Diana nasce em Brasília

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Atmosfera é a palavra que traduz o curta de animação “Deixem Diana em Paz”. Nele, o diretor Júlio Cavani acrescenta dimensão cinematográfica à história em quadrinhos criada nos anos 1980 pelo artista gráfico Ricardo Cavani Rosas, a partir um roteiro de Fred Navarro. O filme foi exibido ontem, no 46º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

No processo de adaptação, a HQ se tornou storyboard para um enredo de inclinação onírica e sutilmente melancólico. Personagem principal e única, Diana ganhou corpo inspirado em Joana Gatis, que serviu de modelo que o artista a redesenhasse de acordo com as necessidades próprias da técnica de animação.

Narrada por Irandhir Santos, “Deixem Diana em Paz” conta a história uma mulher que decide troca o trabalho pelo mais completo ócio. Em paisagem litorânea, ela se dedica a nada mais, além de dormir cada vez mais horas por dia. Os elementos visuais são mínimos: há Diana, sua cama, o mar, palmeiras e a conjunção astral formada pelo Sol, a Lua e as estrelas.

Isso, aliado à falta de outras referências geográficas, dá ao curta uma dimensão etérea que remete à obra de Moebius, um dos maiores artistas das histórias em quadrinhos. O realismo visual, outra marca de Moebius, é perceptível em “Diana” por conta do bico de pena, técnica da qual Cavani Rosas tem sido um dos raros defensores.

O efeito de suspensão temporal e espacial foi obtido com mérito não só pelo trabalho do artista, mas das animações assinadas por Marcos Buccini e Eduardo Padrão, que deram movimento à personagem (por vezes, quase imperceptível) e da trilha sonora, assinada pelos músicos Cláudio N e Carlos Montenegro, que evoca o ritmo desejado pelo diretor.

“Deixem Diana em Paz” tem muito a contribuir ao atual cenário da animação brasileira, carente de mais experimentação e filosofia, sob o risco de se tornar um portfólio inócuo de demonstrações técnicas.

Nasce o Animacine

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Nunca houve um festival de animação no interior de Pernambuco. Coube a Lula Gonzaga, autor do primeiro curta de animação feito no estado (“Vendo Ouvindo”, 1972) e do primeiro encontro brasileiro de animação (1987), realizar o Animacine – Festival de Cinema de Animação do Agreste, que desde a última terça-feira vem se revezando em filmes e ideias, exposições e oficinas.

Sediado em Caruaru, o Animacine tem alcance regional, se estendendo em mostras itinerantes em Gravatá e Bezerros. No emblemático Museu do Barro, a cerimônia de abertura foi marcada pela presença de importantes representações do cinema e da cultura popular, dimensão na qual o evento se propõe a trabalhar. Para Gonzaga, o cinema de animação é atividade estratégica para o fortalecimento da arte popular, no agreste representada pela música, xilogravura, a manufatura de bonecos e objetos de barro.

Responsável pelo Movimento Canavial, na Zona da Mata Norte, o produtor cultural Afonso Oliveira falou sobre a importância de um evento como o Animacine. “Temos uma política cultural tímida para formação e patrimônio”, disse, elogiando a iniciativa como estratégica para a formação de uma política cultural capaz de formar novos produtores, ao contrário da cultura dos grandes eventos, baseados em palcos grandiosos e passageiros. “Sou a favor de pequenas subversões, contrárias aos grandes eventos, que só oferecem mais do mesmo”.

Antônio Carrilho: a produção de imagens precisa ser compreendida

O cineasta Antônio Carrilho trouxe a discussão para o campo do cinema e da necessidade de cada região ter sua própria representação audiovisual. “Precisamos perceber a importância do audiovisual nas nossas vidas. As imagens estão no nosso dia a dia e entender como elas são produzidas é essencial para reagir ao mundo de forma mais crítica. Assim poderemos desmistificar a produção da imagem e seu poder de manipulação”.

Logo após houve uma apresentação da Sambada do Coco de Umbigada do Guadalupe, que veio de Olinda para prestigiar o Animacine. Na sala ao lado, uma exposição de xilogravuras do Mestre Dila recebe os visitantes. Nascido em Caruaru, desde o ano 2000 Mestre Dila foi contemplado com o prêmio Patrimônio Vivo do Estado de Pernambuco.

