Série Novos Olhares // Um cinema que não sai de cartaz

Walter Carvalho e Cláudio Assis no set de Febre do Rato

O cinema feito em Pernambuco vive um momento inédito. Se sua história é contada em ciclos, este já pode ser considerado o maior e mais fértil. Nunca tantos filmes foram realizados, aplaudidos e premiados como nos últimos anos. Somente na temporada 2009-2011, cerca de duas dezenas de longas em suporte digital ou 35mm estão em fase de preparação, produção ou finalização. Em 2010, seis longas foram rodados no Recife, três com distribuição nacional garantida.

Se num primeiro momento a urgência em se fazer filmes superava as reais condições para realizá-los, hoje não podemos dizer o mesmo. Temos equipamentos, mão de obra especializada, formada em cursos técnicos e prestes a alcançar nível superior, em cursos de graduação oferecidos por três universidades locais. Não por acaso, no começo de outubro o recém-criado curso de cinema da UFPE foi sede do 14º Encontro da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema – Socine.

Essencial para movimentar a cadeia produtiva, o fomento oferecido por órgãos públicos tem sido exemplar. Em 2008 o governo do estado criou edital específico para projetos do audiovisual, o último no valor de R$ 8 milhões. Um terço a mais do que o anterior, quando 95 roteiros de curtas e 35 de longas pleitearam recursos. Nos últimos quatro anos, R$ 33 milhões foram investidos no setor. Festivais se fortalecem e multiplicam, inclusive no interior.

Para Paulo Caldas, que finaliza seu quarto longa, País do desejo, o atual panorama se explica por uma série de fatores, que podem ser resumidos pelo status acumulado nos últimos 20 anos, quando foi retomada a produção no estado. “Esse respaldo é o nosso grande trunfo. Quem trabalha com cinema há mais tempo, percebe a transformação”.

Equipe de O som ao redor comemora o fim das filmagens Foto: Victor Jucá

Kleber Mendonça Filho, que acaba de rodar O som ao redor, arremata: “É incomparável. Com novos processos técnicos e iniciativas se espalhando, a própria ideia de fazer um filme não é mais absurda. É um pouco do que se queria naquela época, acontecendo agora, com cinco longas produzidos em umano. Antes, acontecia um a cada década. Hoje, o país está muito bem financeiramente. E há muito dinheiro para cinema”.


Hermila Guedes e João Miguel no Carnaval cenográfico de Era uma vez Verônica

Marcelo Gomes, que finaliza Verônica seu terceiro longa, afirma que vivemos um ano histórico para o cinema em Pernambuco. “Nunca se rodou tantos longas na cidade desde o Ciclo do Recife, nos anos 1920. Espero que o público assista a esses filmes, agora que temos mais salas exibindo o nosso cinema como o Cine São Luiz e o Cinema da Fundação”.

Uma produção constante e sem sinais de cansaço pode colocar em xeque a tradição de ciclos do cinema local? “Talvez daqui a 20 anos possamos dizer que vivemos um ciclo, mas hoje apenas dizemos que se trata de algo diferente”, afirma o crítico e professor de cinema Alexandre Figueirôa, que enumera uma série de fatores que cuminaram no bom momento para a produção pernambucana, como a proliferação de festivais e a abertura de outros mercados para difusão como o DVD e a internet.

Para ele, a ideia de ciclo vem de momentos específicos que, por razões sociais e econômicas, fez surgir períodos de maior produção em torno de um grupo de pessoas. “Mas basta olhar de perto para ver que nunca se deixou de produzir cinema em Pernambuco. Hoje é diferente porque temos um cinema dentro de uma perspectiva mais aberta, sem hierarquia. E que permite uma continuidade, com menos dependência do modelo institucional de grandes financiamentos. Isso gera longevidade. Por outro lado, sempre tivemos a tradição do audiovisual. Essa vocação, a partir do momento em que encontra cenário favorável, tende a se expandir”.

No entanto, a dependência de recursos públicos leva a refletir sobre a fragilidade da cadeia produtiva. “A partir de Baile perfumado entramos num processo de sustentabilidade discutível”, diz Paulo Cunha, pesquisador e um dos fundadores do curso de graduação em cinema da UFPE. “Espero que haja bom senso da gestão pública, já que a temos uma produção excelente que subsiste justamente pelo apoio estatal. Precisamos garantir que o nosso cinema continue a existir como é, poético, experimental, inovador e avançado. Isso gera um retorno não de bilheteria, mas de grande visibilidade. Seria fantástico dar mais segurança a isso. Caso contrário, essa fase que parece estupenda pode virar outro ciclo e se encerrar”.

Muitos prós e alguns contras

Mais um fato inédito, hoje é possível realizar um longa com equipe 100% pernambucana. Quem garante é Cynthia Falcão, presidente da seção pernambucana da Associação Brasileira de Documentaristas (ABD/PE), com 88 sócios. “Na concepção da ABD, não faltam profissionais de nenhuma área, do diretor aos técnicos de elétrica. Porém, quando se trata de finalizadoras, sabemos que as empresas especializadas em HD e 35mm ainda estão no Sudeste”.

