Um Woodstock na Praia do Paiva

Das fases da vida, a juventude é mais propensa à busca destemida de prazeres sensoriais. Música e sexo são bons exemplos de um rol pelo qual certamente passam as drogas. Limites se tornam transponíveis e a realidade, relativa. Inspirado em livro homônimo de Charles Baudelaire, Paraísos artificiais observa tudo isso através do universo da cultura eletrônica. O diretor, Marcos Prado, promete tratar do tema sem julgamentos, apologia ou moralidade. O filme será exibido hoje, na competição de longas do Cine PE. É o mais novo filme da Zazen, produtora de Prado e José Padilha (Tropa de Elite). A estreia comercial está marcada para dois dias depois do festival: 4 de maio, em 250 salas.

Boa parte rodado na praia do Paiva, litoral pernambucano, Paraísos artificiais foi exibido somente uma vez antes do Cine PE. Foi na semana passada, para cerca de 1,8 mil pessoas no festival Vivo Open Air, em São Paulo. A sessão de hoje atrairá ainda mais gente e deve lotar as 3 mil cadeiras do Teatro Guararapes, boa parte com figurantes que participaram da filmagem. O reencontro de hoje não chega a ser uma festa. Ela está marcada para amanhã, às 18h, na casa no Km 6 da reserva do Paiva, que serviu de locação para o filme.

Para simular as “raves” que servem de fundo para a história de amor entre Nando (Luca Bianchi), Érika (Nathalia Dill) e Lara (Lívia de Bueno), o Paiva se transformou em Shangri-la, palco de uma mega-festa nos moldes do festival de cultura eletrônica Universo Paralello, que acontece no litoral baiano. O Burning Man, celebração baseada no deserto de Nevada, nos EUA, também foi visitado por Prado e equipe. A escolha de Pernambuco como locação tem a ver com a ascensão do estado enquanto polo produtor de cinema. Além de cerca de 1,5 mil figurantes, a produção incorporou cenotécnicos, assistentes de arte e outros profissionais.

Marcos Prado tinha mais de 30 anos quando vivenciou a onda de raves que se multiplicou no fim dos anos 1990. “Estava um pouco fora da curva. Sempre gostei mais de rock, mas curti aquele momento”. No entanto, Paraísos artificiais estava longe de se realizar. Primeiro, veio Estamira, documentário em preto-e-branco granulado sobre uma catadora de lixo com distúrbios mentais. O que há em comum entre os dois filmes?

Estamira tem narrativa ficcional, uma estética sinestésica e uma montagem experimental. Ambos os filmes apontam para um sentido filosófico-existencial, com narrativa visual, uso de música e sequências sem diálogos”. Em determinado momento do filme, conta Prado, há uma cena em que se consome peyote (um alucinógeno natural) com dois minutos e meio de duração.

Cenas de sexo e iniciação do uso de drogas sintéticas como o ecstasy compõem a visão de Prado para o que ele chama de Woodstock tropical. “Os adeptos são neo-hippies não só no vestuário, mas nos valores. É uma ideologia que encontrei nesses festivais realizados longe das zonas urbanas. Eles se guiam não pelo ter, mas pelo ser. E a música promove o mantra”.

Prado relativiza o elogio aos valores que regem a geração clubber, que movimenta uma indústria bilionária. “Há muitas distorções hoje em dia. As pessoas se renderam ao consumismo, relações são descartadas como quem troca o modelo do celular. Por outro lado, são jovens que vivem o presente com intensidade, usando a criatividade”. Leia mais na entrevista a seguir.

Você diz que, apesar de mostrar cenas de consumo de drogas, o filme não faz apologia.
O filme não é um elogio, pois algumas pessoas exageram e pagam o preço. No caso das drogas sintéticas, faltam informações oficiais e uma política pública de redução de danos. O filme dá esse contraponto.

Você passou cinco dias filmando na reserva do Paiva, em cenas que contaram com centenas de figurantes. Como foi a experiência?
Foi dificil, pois são muitas pessoas em uma área grande, fica muito fácil de dispersar. Mas todos foram nota 10. Devo a eles a veracidade que ficou impressa na película. No dia em que trabalhamos com 1500 pessoas, para simular uma festa em Amsterdã, os 300 que selecionamos para os outros dias ajudaram a dirigir os restantes.

Não acha arriscado chamar os adeptos da cultura eletrônica de novos hippies?
Tudo está em movimento tão rápido que talvez minha forma de entender o assunto esteja datada. Hoje é celebração é solitária, diferente dos anos 1960. Será que essas festas são realmente coletivas, de contracultura, ou revelam um mundo consumista, individualista? É uma geração de relacionamentos superficiais ou com formas mais sinceras de se relacionar? Tentei filmar mais como documentarista, sem verdades prontas.

(Diario de Pernambuco, 27/04/2012)

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