O dia em que Roberto Carlos foi pra berlinda


Araújo: “Brasileiro é analfabeto funcional, e Roberto Carlos faz parte desse grupo”

“O povo brasileiro não lê. É uma grande massa de analfabetos funcionais e o Roberto Carlos faz parte disso”. A declaração, disparada durante uma das conferências de sábado do Porto Musical, é de Paulo César Araújo, autor da biografia literalmente não autorizada, Roberto Carlos em detalhes. Acompanhado de sua advogada, Déborah Sztanjberg, ele alega que o cantor ao menos chegou a ler o livro, antes de mover mundos e fundos para retirá-lo de circulação. “Ele só leu O pequeno príncipe e Eram os deuses astronautas?“, disse o escritor que, de admirador, passou a vítima do famoso intérprete.

Horas depois, foi a vez do produtor André Midani colocar RC na berlinda: “infeliz do povo que tem um Roberto Carlos como rei”. Coincidência ou não, Midani enfrenta processo judicial pelo conteúdo de sua autobiografia, Música, ídolos e poder, “porque estou dizendo que um ladrão é um ladrão e a filha desse ladrão não gostou”.

Polêmicas à parte, o melhor momento do terceiro e último dia do evento foi partilhado entre Midani e a platéia lotada do Teatro Apolo. Aplaudido calorosamente, ele fez um pequeno histórico da indústria fonográfica, lembrou que a música prospera em momentos adversos e teceu conjecturas sobre em que mundo a música atuará daqui a duas décadas. “Será algo que o colonialismo europeu jamais engendrou. Estamos em pleno processo de enriquecimento dos países orientais, o que fará o Ocidente perder sua hegemonia cultural. O conceito de copyright é desconhecido na Índia e proibido no mundo muçulmano”.

Aos 77 anos, o imigrante árabe (nascido em Damasco, Síria) que acumula mais de meio século de atuação na música admite não ter respostas ou soluções para o atual impasse do mercado. “Isso precisa ser resolvido não pelo establishment, mas por vocês, que têm 25 anos. É importante que os criadores tomem o poder outra vez. Se eu tivesse essa idade, gostaria muito de estar entre vocês”, encerrou o mestre.

Um pouco antes, o historiador Paulo César de Araújo e sua advogada contaram em “detalhes” (para usar um termo caro ao incidente), a incrível série de eventos que levou seu livro a ser censurado em território brasileiro. “Só na Inquisição espanhola ou na ditadura brasileira um livro é impedido de circular”, disse Sztanjberg. Para embasar seu discurso, ela usa como exemplo outras biografias polêmicas, como as escritas sobre Jim Morrisson por seus ex-companheiros da banda The Doors. “Elas geram processos, mas os livros continuam disponíveis no mercado”. Sztanjberg ainda alertou para o fato do episódio gerar precedentes, como o caso da viúva de Sivuca, que impediu a própria filha do compositor de escrever um livro de memórias. E disse que quem quiser ler o livro de Araújo, é só comprá-lo nos sites de leilão, onde é vendido por cerca de R$ 130, ou baixar uma versão em pdf em programas de troca de arquivo.


Taubkin: “Os editais regulam o mercado da música”

Benjamin Taubkin, que na manhã de sábado apresentou uma lista de artistas latino-americanos, na conferência vespertina tratou do que considera um dos maiores problemas da música brasileira: a crescente dependência de patrocinadores públicos e privados. “Os editais regulam o mercado da música. E esta termina por salvar a imagem das empresas e outras instituições, que montam orquestras na favela para ocupar os filhos dos trabalhadores que elas desempregaram. Será que não temos algum meio de usar nossa capacidade para viver do nosso trabalho, como o padeiro vive de vender pão?”, questionou Taubkin, com pertinência. Como possível solução, ele aconselha o fim da disputa acirrada pelo dinheiro dos editais e a livre associação cooperativa, em pequena escala. “Por que um artista precisa vender 1 milhão de discos? É muito melhor se 100 vendessem 10 mil”.

Mais tarde, perto da madrugada, um coletivo de bandas que colocou na prática os conselhos de Taubkin e Midani: juntaram forças para ganhar visibilidade. Johnny Hooker & Candeias Rock City, Plastique Noir, Dimitri Pelzz e Amp tocaram no mini-festival Abrafin Fora do Eixo, que junto da surreal combinação entre shows de forró (Chiquinha Gonzaga, Karolinas com K, Hebert Lucena e Josildo Sá) e a discotecagem de Robert Soko (música tradicional da península balcânica), serviu de encerramento desta quarta – e sem dúvida positiva – edição do Porto Musical.