Outro passo à frente é a criação de uma subsede do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematográfica (Stic). “A maioria dos profissionais de cinema de Pernambuco não tem DRT na área. Eles querem regulamentar a atuação no estado, estipular um piso local, organizar melhor a categoria e a forma de trabalho. Pelo Stic, poderemos entrar em contato com as produtoras, estabelecer um diálogo com esse mercado”, diz Cynthia.

A intensificação da atividade e demais conquistas, no entanto, não correspondem a um monitoramento adequado dessa produção. O último foi realizado em 2005 pelo Sebrae-PE. “Na época, atendemos o pleito do Sindicato da Indústria do Audiovisual e tivemos o apoio da Fundação Joaquim Nabuco, que usou a pesquisa para para buscar melhores políticas públicas, como a implantação do Centro Audiovisual Norte-Nordeste e a disponibilização da câmera 35mm para a região”, diz Alexandre Ferreira Gomes, gestor de cultura Sebrae-PE (novo levantamento deve ser iniciado pela ABD-PE assim que terminar o período eleitoral).

Para os realizadores, também há o que melhorar. “De produção, para fazer a coisa andar, o Recife está muito bem servido. Mas a maquinaria utilizada ainda é precária no Recife. Também existe carência de profissionais para esse tipo de equipamento”, diz Kleber. Entre os preparativos de Verônica, Marcelo Gomes entende que as novas tecnologias ajudam bastante, mas, por outro lado, fazer cinema está ficando mais caro. “Temos mais pessoas se especializando e nosso edital está mais aperfeiçoado. Mas ainda falta uma maior sensibilidade do empresariado”.

Linha do tempo do cinema pernambucano

1902 – Primeira exibição de cinema no Recife, no animatógrafo da Rua da Imperatriz

1918 – Ugo Falangola traz o equipamento que deu origem à Pernambuco Film. Em 1924, exibem Veneza Americana

1923 – Gentil Roiz e Edson Chagas fundam a Aurora Filmes

1925 – Com roteiro de Ary Severo, Roiz e Chagas começam a filmar Aitaré da Praia

1927 – A filha do advogado, de Jota Soares, é exibido em 13 salas no Rio de Janeiro

1936 – Em parceria com a ABA Film, imigrante sírio Benjamin Abrahão filma de Lampião e seu bando

1942 – Newton Paiva e Firmo Neto rodam o longa O coelho sai, cuja única cópia foi destruida em incêndio

1952 – Alberto Cavalcanti dirige O canto do mar no Recife; José de Souza Alencar (Alex) foi assistente de direção

1960 – Instituto Joaquim Nabuco patrocina os documentários Aruanda, de Linduarte Noronha e A cabra na região semi-árida, de Rucker Vieira

1964 – Eduardo Coutinho começa a filmar Cabra marcado para morrer que só viria a concluir 20 anos depois

1969 – Fernando Spencer finaliza seu primeiro curta, A busca, em 16mm

1973 – Sérgio Ricardo filma em Nova Jerusalém A noite do espantalho; no elenco, Alceu Valença, José Pimentel e Geraldo Azevedo; 11 filmes pernambucanos se increvem na 2ª Jornada Nordestina de Curta-metragem de Salvador

1976 – Jomard Muniz de Britto dirige o curta O palhaço degolado

1977 – É criado o Grupo de Cinema Super 8 de Pernambuco

1978 – Cleto Mergulhão dirige O palavrão, o último longa-metragem pernambucano até o lançamento de Baile perfumado

1984 – Kátia Mesel funda a Arrecifes Produções e roda Bajado – um artista de Olinda

1985 – Paulo Caldas, Lírio Ferreira, Cláudio Assis, Adelina Pontual e Samuel Holanda fundam o grupo Van-retrô

1996 – Primeira exibição de Baile perfumado(foto), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, no Festival de Brasília

1997 – Primeira edição do festival Cine PE

2003 – Amarelo Manga, de Cláudio Assis é sete vezes premiado no Festival de Brasília

2005 – Cinema, aspirinas e urubus é exibido na seleção oficial da Mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes

2006 – Baixio das bestas, de Cláudio Assis, é eleito o melhor filme do Festival de Brasília e vence o prêmio Tiger de Melhor Filme no Festival Internacional de Roterdã, na Holanda

2007 – Deserto feliz, de Paulo Caldas, estreia no Festival de Cinema de Berlim; com o curta Décimo segundo, Leo Lacca é melhor diretor no Festival de Brasília; o longa Amigos de risco, de Daniel Bandeira, participa da mostra oficial.

2008 – Curta Muro, de Tião, é premiado no Festival de Cannes; KFZ 1348, de Gabriel Mascaro e Marcelo Pedroso é premiado pela 32ª Mostra de Cinema Internacional em São Paulo.

2009 – Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz é exibido em Veneza; Um lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro, participa de mais de 20 festivais no mundo; curtas Ave Maria ou mãe dos sertanejos, de Camilo Cavalcante e Recife frio, de Kleber Mendonça Filho, ganham prêmios do Festival de Brasília; Recife frio e Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro, integram Festival de Roterdã.

