![a mao que afaga](https://andredib.wordpress.com/wp-content/uploads/2012/09/a-mao-que-afaga1.jpg?w=636)
São Paulo – De um universo de quase 400 títulos do 23º Festival Internacional de Curtas, assisti pouco mais de trinta. Recomendo alguns, em parte já assistidos no Festival de Gramado. Entre os melhores, estão filmes que apontam, com recursos do cinema fantástico, de terror e outros gêneros, para mazelas sociais, imperfeições afetivas e o que há de sombrio e angustiante na alma humana. Seriam eles um sintoma, a tradução de uma época pessimista e descrente de discursos emancipadores? A refletir.
O evento promovido pela Associação Kinoforum é o maior festival de curtas na América Latina e durante oito dias se tornou um grande ponto de encontro. Entre os convidados estava Charles Tesson, diretor da Semana da Crítica de Cannes, que trouxe para São Paulo uma amostra do evento deste ano, entre os filmes, o paulista “O duplo”, de Juliana Rojas.
![duolo](https://andredib.wordpress.com/wp-content/uploads/2012/09/duolo.jpg?w=636)
Ano passado, Rojas dirigiu com Marco Dutra o longa “Trabalhar cansa”, instigante incursão nas amarguras da classe média utilizando como interlocutor o cinema de suspense e terror. Desdobramentos sobrenaturais destoam dos filmes brasileiros que abordam questões sociais, normalmente ancoradas no realismo.
Em “O duplo”, Juliana vai além e insere cenas de violência explícita e carnal. No curta, uma professora do ensino fundamental fica perturbada ao encontrar seu doppel gänger (em alemão, duplo maldito) na escola onde trabalha. Mais do que o resultado sangrento, interessa o exame do comportamento humano a tensão construída entre o suspense e rompantes de medo.
Em uma atmosfera de estranhamento e incômodo espiritual parecida se sustenta o curta “A mão que afaga”, de Gabriela Almeida. Prêmio especial do júri em Gramado, nele, uma operadora de telemarketing promove festa de aniversário para o filho. Decoração retrô e luzes chapadas e laterais remetem a um lugar situado nas profundezas da alma da mãe, abandonado (ou onde ela ficou) desde a própria infância.
![Menino-do-Cinco](https://andredib.wordpress.com/wp-content/uploads/2012/09/menino-do-cinco.jpg?w=636)
Estranhamente ausente do Kinoforum, outra obra a explorar o lado sombrio do universo infantil: a produção baiana “O menino do cinco”, de Marcelo Matos de Oliveira e Wallace Nogueira. Filme mais premiado do Festival de Gramado, trata-se de uma história a princípio inocente – a disputa de um cachorrinho por dois garotos – um que vive solto na praça e outro, isolado no condomínio em frente. Mas sua narrativa quase convencional mostra a que veio quando, em construção de menos de 20 minutos, o curta sintetiza em uma única cena o impasse social das cidades brasileiras. E este é apenas o filme de estreia dos diretores.
![o-brasileiro-odete-e-dirigido-por-clarissa-campolina-codiretora-de-girimunho-1345594230161_956x500](https://andredib.wordpress.com/wp-content/uploads/2012/09/o-brasileiro-odete-e-dirigido-por-clarissa-campolina-codiretora-de-girimunho-1345594230161_956x500.jpg?w=636)
Premiado em Oberhausen (Alemanha), “Odete”, de Clarissa Campolina, Luís Pretti e Ivo Lopes de Araújo, trata de um assunto delicado. A despeito de qualquer cobrança social imposta às mães, temos aqui uma genitora que, no leito de morte, se despede da filha após uma vida de ausência, confessando não ter sido capaz de amá-la. Imagens distorcem lindamente luz e sombra, dura e insustentável poesia. Bela parceria entre as produtoras Teia (de Minas) e Alumbramento (Ceará).
Outro ponto a ser considerado é que o rigor estético, busca em comum alcançada com mérito por todos os curtas aqui apresentados, contradiz o desencanto que evocam. Para além do reconhecimento artístico, nas necessidades que justificam a beleza e melancolia residem o maior trunfo destas obras.