Entrevista // Alan Oliveira: “Mais do que fazer cinema, sempre tive o desejo de me comunicar”

Alan Oliveira e Rubens Pássaro, diretores de “Di Melo – o imorrível”, pouco antes da sessão no Festival de Gramado (Foto: Itamar Aguiar/Pressphoto)

Antes de estudar física, o pernambucano Alan Oliveira queria ser jogador de futebol. Cisma do destino, ao fazer cinema, viveu emoções parecidas a estar em um estádio lotado. Seu  terceiro curta, o documentário “Di Melo – o imorrível” (codirigido pelo paulista Rubens Pássaro), é também o maior sucesso de sua carreira. Entre os novos projetos está “O princípio da incerteza”, incursão experimental em que concilia sua prática no cinema e uma interessante teoria da física, que estuda a relação entre observador e objeto como redefinidora de ambas as partes. Em agosto, ele participou da competição do 40º Festival de Gramado, onde respondeu a entrevista a seguir.

Qual a importância de estar no Festival de Gramado?
Poderia ser o ponto alto, mas vejo que a fase dos festivais está chegando ao fim. Em abril de 2013 começa um contrato de um ano com o Canal Brasil, que comprou os direitos de exibição do curta no último Cine PE. Este é o melhor prêmio, porque não é uma cosia que você guarda na estante. É mostrar o filme para as pessoas, dar a ele uma sobrevida.

Sessão lotada no Cine PE foi muito bonita. Como foi a experiência?
Ali tivemos noção do poder do filme. Fiquei assombrado, pois na adolescência queria ser jogador e estar ali foi como fazer um gol em um estádio de futebol lotado, com gritos, urros. Até agora foi a sessão mais forte do filme.

“Di Melo – o imorrível” estreou em julho de 2011, em Garanhuns. Foi um bom começo? Fale um pouco da carreira do filme.
Tem a ver com a história do filme, pois foi onde Di melo voltou aos palcos, em 2009. Inclusive filmamos esse show, como parte da pesquisa. Já na estreia a reação ao filme foi surpreendente, conseguimos lotar o cinema, Di melo estava lá, teve debate. Nesse dia tive a noção do poder do filme, antes até da exibição, quando Daniel Leite, que finalizou o curta em 35mm, durante o teste falou que os técnicos do laboratório piraram, que eles assistem filmes o dia todo e dificilmente param para ver ou comentar. Na sequência estivemos no Festival de Triunfo, Play The Movie, Janela Internacional de Cinema do Recife e mais cinco festivais antes do Cine PE, que gerou repercussão nacional. Em Guarnicê (MA) fomos eleitos pelo júri oficial e popular. Depois teve o In Edit, Cine Vitrine e Festival de Gramado.

O filme é uma produção Pernambuco / São Paulo, tudo a ver com a história do personagem.
Sim, o filme é uma co-produção, uma mistura de dois olhares. Da minha parte, começou antes, quando captei imagens para fazer um videoclipe para a faixa “Conformópolis”, que acabamos usando no curta. Mas o filme tem uma atmosfera pop que é de Rubens, sozinho jamais conseguiria imprimir.

Cena de “Di Melo – o imorrível”

Como você “descobriu” o Di Melo?
Conheci seu disco 2002, quando a EMI relançou antigos títulos de vinil em CD, selecionados por Charles Gavin. Na primeira leva estava o álbum do Di Melo, de 1975. Ouvi numa festa, baixei o disco, até que fui atrás descobrir quem é esse cara. Encontrei algumas informações falsas, de proporções míticas, que diziam que ele foi backing vocal de Tim Maia, que havia gravado nos EUA, que tinha morrido.

Como surgiu a vontade de fazer um curta sobre ele?
Em 2009 dei uma de detetive e numa madrugada descobri seu email e telefone numa comunidade da internet. Liguei e o próprio Di Melo atendeu. Fui a São Paulo e o que era para ser um encontro de 15 minutos foi até as 3 horas da manhã. Nesse dia, em um estúdio mambembe, ele me contou que Rubens queria fazer um filme sobre ele. Só que Rubens estava com dificuldades e quase desistindo. Disse que tinha uma pesquisa e poderia repassar, achei isso generoso e pensei nele como parceiro.