(Diario de Pernambuco, 26/09/2010)

Filme sobre retirante que virou presidente é testado no Recife

Brasília (DF) – Somente para convidados, Lula, o filho do Brasil teve sua primeira exibição pública durante a abertura do 42º. Festival de Brasília. Com inegáveis qualidades técnicas e recursos narrativos direcionados a grandes audiências, o longa-metragem dirigido por Fábio Barreto “nasceu” em sessão hour concours, na noite de anteontem, no Teatro Nacional. No Recife, o filme que dramatiza a biografia do presidente em exercício Luiz Inácio Lula da Silva tem pré-estreia marcada para hoje, às 20h, no Teatro Guararapes, com a presença do elenco principal. Até janeiro, quando estreia em pelo menos 500 salas do circuito nacional, haverá sessões especiais em São Bernardo do Campo, João Pessoa (durante o Fest Aruanda) e no Rio de Janeiro.

Desde o ano passado, quando anunciaram o início das filmagens, os Barreto e demais membros da equipe (inclusive atores) reiteram o mantra de que não há intenção política em dramatizar a história do retirante pernambucano que chegou à presidência. Não por acaso, a estrutura é similar à de Dois filhos de Francisco. Só que em vez do show triunfante no final da história, há imagens de arquivo da posse presidencial de 2003. “Este não é um filme político, mas um melodrama épico. Antes de tudo, é a história de uma mãe e seu filho. Em segundo lugar, está o drama das milhares de famílias que migraram do nordeste em busca de melhores condições”, disse Fábio Barreto, em coletiva de imprensa promovida na manhã de ontem.

Mesmo com todas as negativas, não há dúvida de que o filme se tornará um poderoso agente mitificador da figura do presidente – e claro que isso tem sua função política. Por sua vez, a ascendente popularidade e prestígio de Lula alimenta o interesse pela película. Os produtores agradecem: de que outra forma empreiteiras, fabricantes de automóveis e de bebidas e outros representantes da iniciativa privada bancariam uma produção com orçamento de R$ 16 milhões, o maior do cinema nacional?

A presença da GloboFilmes como co-produtora é no mínimo curiosa. Afinal, em 1989, a TV Globo, foi acusada de manipular a edição do último debate entre Lula e Collor, o que teria sido decisivo na derrota do petista. Vinte anos depois, uma das empresas do grupo – responsável pela estratégia de Os normais e Se eu fosse você – pretende tornar a cinebiografia do atual presidente, além de possível candidata ao Oscar de melhor filme estrangeiro, na maior bilheteria do cinema nacional.

Para tanto, apelo popular não falta à produção. De forma direta, a vida pregressa de Lula (Rui Ricardo Dias, longe da caricatura fácil) é contada cronologicamente, de 1945, quando nasceu nas mãos da parteira em Caetés, agreste pernambucano, a 1980 quando morre a mãe, Dona Lindu (Glória Pires). Entre a bondade do irmão Jaime (Maicon Gouveia), decisiva para a migração da família, e a violência do pai Aristides (Milhem Cortaz), surge o operário prestes a ser mutilado, no corpo pelo acidente na fábrica, e na alma, pela perda de Lurdes (Cléo Pires), a primeira esposa, no momento do parto.

Combalido, no colo da mãe, o heroi retoma o poder ao lado da nova companheira, Marisa (Juliana Baroni), cujo primeiro encontro tem um viés engraçado e gerou o momento mais descontraído na plateia. Ao que Lula ascende enquanto liderança sindical, a reconstituição do discurso para 80 mil trabalhadores no Estádio da Vila Euclides, feito com 600 figurantes multiplicados digitalmente, se torna um dos momentos mais vibrantes dos 125 minutos de projeção.

Apelo popular de Lula não contagia Brasília
Nunca antes na história do Festival de Brasília uma cerimônia de abertura foi tão tumultuada. Do lado de dentro da sala Villa Lobos do Teatro Nacional, pelo menos 200 pessoas, entre ministros, congressistas e até parte do elenco principal ficaram sem ter onde sentar.

Do lado de fora, foi grande o empurra-empurra para conferir o mais polêmico filme brasileiro dos últimos tempos. Muita gente ficou pra fora. Outros conseguiram entrar na base da “carteirada”. Sintomas de um evento disputado em Brasília.

Ao mesmo tempo, nada poderia ser mais simbólico para o festival, famoso por acolher filmes polêmicos e de inclinação política, do que começar as atividades recebendo uma plateia em grande parte formada por políticos e funcionários públicos de diferentes escalões. Lula, personagem principal da produção, não compareceu. Esteve representado pela primeira-dama Marisa Letícia, que no final da sessão abraçou emocionada Glória Pires, disse que se viu na interpretação de Juliana Baroni e as convidou para, junto com os Barreto, tomar um drinque com o presidente no Palácio do Planalto.

A mesma elegância não ocorreu antes da projeção, quando quase rolou um barraco. Dispensando qualquer formalidade, o clã Barreto criticou a falta de cadeiras para o elenco. Irritado com a organização, Fábio praticamente arrancou o microfone da mão da irmã e ameaçou não começar a sessão enquanto o problema não fosse resolvido. Chegou a sugerir que uma fileira de 30 pessoas se levantasse para acomodar o grupo. Como resposta, ouviu vaias e brincadeiras de mau gosto. A situação inclusive ofuscou uma tentativa de protesto a favor da extradição de Cesare Battisti, promovido pelo grupo cearense Crítica Radical.

