para Sebastiana e Vou me casar, em arranjos assinados por Sérgio Campello, do grupo SaGrama, e a execução de Concerto Sinfônico para Asa Branca, criação de Sivuca, agora tocado por Gennaro. O sanfoneiro, que hoje interpreta o mestre Sivuca, também tem uma história especial com Jackson do Pandeiro, com quem iniciou carreira. “Conheci Jackson no Rio de Janeiro em 1975, quando ele tinha um programa de rádio. Tive a felicidade de tocar com ele nos meus primeiros discos, antes de entrar no Trio Nordestino”, lembra Gennaro.

A exposição que abre hoje na Casa do Carnaval é boa oportunidade para conhecer melhor a vida e obra dos homenageados. Às 9h, a solenidade de abertura conta com a presença de Dona Almira Castilho e Dona Neusa Flores, respectivamente: a segunda esposa e parceira de trabalho, e a viúva de Jackson do Pandeiro. A partir do dia 12, a exposição prossegue no Shopping Tacaruna.

Eterno Patativa

Há 100 anos nascia Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré. O timbre trêmulo de sua voz se findou em 2002, mas o agricultor cearense que se tornou um dos maiores representantes da cultura popular nordestina continua na memória dos que o conheceram e se inspiram em sua obra. Em sua terra natal, as homenagens começaram desde 1º de março, e chegam hoje ao ponto máximo com queima de fogos, café literário, cantorias, programa de rádio, missa, shows de Dominguinhos e Fagner, e a inauguração da reforma da casa de taipa onde nasceu, na Serra de Santana, a 12 km de Assaré, agora aberta à visitação.

Sua vasta produção literária, ao contrário do que ocorre nas efemérides de escritores consagrados, não foi relançada em edições de luxo. Primeiro, porque isso iria contra a própria essência de Patativa, que optou por viver de forma simples, mesmo após o reconhecimento dos acadêmicos europeus. Segundo, porque seus livros, constantemente reeditados, nunca deixaram de frequentar as livrarias. Por outro lado, as declamações em áudio não estão acessíveis – e vale perguntar por que.

Em termos atuais, Patativa seria considerado analfabeto funcional, pois sabia ler e escrever com alguma dificuldade. No entanto, assim como ocorreu com Angenor de Oliveira, o Cartola, sua incrível habilidade com as palavras o tornou um dos maiores poetas brasileiros.

Órfão aos oito anos, o pequeno Antônio não teve vida fácil. Com a ajuda do irmão mais velho, sustentou a família na roça. Frequentou escola por apenas quatro meses. Aos 16 anos, comprou seu primeiro violão e passou a cantar de improviso. Aos 20, um tio o levou para a capital, onde foi apresentado ao escritor José Carvalho de Brito, que começou a chamá-lo de Patativa. Nos anos 50, com a ajuda de José Arraes de Alencar, publicou seu primeiro livro Inspiração nordestina, pela editora Borçoi.

Não bastasse ter perdido a visão ainda criança, em decorrência de mazela popularmente conhecida como dor-d’olhos, aos 64 anos Patativa foiatropelado ao atravessar uma avenida em Fortaleza. Foi para o Rio de Janeiro na busca de um melhor tratamento, mas foi hospitalizado como indigente, até ser reconhecido por um médico residente que era do Crato, e conheceu o poeta anos antes, na casa da mãe do ex-governador Miguel Arraes, outro cearense do Araripe.

Outro golpe veio em 1993, com a morte de Dona Belinha, a esposa a quem sempre se declarou e atribuiu ser fonte de sua alegria. Morreu aos 93, rodeado de familiares e amigos, que íam visitá-lo em caravanas.

No entanto, sua voz continua a ecoar no trabalho de artistas por ele inspirados, como Luiz Gonzaga (que gravou A triste partida), Fagner (Vaca estrela e boi fubá, depois gravada por Rolando Boldrin, Sérgio Reis e Pena Branca e Xavantinho). “Quando tinha 10 anos, eu adorava ouvir Patativa no rádio, eu imitava aquela voz matuta. Já adulta, descobri um livro dele na casa de um amigo, e vi nele o nosso rap-repente. Quis musicar isso”, disse a cantora Daúde, que no seu disco de estreia gravou Vida sertaneja.

Lirinha, que teve nas estrofes de Patativa uma das inspirações para sua performance com o Cordel do Fogo Encantado, esteve com o poeta em mais de uma ocasião. “A primeira poesia que declamei profissionalmente foi Espinho e fulô, em 1987, no 4º Congresso de Cantadores do Recife. Patativa entrava nos intervalos dos cantadores mas, diferentemente dos outros declamadores, ele improvisava na estrofe falada, que a gente chama nesse meio de glosa, e passava 15 minutos falando com as pessoas da plateia”, lembra Lirinha.

“Aprendi com Patativa que a poesia pode falar dos problemas sociais. Tenho com ele uma relação afetiva, de respeito e identificação por perceber que ele é moderno antes de tudo” – Daúde, cantora

“Patativa foi uma das minhas primeiras inspirações. Dos 12 aos 17 anos, eu queria fazer aquilo que ele fazia. Minha escola foi o vazio do palco e o microfone, e desenvolvi a técnica de interpretar longas poesias a partir dele e outros grandes declamadores” – Lirinha, ator, cantor e compositor