O que Di Melo achou do filme?
Ele acha sensacional, mas seu gosto variou muito. No começo ficamos na dúvida. Mostramos a ele um pouco antes da estreia e ele disse que é bom. Foi pra casa e no outro dia, às 7 da manhã, a mulher dele ligou e disse que ele não dormiu, escreveu uma carta enorme, disse que o filme destrói a imagem dele. Antes de mostrar a ela, disse que o compromisso que tenho com Di Melo é artístico, não publicitário. Que o objetivo não é exaltar o Di Melo, mas o ser humano e suas contradições. Se fosse propaganda, tenho certeza de que não teria o mesmo efeito. Ela assistiu e disse que estava tudo bem. Depois ele explicou que fez aquilo porque tinha brigado com a mulher e queria envolver ela com o filme. Em Garanhuns, ele se entusiasmou e se apropriou do filme, fez uma cópia pirata com capa bizarra e vende a R$ 25, junto com seu disco de vinil.

O filme se aproxima dos personagens com bastante intimidade. Como começou essa relação?
Di Melo gosta de receber pessoas, oferecer café, jantar, convida para dormir. Fiz isso várias vezes antes de começar a filmar, foi uma convivência grande. Conheci o cotidiano da casa. A única coisa que fizemos foi, além de eu e Rubens, inserir a equipe ali. Isso foi construído numa tentativa de sociabilidade, de construir um processo no qual a equipe existe, altera e participa da ação. Nada de mosca na parede. Assumimos a deformação.

O “episódio da cueca” é um momento engraçado e controvertido do filme. Houve conflito ético, no sentido de expor ou preservar a intimidade do casal?
Discutimos uma vez, mas o dilema não durou muito tempo. O filme tenta traduzir quem é essa figura anárquica, humana. O caso mostra a figura meio engraçada e bufonesca que ele é, decodifica o personagem. E como quem conta o caso é a própria mulher, que não se mostra ressentida com isso, todos se identificam.

Fale um pouco sobre a sua formação. Por que cinema?
Sou de família de não-artistas, minha mãe é dona de casa e meu pai, vendedor. Minha formação é completamente televisiva. Mais do que fazer cinema, sempre tive o desejo de me comunicar. Isso me fez uma pessoa curiosa e com 17 anos me interessei por ciências, estudei física. Já gostava de ir ao cinema, mas não pensava em realizar, para mim era coisa de gente rica. Sou do subúrbio, levei tempo para ter videocassete em casa. Estudar física exigia uma dedicação e abdicação que não tinha a ver comigo, queria me comunicar, dizer o que penso.

Em 2004, meu colega Elias Mouret comprou uma câmera e escrevi um roteiro. Rodamos o curta “Diptara”, nome científico da mosca, exercício de linguagem com câmera subjetiva, do ponto de vista de alguém à espreita de uma mulher. Conheci Camilo Cavalcante, de quem me tornei assistente de direção. Depois rodei outro curta, “Fé sem nome”, sobre uma menina desconhecida enterrada no cemitério de Santo Amaro. Quando veio “Di Melo”, já tinha outro projeto que ficou para agora, “O princípio da incerteza”.

Do que se trata esse projeto?
A ideia é morar 30 dias com Zé Bizerra, um caçador do Vale do Catimbau que se tornou artista após ter um sonho. Quero aprender a fazer esculturas e ensinar ele a usar a câmera. O Princípio da Incerteza de Heisenberg diz que em todo fenômeno existe um grau de incerteza intrínseco. Por exemplo, emitir um fóton para medir a velocidade de um elétron altera a velocidade e posição do elétron. Ou seja, não existe a coisa em si, mas o processo de interação. Este princípio da física também está nas ciências sociais e no próprio documentário.