Quadrinhos de graça na Palestina, Líbano e Iraque

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Revistas em quadrinhos estão sendo distribuídas de graça para jovens árabes vítimas da guerra. Quem dá o recado é de Naif Al Mutawa, criador do THE 99, a HQ que circula no Oriente Médio desde o ano passado. São vinte mil exemplares grátis, fruto de uma parceria entre a editora kwaitiana Teshkeel, a transportadora Aramex e a Unesco.

“Quando criança, livros e quadrinhos eram minha maior proteção contra os problemas. Me ensinaram que a verdade, justiça e amizada são admiráveis qualidades. Acredito que as crianças de nossa região que foram atingidas pela guerra, desapropriação e pobreza precisam desta mensagem mais do que nunca”, diz Mutawa.

THE 99 é o nome dado ao grupo de super-heróis islâmicos concebidos nos moldes da americana Marvel Comics. O agrupamento é formado por jovens do mundo todo (tem um brasileiro na parada), que desenvolveram poderes especiais concedidos por Alah, e previstos no Alcorão.

O uso da estética Marvel em The 99 não é mera coincidência: Mutawa, através de sua editora, a Teshkeel, detém os direitos de publicação de personagens como o Homem Aranha, Super-homem e X-Men nos países de língua árabe. Todos estes títulos fazem parte do pacote concedido à Unesco, onde Mutawa acumula prêmios como escritor de livros infantis.

Militante do diálogo pacífico entre os hemisférios, Mutawa não vê conflito algum em conciliar super-heróis muçulmanos e norte-americanos na mesma editora. Pelo contrário, é justamente neste cruzamento de culturas que sua busca se realiza: diminuir o preconceito em torno do islamismo.

Em 2006 entrevistei Naif Al Mutawa, em virtude de sua visita ao Brasil durante a edição o FIHQ-PE. Antecipo uma frase que considero bem importante. “O cristianismo não deve ser reduzido ao nazismo ou à membros da Ku Klux Klan, assim como o islamismo não deve ser reduzido à Al-Qaeda”. Salam!

Qual é a busca mais importante de “99”?

A busca mais importante é mostrar aos leitores muçulmanos e não-muçulmanos os atributos de Deus, como compaixão e misericórdia, sabedoria e criatividade. Sua missão mais importante é esta, e não pensar do Islã como seqüestradores ou sinônimo de Al-Qaeda. Igualando o Islã a essas agendas terríveis é como ligar o cristianismo ao nazismo. A busca mais importante de “99” é promover a crença na bondade da cultura islâmica.

Como o projeto “99” pode reduzir o preconceito contra o Islã?

Os extremistas não são culpa do Islã. Eles são culpa dos extremistas. O cristianismo não deve ser reduzido a nazistas e membros da Ku Klux Klan, assim como o Islã não deve ser reduzido a Al-Qaeda. Pesquisei no Alcorão os elementos para a criação de histórias. Acredito firmemente que o que você lê em um texto tem muito com o que você vive. Se você olhar para um texto com ódio, você vai ver o ódio. E se você olhar com compaixão, amor e tolerância … você vai ter idéias como o “99”.

Por que o incidente da caricatura de Maomé entre a Dinamarca e o Oriente Médio é, na sua opinião, o fundamentalismo em ambas as partes?

Porque ambas as partes estão a apontar para uma lei codificada para apoiar suas ações, que são  deploráveis ​​em ambos os casos. O jornal dinamarquês (e em outros jornais ocidentais) de alguma forma, sentiu que era seu direito dado por Deus publicar imagens do profeta como um terrorista e citar o direito de Liberdade de Expressão. Por outro lado, muçulmanos que reagiram violentamente para proteger o profeta, sentiram que este era seu direito. O jornal dinamarquês poderia facilmente ter usado outra pessoa para comunicar a mesma mensagem, não o profeta. Os muçulmanos que entraram na onda poderiam facilmente ter reagido da forma como o próprio profeta agiu quando sua legitimidade foi contestada, 1500 anos atrás. Ele fez isso com perspicácia política, um sorriso, e alianças formadas com o mais forte dos fortes. Ele não se comportou como um desordeiro indefeso gritando nas ruas. Eu acho que as emoções das pessoas foram manipuladas, elas se sentiram ofendidas, mas existem outras maneiras de lidar com essas violações.

E o maior perdedor foi o governo dinamarquês. Os muçulmanos querem desculpas por uma violação feita pelo setor privado (um jornal). E pobre governo dinamarquês, o maior defensor dos Direitos Humanos e protetores de vítimas de tortura em todo o mundo (que, aliás, acontece de forma desproporcional no mundo islâmico) foram forçados a pedir desculpas por algo que está fora do seu controle. A reação mais absurda foi a de um filósofo belga, que disse que os muçulmanos devem ser expostos a esses quadrinhos a cada semana para que eles pudessem se acostumar a eles. Tanta arrogância só vem dos lábios de um fundamentalista verdade.

Existe alguma orientação política explícita no seu trabalho?

Nenhuma. Minha única preocupação é que a religião e cultura islâmicas se manifestem em temas e arquétipos positivos para muçulmanos e não-muçulmanos. Acredito muito fortemente que o que você planta é o que você colhe. Coloco minha educação e paixão pelo Alcorão em  mensagens positivas, traduzidas em arquétipos. Fico longe da religião e política, mas na série, dois lados lutam para ganhar o controle da 99 pedras. Cada um tem uma agenda divergente. Um quer destruir e dominar, o outro quer curar e unificar. Eu não julgo os personagens. Só os apresento.

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