A confusão certamente não se repetirá hoje à noite, no Recife, já que o Teatro Guararapes comporta 3 mil pessoas. De acordo com a assessoria de imprensa da Bertini Produções, responsável pelo evento, 1.500 convites duplos foram distribuídos a autoridades, formadores de opinião, empresários, profissionais liberais, estudantes e cineastas. Entre osconvidados especiais estão o governador Eduardo Campos e a família de Lula (uma parte vem de São Paulo e outra de Caetés e Garanhuns). O presidente, que originalmente estaria na sessão cancelou a viagem porque quer evitar conotação política. Assistirá o filme com os sindicalistas, no próximo dia 28, em São Bernardo do Campo. De qualquer forma, por precaução, uma dica para possíveis coquetéis que antecedam ou encerrem tais eventos: evitem a gafe do buffet de Brasília, que serviu, entre outros quitutes, picadinho de lula no casquinho.

Barretão pendura chuteiras
Aos 81 anos, Luiz Carlos Barreto encerrou a coletiva de ontem com a inesperada declaração de que Lula, o filho do Brasil foi a última produção de sua longa trajetória no cinema.

“Depois de 46 anos de militância cinematográfica, estou entregando o leme a Paula, Fábio, Bruno e Júlia”, disse Barretão, ao lado de sua esposa Lucy. “Esse filme, que tive a felicidade de estar vivo para fazer, completou minha carreira”, garantiu o veterano produtor de Dona Flor e seus dois maridos (1978), a maior bilheteria da história do cinema nacional.

Cearense de Sobral, Barreto começou a carreira como fotógrafo da revista Cruzeiro, ofício que transpôs para o cinema em pelo menos dois clássicos: Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos, e Terra em transe, de Glauber Rocha. Em 1961 fundou a LC Barreto, cuja primeira produção foi Assalto ao trem pagador, de Roberto Farias. De lá para cá, mais de 80 filmes foram lançados sob a marca da produtora.

Sobre o derradeiro trabalho, que nasceu sob sua iniciativa com base no livro homônimo de Denise Paraná, Barreto afirmou com veemência que nele não há qualquer sentido eleitoreiro. “É um filme didático. Para mostrar aos brasileiros ricos e pobres que as relações familiares devem ser reforçadas. Pois é assim que se transforma uma nação”, disse, enquanto a filha Paula contia as lágrimas.

(Diario de Pernambuco, 20/11/2009)

Memória da luta operária


Ilustração publicada em 1º de maio de 1915, no jornal A voz do trabalhador, da Confederação Operária Brasileira

Os primeiros registros de movimentos socialistas em Pernambuco remontam há mais de 160 anos. Essa história será contada hoje, às 14h, durante o evento Manifestações operárias e socialistas em Pernambuco – das origens aos anos 60. A programação inclui um amplo debate e exposição iconográfica. Aberto ao público, o evento é promovido pelo Núcleo de Estudos Eleitorais Partidários e da Democracia, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFPE.

As palestras contam com a presença de historiadores que produziram teses, livros e artigos sobre esses temas. “Vamos destacar a produção historiográfica da UFPE, mas haverá exposição de trabalhos de outros lugares do país”, diz o coordenador do NNEPD, professor Michel Zaidan Filho.

Ele explica que a gênese do movimento socialista no Estado surgiu no século 19, com a deflagração da Revolução Praieira, em 1848. Além do livro O socialismo (reeditado pela Paz e Terra), escrito pelo general Abreu e Lima (um dos ideólogos da revolta), há documentos da época, como a revista O Progresso (reeditado pela Cepe) e os jornais O Diario Novo e A Barca de São Pedro.

Já a exposição traz jornais, panfletos, brochuras, fotos e livros da época, inclusive de material ligado à imprensa operária. Uma das imagens, a mesma usada no material de divulgação do evento, foi publicada originalmente 1º de maio de 1915, no jornal A voz do trabalhador, da Confederação Operária Brasileira. “A figura do trabalhador se libertando dos grilhões, olhando pro sol da liberdade, marca o imaginário de uma época. É uma alegoria do que seria o avanço do homem trabalhador, a construção de uma nova sociedade”, interpreta Zaidan.

No entanto, o decorrer do século 20 guardaria para os movimentos operários pernambucanos certo número de conquistas (como as das lutas das Ligas Camponesas) e reveses (nos anos 30 Getúlio Vargas controlou os sindicatos). “A repressão política do regime militar perseguiu, prendeu e torturou, mas hoje a situação é outra, ossindicatos se reorganizaram. Como a situação política mudou, há organizações que são quase parte do governo, pois se tornaram uma espécie de gestores do dinheiro público voltado para as ações. Uma delas é a Fetape (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco), que agrega os sindicatos rurais”, conta Zaidan.

O ciclo de palestras terá participação de seis professores do NNEPD, e tratará dos seguintes temas: aspectos do movimento operário e sindical em Pernambuco (Antonio Rezende); panorama da década de 20, com foco na fundação do Partido Comunista Brasileiro e os pioneiros no Estado (Zaidan); trabalhadores e a Revolução de 30 em Pernambuco (Brasília Carlo Ferreira); manifestações operárias nas décadas de 30 e 40 (Nadja Brayner); o partido comunista na década de 60 (Flávio Brayner); e o sindicalismo rural em Pernambuco na década de 60 (Maria do Socorro Abreu).