Formação – Do Rio de Janeiro compareceram Alexandre Jardim e Joaquim Eufrasino, técnicos enviados pelo Centro Técnico Audiovisual (CTAv) para realizar uma oficina de produção sonora para filmes de animação. A animação está no DNA do CTAv, que foi fundado em 1985 a partir de uma parceria entre a Embrafilme e o National Film Board (NFB), do Canadá, com o objetivo de auxiliar na formação de animadores em técnicas de baixo custo e com isso fomentar a produção de animação no país.

Além de trabalhar como mixador e com efeitos e ruídos sincronizados, Alexandre é responsável pela restauração do som dos filmes “Assalto ao Trem Pagador” e “A Rainha Diaba”. E Eufrasino, mais conhecido como Babá, atua desde os anos 1970, tendo fotografado boa parte dos curtas de animação brasileiros. Dois veteranos do cinema nacional, que compartilharam sua vasta experiência e contaram boas histórias.

Lula Gonzaga ao lado do troféu criado por Ed Bernardo

A parceria com o CTAv também rendeu uma mostra de nove curtas realizados no núcleo de animação de lá. Além disso, o melhor curta da Mostra Competitiva Nacional terá como prêmio o empréstimo de uma câmera 35mm e uma câmera Digital SI-2K pelo período de duas semanas. Já o vencedor da Mostra Formação será premiado com um serviço de mixagem de som. Além disso, os vencedores de cada categoria ganham troféu confeccionado pelo artesão Ed Bernardo.

Alunas da oficina de recorte digital aprendem a movimentar personagens
Outro parceiro do festival é o designer e professor da UFPE Marcos Buccini, que ministra oficina de recorte digital. “Para participar não é preciso saber desenhar, pois nos concentramos em termos de tempo e movimento”. Buccini também coordena o Maquinário – Laboratório de Animação da UFPE, do qual fazem parte 35 alunos de design. Apesar do que o uso da tecnologia – computadores Mac e software After Effects – pode insinuar, trata-se de um trabalho 100% artesanal, feito com a mão no mouse e dedos no teclado.Ao dar seus primeiros passos, o Animacine assume um papel pioneiro de catalizador de uma produção que valoriza as raízes para gerar novos frutos, principalmente por se inserir em um contexto jovem e vibrante de produção audiovisual, aliado à tradição do interior nordestino. Lula Gonzaga admite que o festival precisa melhorar, já que esta primeira edição foi feita com recursos reduzidos. Um crescimento necessário, que não deve colocar em risco a dimensão humana, uma das forças do evento.
Os premiados – O júri composto por Alexandre Jardim, Joaquim Eufrasino e Tiago Delácio selecionou dois filmes para o Prêmio CTAV (concedido pelo Centro Técnico do Audiovisual – RJ), sendo um na Mostra Competitiva Nacional, outro na Mostra Formação. Foram selecionados, também, os filmes nas categorias Linguagem, Fotografia, Direção, Som e Mostra Competitiva Internacional.

Os diretores dos filmes selecionados com a premiação CTAV terão 1 (um) ano para utilizar tais serviços. Caso não possam utilizar ou não precisem dos empréstimos dos equipamentos e dos serviços de mixagem, o mesmo júri indicará novo premiado de outras categorias.

Melhor filme – Mostra Competitiva Nacional

A INFÂNCIA DE ANINHA (GO), de Rosa Berardo
Prêmio: (empréstimo por 2 semanas de Câmera 35mm e Câmera Digital SI-2K)

Melhor filme – Mostra Formação 
MACACOS ME MORDAM (MG), de César Maurício e Sávio Leite
Prêmio: Serviço de Mixagem

Melhor filme – Mostra Internacional 
BENDITO MACHINE IV (Espanha), de Jossie Malis

Melhor Linguagem CABEÇA PAPELÃO, de Quiá Rodrigues (RJ)
O CANGACEIRO, de Marcos Buccini (PE)

Melhor Fotografia 
André Arôxa, por A ESCADA (PE)

Melhor diretor
Beatriz Herrera Carrillo, por BOLOLO (México)Melhor Som 
Jossie Malis, por BENDITO MACHINE IV (Espanha)