O projeto 3D de Karim Aïnouz

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A carreira internacional de Karim Aïnouz está de vento em popa. Além de “Praia do Futuro”, residência europeia o levou a participar do projeto coletivo em 3D, ao lado de Wim Wenders, Robert Redford, Michael Madsen, Michael Glawogger e Margreth Oline. Lançado no último Festival de Berlim, “Catedrais da Cultura” é um projeto que busca a liberdade criativa a partir do seguinte pressuposto: “se os prédios pudessem falar, o que diriam sobre nós?”. Karim participa com um documentário sobre o Centro Georges Pompidou, em Paris. Nele, experimenta as possibilidades artísticas do 3D sob um ponto de vista incomum, o do próprio local como entidade consciente, capaz de se auto-narrar. Inicialmente avesso ao uso da estereoscopia, a experiência o fez mudar de ideia. “É o caminho natural do cinema”.

Produzido por Wenders (que escolheu a Filarmônica de Berlim), o projeto original de “Catedrais da Cultura” previa uma série de dez filmes para o Canal Arte, a renomada televisão cultural franco-alemã. Se tornou uma coleção de seis filmes, para TV e cinema. “Em Berlim existe um festival chamado Volta ao Mundo em 14 Filmes, em que cineastas da cidade apresentam filmes com os quais se identificam. Wim Wenders apresentou ‘Viajo porque preciso, volto porque te amo’ (dirigido por Karim e Marcelo Gomes). Um ano depois, fui chamado. Ele colocou algumas regras, como a duração, o 3D e a questão principal: revelar a alma de um prédio. Optei por investigar o seu corpo”.

Inaugurado em 1977, o Centro Pompidou conta com cinema, teatro, biblioteca e museu. Além disso, é um dos maiores pontos de encontro da capital francesa, onde Karim morou na adolescência. “Sempre achei o Bo Bo (como é o local é apelidado) um local curioso, filho de 1968, parte de um projeto utópico de arquitetura”. Formado em arquitetura, deixada de lado por conta do cinema, o artista viu no projeto a oportunidade de retornar à antiga paixão. “Foi muito bom voltar a esse diálogo mais teórico sobre a produção de espaços no mundo contemporâneo”.

No entanto, esta não foi a opção imediata do diretor, que antes de tudo pensou no Therme Vals, hotel-spa na Suíça alemã, famoso projeto do arquiteto Peter Zumthor. Não deu certo porque o Wenders já estava fazendo um trabalho a respeito. “Depois pensei em aeroportos, estações de trem, até ir para o lugar mais óbvio, que tem a ver com minha história afetiva”.

Apesar de se interessar mais pelo sentido político da construção do Bo Bo, Karim viu na transparência das paredes e na ausência de fachada elementos interessantes para explorar o cinema em 3D. “É como tirar a pele de um corpo e ver os órgãos, a independência dos volumes, tubos, vigas, a visão através do prédio. Outro ponto foi perceber como o prédio envelheceu, e com ele o próprio modernismo. Basta ver como ele era quando foi criado e agora, após a reforma. Ele continua vivo, utópico, transgressor”.

Para escrever e narrar o texto, Karim convidou Deyan Sudjic, diretor do London Design Museum. “Ele é também um dos grandes críticos de arquitetura, biógrafo de Norman Foster e de uma série de arquitetos. Busquei construir com ele uma reflexão sobre arquitetura e o estado das coisas”.

Outra colaboração importante veio da estereógrafa francesa Joséphine Derobe, filha de Alain Derobe (falecido em 2012). “Ele desenvolveu o 3D na França, foi responsável por “Hugo Cabret” e “Pina”. Seu trabalho traz uma relação mais próxima da sensorialidade que busco nos meus filmes”. Ele aponta um terceiro filme como bom exemplo: “Gravidade”, Alfonso Cuarón. “Nele só percebemos que o 3D existe quando é importante lembrar, usa lentes específicas para provocar reflexos, e tem algo muito importante que procurei trazer para o meu filme que é a câmera ser sempre solta, nunca fixa, expandindo a experiência de estar ali”.

(Jornal do Commercio, 17/05/2014)

A memória dos lugares

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Estou a caminho da première de “Catedrais da Cultura”, novo documentário 3D produzido por Wim Wenders, que em 2011 apresentou “Pina” aqui na Berlinale. Agora ele volta com mais cinco diretores.

Karim Aïnouz, que ontem exibiu pela primeira vez seu novo longa, “Praia do Futuro”, está no projeto. Ontem, em coletiva de imprensa, Aïnouz disse que sua busca é por um cinema que trabalhe fora de quadro, ativando o espectador. Em “Catedrais da Cultura”, ele revisita o Centro Georges Pompidou, também conhecido como Beaubourg, em Paris, onde morou na adolescência.

Outras edificações internacionais são exploradas pelo projeto. Wenders, na Berlin Philharmonic; o austríaco Michael Glawogger, na Biblioteca Nacional da Rússia; o dinamarquês Michael Madsen, na Halden Prison (Noruega); a norueguesa Margreth Oline, no Opera House (também Noruega), e Robert Redford, o Salk Institute – La Jolla (Estados Unidos).

No momento, Wenders prepara seu primeiro drama em 3D. Diz ele que busca usar o recurso não como um ingrediente a mais, mas como elemento intrínseco ao filme.

Sobre o mapeamento espiritual dos lugares, disse ele, em passagem pelo Brasil: “Acredito que os lugares têm histórias próprias para contar. Aprendi a respeitar a autonomia dos lugares. Daqui a milhares de anos, quando ninguém se lembrará de nós, os lugares estarão aí. E se lembrarão de nós, porque os lugares têm memória”.