Zaidan revela que o interesse do evento é apresentar as lutas que já existiram em Pernambuco. E apontar a atual crise de identidade nestas organizações. “Hoje elas estão amortecidas pelo atrelamento à política governamental. E o movimento só anda quando é de oposição”.

Serviço
Manifestações operárias e socialistas em Pernambuco
Quando: Hoje, às 14h
Onde: Auditório do Programa de Pós-graduação em Ciência Política (14º andar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE)
Informações e inscrições: 2126-7351
Entrada franca

*publicado no Diario de Pernambuco

O humano tratado com leveza e humor

Ao longo do tempo, o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa desenvolveu um admirável talento: o de tratar de temas complicados, geralmente ligados ao comportamento humano, com leveza, humor e clareza. Enquanto fala, ele chama a atenção não somente pela força do discurso, como pela forma jovial e franca de expressá-lo.

Há quem o reconheça graças à TV – durante cerca de dez anos, ele apresentava todas as manhãs o quadro matinal Quebra-cabeça, transmitido pela Band. Sua carreira, no entanto, data de muito tempo antes, e já ultrapassa seis décadas de dedicação e mais de 30 livros publicados.

Aos 88 anos “e meio”, faz questão de ressaltar, ele acaba de lançar A inconsciência coletiva (Ágora, R$ 51,90), em que analisa e atualiza o trabalho do psicanalista Wilhelm Reich, o criador da análise bioenergética.

Dr. Gaiarsa está no Recife e apresenta hoje a palestra Por que é tão difícil amar o próximo?. Será às 19h, no Libertas Socializante (Rua Rodrigues Sette, 80 – Casa Amarela). Inscrições custam R$ 20 e devem ser feitas pelo telefone 3441-7462.

Em entrevista ao Diario, ele trata das razões, sintomas e consequências dessa dificuldade em lidar com “o outro” e aborda temas pessoais sem muitas abstrações: sua capacidade de traduzir grandes verdades para o cotidiano continua impecável.

Entrevista // José Ângelo Gaiarsa: “Somos muito mais versáteis e precisamos desenvolver isso”

Por que “amar o próximo” é algo que fica mais no discurso que na prática?
O “próximo” é sempre algo coletivo, pois na prática ele é meu inimigo, meu competidor. Eu posso até amar o próximo, desde que ele seja sempre o mesmo. É fato que estamos todos “emoldurados”, não usamos 10% de nossa aptidão de movimento. Todo mundo sabe qual o seu jeito. Se você sai dele, os conhecidos falam: “como assim?” E a paralisia que você aprendeu na infância está fadada a ser eterna.

As pessoas se sentem mais seguras quando “o outro” é sempre o mesmo…
Sim, pois é preferível ter o outro sob controle que amá-lo. A “educação” consiste em limitar movimentos. Você não faz ideia das possibilidades do nosso aparelho locomotor, a nossa capacidade de movimento é infinita. A soma de todas as danças, lutas, esportes e artes circenses é o que o corpo humano pode fazer. E a restrição de movimentos é mortífera. É ser morto em vida, virar um paspalho bem comportado, com meia dúzia de movimentos repetidos. Como duas estátuas podem se amar, ou dois bonecos articulados podem se amar, dançar, ter relações sexuais, a não ser de formas pré-estabelecidas? Somos muito mais versáteis e precisamos desenvolver isso.

Como?
Para bem amar é preciso repensar a posição machista da sociedade. Sexo para o homem começa quando ele entra na gangue, que é a pior forma de “machice”. E para me aproximar de uma mulher com amor, preciso perder 80 % da minha “machice”. Antes de mais nada, amar envolve um profundo respeito pela mulher. Coisa que o machão não tem nem de longe. Das inversões mais radicais da espécie humana, a maior é a opressão da fêmea. A mulher vive para manter a vida, é dona indiscutível da natureza. O melhor que o homem pode fazer é pôr-se a serviço dela. E experimentar prazeres como nunca sentiu na vida, em vez da vulgaríssima trepada. Talvez a maior revolução seja o avanço da mulher na representação social. Sempre falo de um partido das mães e de uma escola para a família. Sei que a mulher corre o sério risco de se contaminar e virar “macho”. Eu espero que não, pois a mulher não é inerentemente agressiva. O macho é. Enquanto os machos dominarem o mundo, a humanidade será a catástrofe que já tem sido.

Do que trata seu último livro, A inconsciência coletiva?
Ele tem muito do Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. Tem a ver com não querer olhar a si, não se deixar influir pelo outros.

Qual a importância do trabalho de Wilhelm Reich, tema que o senhor desenvolve não só na nova obra, mas ao longo de sua carreira?
Podemos entender a partir da diferença entre Freud e Reich. Freud disse: “deita aí e fala. Eu não quero te ver”. Após certo número de encontros, ele se sentia um pouco embaraçado de ficar diante da pessoa, pois é difícil ficar sem interagir. O jeito é só escutar. É a antecipação da psicologia pelo celular. Por sua vez, Reich começou a reparar no paciente e viu que tudo o que havia de inconsciente nele está expresso pelo corpo. E assim começou a psicologia do corpo.

