Cacá Diegues, 50 anos de cinema

Cacá Diegues tinha apenas seis anos de idade quando se mudou de Alagoas para o Rio de Janeiro. Uma década depois, no fim dos anos 1950, foi um dos fundadores do Cinema Novo, um dos mais importantes movimentos artísticos do país. Entre os companheiros estavam Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirzman. Ao longo das décadas, Cacá forjou uma filmografia preocupada em questões urgentes como subdesenvolvimento e autoritarismo brasileiros. Nunca parou de fazer filmes, nem de olhar para o país.

Cacá acaba de completar 50 anos de carreira, o que tem gerado homenagens como a de hoje, rendida pelo Cine PE. Em breve, a retrospectiva promovida no começo do mês pela Caixa Cultural (RJ) vai ao Lincoln Center, em Nova York. Mês que vem, ele apresentará Xica da Silva em Cannes, o maior festival do mundo. A mesma cópia restaurada que pode ser assistida hoje, às 17h, no nosso Teatro Guararapes.

Visto por 4,5 milhões de pessoas, Xica da Silva é o maior sucesso da carreira de Cacá. “E foi o primeiro filme estrelado por uma atriz negra. Pouco antes de lançar, o maior distribuidor do Brasil (Luiz Severiano Ribeiro) disse que filme de negro não dava certo, que não ia dar bilheteria”, conta Cacá, ao Diario.

Do Recife, a memória mais antiga vem da infância. “Meu avô passava a mão na minha cabeça e dizia: ‘estude, porque um dia você vai morar no Recife’. É a minha velha metrópole”. De alguma forma, o estímulo funcionou. “Tenho grande paixão pela música e pelo cinema pernambucano, que é original e novo”.

Ficou satisfeito com a restauração de Xica da Silva?
Devo isso a Cinemateca Brasileira. O filme está novinho em folha, parece que foi feito ontem. Minha felicidade é que meu neto agora vai poder assistir, pois as cópias antigas estavam desaparecendo.

O que te motivou a filmar essa história?
Em 1963 assisti o desfile da Salgueiro, que tinha como tema a Xica da Silva. Era uma história pouco conhecida, que constava apenas no Romanceiro da inconfidência, de Cecília Meirelles, que retirou sua história de um parágrafo escrito no século 19 pelo historiador Joaquim Felicio dos Santos. Em meados dos anos 1970, havia perspectiva de uma abertura política gradual. Eu achava que era hora de dar a volta por cime. Como disse Gabeira, em frase que se tornou famosa, “não posso esperar a revolução para ter um orgasmo”. Era a alegria como força revolucionária e instrumento de mudança. Enquanto a liberdade não chegava, forçamos a barra para viver.

Sua geração pensou o Brasil através do cinema. Você concorda que isso é algo cada vez mais raro?
Não. Acho que mudou a forma de pensar o Brasil, assim como o Brasil mudou. para melhor e para pior. 50 anos se passaram, o país é outro. Nós vivemos a maior parte da nossa vida sob uma ditadura militar, com todas as angústias que isso gerou. Aquele momento influenciou na maneira de nos expressar. Ganga Zumba é sobre Zumbi dos Palmares, uma história que hoje está nos livros didáticos, na época não. Alguma importância nós tivemos nisso. Ao mesmo tempo, no começo dos anos 60 éramos dez cineastas fazendo um movimento. Hoje se produz quase cem filmes por ano. Naturalmente, alguns são bons outros não.

Fale um pouco sobre a adaptação de O grande circo místico, seu próximo projeto.
Sonho com ele há muito tempo, sobretudo pela paixão por Jorge de Lima (o espetáculo é baseado em poema dele). É a história de uma família circense ao longo de cem anos. É sobre o amor entre as pessoas, mas ao mesmo tempo um retrato do Brasil entre 1910 e 2010. Interrompi o projeto para filmar 5x Favela – agora por nós mesmos e só agora retomei. Agora estou reescrevendo o roteiro para reduzir o orçamento para no máximo R$ 7 milhões.

O elenco já está definido?
Por enquanto, apenas o Lázaro Ramos, que será o mestre de cerimônias.

Apenas uma pequena parte dos filmes brasileiros conseguem chegar ao cinema. A maioria fica restrita aos festivais. Há um caminho do meio?
Tem muitos cineastas procurando. Mas esse panorama é uma tendência mundial. As salas estão ocupadas por blockbusters, que trabalham com mitos arraigados como o heroi, ou por filmes de sucesso doméstico, em geral comédias.

Nesse panorama, onde você enxerga sua busca por um cinema popular?
Procuro fazer cinema popular sem precisar me prostituir, sendo sincero comigo mesmo e interessado que o outro assista o que eu faço. Às vezes dá certo, às vezes não. Se houvesse uma fórmula, os americanos só fariam sucessos.

Sua defesa da atual gestão do Ministério da Cultura, publicada no jornal O Globo, gerou reações contra e a favor. Na sua opinião, por que Ana de Hollanda vem sofrendo tantas críticas?
Há pessoas genuinamente insatisfeitas com sua administração e discutir se a orientação do ministério está certa ou errada faz parte do processo democrático. O que me irrita é a voracidade política vindo de pessoas que gostariam de ocupar aquele espaço, gente que está se preparando para isso desde o governo Lula. Pessoalmente acho que ela vem fazendo um bom trabalho. Manteve o que Gil fez de bom e mudanças são feitas somente após consulta aos setores.

Filmografia básica
5x favela – agora por nós mesmos (2010)
O maior amor do mundo (2006)
Deus é brasileiro (2003)
Orfeu (1999)
Tieta do Agreste (1996)
Veja esta canção (1994)
Quilombo (1984)
Bye Bye Brasil (1979)
Xica da Silva (1976)
Joanna Francesa (1973)
Quando o carnaval chegar (1972)
A grande cidade (1966)
Ganga Zumba (1964)
Cinco vezes favela (1962)

(Diario de Pernambuco, 29/04/2012)

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