Negócio da música equalizado


Do sistema analógico ao digital, do CD ao compartilhamento de arquivos, o hábito de ouvir música mudou radicalmente nos últimos anos. Mudou tanto, que “revolução” parece ser a melhor palavra para descrever o sem-número de invenções, fatos e descobertas em torno do assunto. Nesse contexto repleto de permissividade, consumidores, empresas de telecomunicação, provedores de conteúdo e fabricantes de mídia virgem só têm a agradecer. Do outro lado da balança, não há motivo para tanto: artistas, gravadoras e distribuidoras são os principais lesados por este processo em plena ebulição.

O que nos conduz ao cerne da questão: como equilibrar uma equação em que cada elemento é indispensável para manter viva a cadeia produtiva da música? Entre as respostas disponíveis está o Last.fm (www.last.fm), site que remunera o artista toda vez que sua música é executada, e hoje acumula um dos maiores catálogos do mundo fonográfico. Disposto a discutir o futuro da música na internet, o responsável pela aquisição de conteúdo da Last.fm, Jonas Woost, estará no Recife como um dos convidados do Porto Musical, que acontece de 17 a 20 de junho, no Bairro do Recife. Na entrevista a seguir, ele explica como a Last.fm está fazendo da música “líquida” um bom negócio.

Entrevista // Jonas Woost: “Artistas que querem ganhar dinheiro precisam ser empreendedores”

Transmitir música pela internet pode ser algo rentável para gravadoras e distribuidoras. E para os artistas, é bom negócio?
Artistas são extremamente beneficiados pelos serviços de streaming pela internet. Além de dar publicidade a eles, a Last.fm paga em dinheiro a cada vez que suas músicas são tocadas. Chamamos isto de “Programa de Direitos Autorais para Artistas”.

No que a Last.fm difere das demais rádios online e sites como MySpace? Como competir com outros serviços de rádio via web, que não cobram nada pelo streaming?
Uma das maiores características da Last.fm são as recomendações. Baseados nos hábitos musicais do ouvinte, temos condições de recomendar qualquer tipo de música para qualquer pessoa. Como existe muita música disponível, a capacidade de filtrar é uma das funções mais importantes nos serviços de música na internet.

Que vantagens artistas iniciantes podem ter com esse modelo de transmissão?
Vinte anos atrás, se você quisesse mostrar seu trabalho para muita gente, teria que assinarum contrato com uma gravadora. Sem isso, as rádios simplesmente não tocariam sua música, as revistas não escreveriam sobre você, e você não estaria habilitado a colocar sua música nas lojas. Isso mudou completamente. Agora, qualquer músico pode tecnicamente alcançar qualquer pessoa conectada à internet diretamente. Isso torna o negócio justo para todos, mas traz novos desafios. Com tantos artistas em busca de fãs, como uma banda pode ter certeza que será notada? Serviços como a Last.fm podem ajudar nisso.

Qual a principal fonte de renda da Last.fm?
Nós ganhamos dinheiro com publicidade, mas também temos renda com assinaturas.

Você concorda com a tese de que a música gravada hoje funciona mais como cartão de visitas para shows, que agora são a principal fonte de lucro?
Ultimamente, muitas pessoas dizem que shows são mais importantes do que a música gravada, mas eu não creio que isso possa ser aplicado a todos os casos. Sim, há certos artistas que obtém sucesso fazendo turnês, e os fonogramas ajudam a promover isso. Mas por outro lado há muitas bandas que simplesmente não fazem shows, ou fazem sem receber nada em troco. Mas nós aprendemos que não há modelo de negócio para quem faz música. Cada artista precisa encontrar sua forma de fazer dinheiro: alguns venderão CDs e downloads, outros cairão na estrada, outros talvez venderão camisetas. Ou uma combinação de tudo isso. Além disso, haverá novas ideias que nem suspeitamos ainda. Artistas que querem ganhar dinheiro precisam ser empreendedores.

Alguns países adotaram a taxação de dispositivos de mídia como forma de compensar artistas, produtores e distribuidores. Na sua opinião, esta é a melhor saída para descriminalizar a livre troca de conteúdo?
Ficou claro que não é solução perseguir pessoas por compartilhar música “ilegalmente” na internet. A música continuará sendo compartilhada, e ninguém pode impedir isso. Mas há ideias sobre como assegurar o pagamento de artistas pela música disponível de graça na rede. Cobrar um “blanket fee” (algo como uma taxa quecubra todos os custos do serviço) por ponto de conexão com a internet é uma solução interessante. Algumas pessoas chamam de “imposto”, mas eu prefiro “taxa”. Se tenho que pagar uma quantia mensal que me permite baixar, ouvir e compartilhar música à vontade, e com isso facilitar minha a vida, quero ter certeza que os artistas estão recebendo por isso.