O senhor ganhou fama nacional com um programa de TV bastante assistido por mães que não sabem o que fazer com seus filhos. Hoje, o que diria para essa audiência?
É difícil, não gosto de dar conselhos, pois a criança é um produto que aparece no mundo sem instruções para uso. Mas posso dizer o seguinte: seu filho não é nada do que você pensa. Ele não é bobo, não é inocente, não é ingênuo. Ele é muito esperto, muito atento, aprende dez vezes mais depressa que você. Em vez de tratá-lo como criança, o melhor que você pode fazer por ele é respeitá-lo. Isso é até mais importante que amá-lo.

Pernambuco // Quarenta e sete projetos aprovados no 2º Edital do Audiovisual

A Fundarpe acaba de anunciar os projetos selecionados pelo Edital do Programa de Fomento à Produção Audiovisual. São 47 projetos, que receberão um total de R$ 4 milhões no sistema de patrocínio direto.

Eles foram escolhidos por uma comissão formada por Rosemberg Cariri, Carlos Dowling, Lis Paim, Geyson (Zonda Bez) e Luiz Cardoso Ayres Filho.

Lista completa a seguir.

CATEGORIA CURTA-METRAGEM

Bob Lester – Márcia Mansur de Oliveira

Azul – Set Produções Audiovisuais e Comunicação Ltda.

Poeta Urbano – Antônio Luiz de Souza Carrilho

Café Aurora – Pablo Polo Bezerra Guimarães

Animal Político – Bruno Ferreira Bezerra

Incenso – Ruth Maria Coelho de Pinho

Não me deixe em Casa – Daniel Aragão

Calma Monga, Calma! – Petrônio Freire de Lorena

Homem-planta – Orquestra Cinema Estúdios LTDA.

Dia de Clássico – Rafael Travassos Pires

Cruzeiro – Marcelo Pedroso Holanda de Jesus

JMB, o famigerado – Luci Alcântara

Do Morro – Ekaterina Mykaella Mota Plotkin

CATEGORIA LONGA-METRAGEM

Sangue Azul – Beluga Produções

Roliúde – Cabra Quentes Filmes Ltda.

Dinâmica de Grupo – Orquestra Cinema Estúdios Ltda

Era Uma Vez Verônica – Rec Produtores Associados Ltda.

Carranca de Acrílico Azul Piscina – Rec Produtores Associados Ltda

Um Lugar ao Sol – Plano 9 Produções Audiovisual Ltda.

Febre do Rato – Grupo Parabólica Brasil de Comunicação Audiovisual

História de um Valente – Camará Filmes

O Som ao Redor – Cinemascópio Produções Cinematográficas e Artísticas

Amor Sujo – 99 Produções Artísticas LTDA.

CATEGORIA PRODUTOS PARA TELEVISÃO

Eu Quero Nadar no Capibaribe e Você – 2º Temporada – Alice Frances Tilovita Sicato Chitunda

Mingote – Andre Rodrigues de Souza

Minuto Marinho – Hydrosphera Produções LTDA.

Tereza – Cor na Primeira Pessoa – José Amaro de Souza Filho

Zuleno, O Mestre da Luz – Diego Ramos Medeiros

Rio Doce/ CDU – Adelina Pontual Ferreira

Arabescos Sertanejos – Cabra Quentes Filmes LTDA

Pé na Rua – Cezar Augusto Monteiro Maia

Plano Aberto – Ateliê Produções LTDA

CATEGORIA PERNAMBUCO NAÇÃO CULTURAL

O mestre e a rabeca – Enaile Lima Damasceno

Pernambuco Imortal, Imaterial – Cezar Augusto Monteiro Maia

CATEGORIA DIFUSÃO E FORMAÇÃO

2º Janela Internacional de Cinema do Recife
Cinemascópio Produções Cinematográficas a Artísticas

Play Rec 2009
Oscar Manoel Salazar Malta

Aurora Filmes: Técnicas da Produção Audiovisual Independente – 2ª edição
Sandra Cruz Riberio

Cine Chinelo no Pé
Luiz Antônio de Carvalho Junior

Curta em Curso – Oficina de Realização cinematográfica em Recife e Petrolina
Maria José Pereira

Cinema no Interior
Antônio M. G. de Carvalho Produções Artísticas e Cinematográficas

Tankalé – Formação para o auto-registro audiovisual quilombola
Instituto Nômades

Festival Internacional de Cinema Infantil
B52 Desenvolvimento Cultural

Show Variado
José Rafael Coelho

Tem Preto na Tela
Marileide Alves de Lima

CINECLUBES

Cine Califórnia
Ruth Maria Coelho de Pinho

Cineclube Fernando de Noronha
Associação dos Artistas Plásticos de Fernando de Noronha

Cocada Cineclube
Centro Cultural Farol da Vila

Saiba quem são os convidados do FIHQ 2007

Os jornais do Recife hoje celebram a 9a. edição do “Festival Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco“, o FIHQ-PE, com as seguintes chamadas: “América do Sul é destaque na 9ª edição do FIHQ“, assinada por Júlio Cavani no Diario de Pernambuco; e “FIHQ volta à agenda cultural firme e forte“, escrita por Carol Almeida no Jornal do Commercio.

O motivo é que, junto com o edital que abre as inscrições para o salão do evento, os organizadores do evento revelaram quais serão os convidados a formar a comissão julgadora. Este ano, o FIHQ se realizará entre 16 de setembro e 7 de outubro, no Observatório Malakoff (Praça do Arsenal – Recife Antigo).

Diferente dos dois últimos anos, em que ficaram guardados a sete chaves até a semana que precede a abertura do festival, a lista dos convidados foi divulgada com 45 dias de antecedência, em coletiva de imprensa, na manhã de ontem, no Teatro Arraial (Boa Vista).

São eles: o caricaturista paulista Baptistão, o ilustrador mineiro Nelson Cruz, o chargista maranhense Jota A, o cartunista mineiro Márcio Leite, os irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá, o artista plástico paraibano Shiko, e o caricaturista e artista plástico boliviano Alejandro Archondo (ou somente ARXONDO, do coletivo de quadrinhos sediado em La Paz, Viñetas com Altura).

O grande homenageado é lendário cartunista Romildo Araújo Lima, o RAL, que ganha uma exposição retrospectiva de sua carreira, que começou nos anos 60, marcando as gerações seguintes de artistas pernambucanos (quando trabalhou na imprensa recifense) e brasileiros (desde os anos 70, quando passou a colaborar com o Pasquim). É de RAL a arte do Boi Misterioso, que será a marca e o troféu do evento deste ano(desenho acima).

Esta comissão julgadora premiará com R$ 6 mil (R$ 2 mil a mais do que no ano passado), o primeiro colocado em cada uma das cinco categorias.

Todos os artistas convidados terão exposições individuais montadas na Torre Malakoff, e provavelmente em outros locais da cidade. Além da exposição dos bolivianos Viñetas con Altura, haverá uma mostra com trabalhos de artistas do Peru, Bolívia, Uruguai, Chile e México.

Em maio deste ano, o Quadro Mágico publicou uma matéria sobre as novidades reservadas para o evento, que vão além da mudança do calendário – as oito primeiras edições do FIHQ foram realizadas sempre entre abril e maio. Para ler, clique aqui.

O FIHQ 2007 é uma realização da Associação dos Cartunistas Pernambucanos – Acape, em parceria com a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco – Fundarpe (Governo do Estado), e apoio da Prefeitura do Recife e Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia.

Cines Eldorado e Royal: programação da semana

A partir desta semana, o Quadro Mágico passa a divulgar a programação das salas mantidas pelo PMC Cinemas do Brasil. Pra quem não sabe, as três salas (duas em Garanhuns e uma em São Lourenço da Mata) mantidas pelo grupo presidido pelo empresário Paulo Menelau são um oásis no interior de Pernambuco, tão carente de espaços para o cinema. Situação bem diferente de algumas décadas atrás, quando quase toda cidade tinha pelo menos uma sala de exibição. Hoje todas elas viraram igreja ou supermercado…

Parabéns, Menelau, que sua cruzada pelo cinema continue conquistando cada vez mais corações e mentes! Pra quem quiser saber mais sobre seu trabalho, é só acessar o site do Cine Eldorado ou do grupo Moviemax.

Programação Cine Royal São Lourenço da Mata – Região Metropolitana do Recife – para semana de 27/7 a 02/8.

HARRY POTTER E A ORDEM DA FÊNIX
Sessão as 16:30 – 20:00 (dUBLADO)

Promoções: Terça e Quarta Maluca: R$ 2,50 (meia entrada para Todos). Seg, qui,sex, sáb e dom R$ 4,00 (Meia entrada para todos)

Programação Cine Eldorado 1 e 2 semana de 27/7 a 02/8/7.AV. Rui Barbosa, 1071, Polo, Garanhuns-PE- telefone: 3761.7510

Sala 1 – HARRY POTTER E A ORDEM DA FÊNIX.(3a. semana)
15:30 – 18:20 – 21:00 DUBLADO
Class. Ind. livre

SALA 2 – TRANSFORMERS (2a. semana)
16:00 – 18:40 – 21:00
Class.Ind. 10 Anos

Promoções: Terça e Quarta Maluca: R$ 5,00(meia entrada para Todos) Exceto feriado.
Seg, qui,sex, sáb e dom E FERIADOS R$ 10,00 e R$ 5,00 (Meia entrada).

Video pernambucano em rede nacional de televisão

Uma cruz, uma história e uma estrada, documentário do pernambucano Wilson Freire será exibido neste domingo (6), às 23h, na rede pública de televisão. Com reprise no sábado seguinte, às 21h. O vídeo de média metragem foi realizado em 2006, após seu roteiro ter sido escolhido para representar Pernambuco na terceira edição do DOCTV, um Programa da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, em parceria com as TVs públicas e realizadores de todo o país.

Nos anos anteriores, o núcleo pernambucano do DOCTV produziu Ensolarado Byte, de Maurício Castro, e Mitos e lendas no reisado de Inhanhum, de Alexandre Fernandes.

Uma cruz, uma história e uma estrada percorre discursos, caminhos e casos de pessoas que morreram em acidentes nas estradas, do litoral ao sertão. Começa com um depoimento da mãe de Chico Science, falecido tragicamente em 1997 após bater o carro em alta velocidade num poste entre Recife e Olinda.

Da Zona da Mata, para o agreste e o sertão, artistas como Siba, J. Borges proseiam sobre a simbologia das cruzes e cruzeiros fincados na beira das estradas, casos, acidentes, e pessoas queridas que se foram subitamente. Antônio Nóbrega também participa, cantando uma loa num velório fictício.

O release oficial do DOCTV diz o seguinte sobre a produção: “Road-movie que parte da cidade de Recife, e percorre mais de 3.500 km pela Zona da Mata, Agreste e os sertões dos vales do Moxotó, Pajeú e Cariris, e adota como procedimento o registro de histórias de vida e morte, a partir da identificação das Cruzes que são erguidas à beira das estradas e caminhos. Histórias de vida de anônimos e de famosos com um único destino trágico: o de tombarem sem vida à margem de uma estrada, asfaltada ou de chão batido, na grande metrópole ou nos mais longínquos sertões. Uma Cruz, uma História e uma Estrada fala do efêmero e do eterno; do humano e do Divino; do agora e do depois.”

"Música para os Olhos": um filme à altura do poeta

Uma maravilha assistir a “Cartola – Música para os olhos” no Cinema da Fundação. Sala lotada, prazer compartilhado em silêncio, ou nem tanto: alguns cantaram baixinho as músicas do mestre. Enquanto esperava na fila, me veio a pergunta que fiz desde quando soube da produção, em 2004, enquanto Lírio Ferreira e Hilton Lacerda (também autores de “Baile Perfumado“) disseminaram delírio e poesia com “Árido Movie“: “um carioca não contaria com mais propriedade a vida de Angenor de Oliveira?”

A dúvida, estendida por três anos, acabou em poucos minutos. Fica claro que este não pretende ser “o” documentário sobre o sambista; será muito melhor aproveitado se entendido como “um” olhar que extrapola o personagem, aqui reconstruído de forma bem subjetiva, em imagens de arquivo, trechos de filmes nacionais, entrevistas para TV e rádio, e na fala dos amigos e familiares. A montagem é um grande mérito: hipertextual, caótica, imprevisível e entrecortada, aos poucos recria o contexto social, político e cultural do período vivido por Cartola (1908-1980).

Verbalmente, não há novidade – e nem precisa. A história de Cartola já está bem contada e recontada, da juventude boêmia para compositor e fundador da Mangueira, os anos de ostracismo, o resgate cult nos anos 60, a importância da família e a lamentada morte por câncer. Por outro lado, o material de arquivo informa mais do que a escrita pode revelar: os modos de falar, vestir e se expressar; os ambientes, as locações onde se deu boa parte da história do samba.

A abordagem é outro caso à parte. O bairro da Mangueira, por exemplo, chega através dos fios de eletricidade, as casas saindo do quadro, fora de foco. Os arcos da Lapa entram em cena pela sombra projetada nas ruas. O próprio Cartola se faz presente assim, sutil e enviezado.

Na primeira parte, ele surge aos poucos, em uma ou outra foto, com falas dispersas, um centro invisível em que giram os demais elementos. O uso de quadros dramáticos para preencher a falta de registro dos primeiros tempos lembra o excelente “The Soul of a Man“, onde Wim Wenders faz o mesmo para recuperar trechos da vida de Blind Willie Johnson. Blues, samba, música negra.

Música para os olhos” é também um diálogo com o cinema brasileiro. Nele, imagens do enterro de Cartola conversam com “Di“, de Glauber, proibido no Brasil pela família do pintor. Trechos de “Brás Cubas“, a adaptação de Julio Bressane para o clássico machadiano, clama pela liberdade de criação frente à importância de um ícone cultural do samba. Mário Reis arremessando discos no mar e cantando em estúdio foram pinçadas de “O Mandarim“, outro filme de Bressane aqui invocado, cujas cenas exibidas ao contrário com certeza inspiraram a sequência de imagens da ditadura militar.

Em meio a tantas referências e documentos antigos, surge um recado maior do que a importância de Cartola: a necessidade de cuidar melhor de nossa memória coletiva. Fitas VHS amassadas, películas deterioradas e depoimentos desmagnetizados são problemas que poderiam pesar contra a qualidade do filme, não fossem usados a seu favor. Solução bem conhecida do cinema periférico, acostumado a transformar limitação técnica em recurso de linguagem.

São essas infinitas citações, aspecto tão instigante aqui quanto a figura de Cartola, o elemento gerador de algumas críticas negativas. Isso porque, neste documentário, o cinema tem uma carga poética tão grande quanto àquela contida em Cartola. Equilíbrio mantido até os últimos quinze minutos, quando a montagem ágil e inteligente cede espaço para a exagerada e quase submissa reverência ao compositor. Um deslize que não tira o brilho deste filme atípico entre as recentes cine-biografias nacionais.

Por fim, é muito bom constatar que, em nenhum momento, a produção pode ser considerada “pernambucana”. Seu olhar não tem origem, é simplesmente “estrangeiro”. A despeito dos inevitáveis pernambucanismos e carioquismos, “Música para os olhos” é, antes de tudo, brasileiro.