"Antes que o mundo acabe" é a principal atração de hoje no Fici

Premiado no Festival de Paulínia 2009, Antes que o mundo acabe (Brasil, 2010) vem literalmente subindo o país. Porto Alegre, Rio, São Paulo. De acordo com sua distribuidora, a Imagem Filmes, o longa acumulou em torno de 20 mil espectadores. Público acima da média para uma produção independente. Não se sabe se ele realmente estreará no Recife, portanto, as sessões promovidas hoje (às 16h no Cine São Luiz) e segunda-feira pelo 8º Festival de Cinema Infantil podem ser a chance do público assisti-lo no cinema.

E faz todo o sentido que a exibição ocorra durante o Fici. O primeiro longa de Ana Luiza Azevedo é colorido, leve e lúdico. Personagem principal, Daniel (Pedro Tergoline) não é uma criança, mas acaba de deixar o posto para viver dilemas e tensões próprios da adolescência. Seu ritual para a vida adulta passa pela descoberta do pai que vive do outro lado do mundo, história ocultada pela mãe.

Antes que o mundo acabe é romance de formação sobre duas rodas – Daniel vive em Pedra Grande, cidade de 16 mil habitantes e oito mil bicicletas. O encontramos pouco antes de receber as primeiras cartas do pai, perdendo a namorada para o melhor amigo e incompreendido pela família, que recebe seu mau humor como uma variação de hormônios típica da idade. A irmã mais nova (Caroline Guedes) de língua solta assiste a tudo e solta comentários pontiagudos e engraçados. Entre o folk e o rock’n’roll, a trilha sonora alterna de acordo com o humor de Daniel.

O primeiro longa de Ana Luiza surge após extensa carreira de produtos para a TV e curtas, entre eles Barbosa, um dos melhores dos anos 1980. Foi assistente de Jorge Furtado em Ilha das Flores, O homem que copiava e Meu tio matou um cara. Em 2003, foi premiada no Cine PE por Dona Cristina perdeu a memória e ano passado dirigiu a série global Decamerão. Baseado em livro homônimo de Marcelo Carneiro da Cunha, que a diretora conheceu através de seus filhos, o filme reafirma a marca da Casa de Cinema de Porto Alegre em fabricar filmes bem cuidados e acessíveissem apelar para a vulgaridade.

(Diario de Pernambuco, 09/10/2010)

Festival de Paulínia // A noite de premiação


Crédito das fotos: Aline Arruda / Divulgação

Paulínia (SP) – A festa de premiação do 2º Festival Paulínia de Cinema, na noite da última quinta-feira, foi uma grande confusão em que ninguém sabia exatamente o que fazer. Estrutura havia de sobra, mas faltou logística na organização do palco. Nem mesmo o casal de apresentadores Murilo Benício / Guilhermina Guinle, perdidos e dependentes de um equivocado teleprompter, conseguiram manter o controle da situação, quando uma dezena de premiados foram de uma só vez chamados ao palco. Representantes da administração municipal, a dona do evento, transpareciam desconforto no papel de anfitriões do mundo do audiovisual, reunido anteontem para a entrega dos troféus Menina de Ouro. Possível reflexo do escândalo que afastou do cargo o prefeito da cidade, sob suspeita de compra de votos.

Paulínia quer ser vista como um festival democrático, capaz de transitar entre filmes “cabeça” e populares. Nesse sentido, a distribuição de troféus, feita de forma equânime, pode ser consequência dessa política. Olhos azuis venceu em seis categorias, inclusive o prêmio principal, no valor de R$ 60 mil. “Ninguém pediu para que esse filme fosse feito. Dedico esse prêmio ao voluntarismo de todos os artistas”, discursou José Joffily, o diretor. Eleito melhor ator coadjuvante pelo papel de Nonato, o imigrante brasileiro em solo norte-americano, o pernambucano Irandhir Santos foi simples e direto: “já me sinto agraciado por exercer a função de ator neste país. Agora, volto pra casa acompanhado por uma bela ‘menina’”.


Irandhir Santos contracena com David Rasche…



… e recebe o prêmio de melhor ator coadjuvante

Romance de formação sobre duas rodas, Antes que o mundo acabe, de Ana Luiza Azevedo foi um dos grandes destaques do festival. Nada mais justo do que receber o prêmio da crítica e ter sido escolhido em cinco categorias pelo júri oficial (formado por Zuenir Ventura, Adhemar de Oliveira, João Jardim, a roteirista Elena Soarez e a diretora de programação da HBO, Ângela de Jesus).


Antes que o mundo acabe, de Ana Luíza Azevedo levou cinco troféus

No momento máximo de generosidade do Júri, três atores e três atrizes principais receberam troféus: Silvia Lourenço e a transexual Maria Clara Spinelli, de Quanto dura o amor?, e Cristina Lago (atriz-revelação de Olhos Azuis); e Marco Ribeiro, Paulo Mendes e Cleiton Santos, pelo papel do contador de histórias Roberto Carlos Ramos nas fases criança, jovem e adulto. “Quando eu era criança, sempre quis ter uma boneca mas nunca me deram. Agora tenho uma Menina de Ouro!”, provocou Spinelli.

Da ficção aos documentário (ainda precisamos promover esse apartheid?), os holofotes iluminaram Só dez por cento é mentira, um elogio ao poeta Manoel de Barros e Hebert de perto, de Roberto Berliner e Pedro Bronz. Diretor de vários clipes dos Paralamas do Sucesso, Berliner conversa com família e amigos de Hebert Vianna, faz uso das próprias imagens de arquivo e da proximidade que tem com o compositor para mostrá-lo na intimidade, como no depoimento que Hebert dá entre o closet e o banheiro da suíte onde dorme.

Coube à crítica lembrar o valor de Moscou, doc em que Eduardo Coutinho expande a investigação que apaga as fronteiras entre real e fictício, memória e invenção. “Não sei o que fiz nesse filme”, disse, angustiado, ao apresentar o filme no dia da exibição. Frase que seria muito mais adequada à atriz / produtora Lucélia Santos com relação ao sofrível Destino, filme que sequer deveria existir, quando mais figurar entre as produções escolhidas para o festival, que ali atingiu seu momento mais lamentável.

O prêmio do público para Caro Francis demonstra o talento de Nelson Hoineff em se comunicar com grandes platéias. Fazem pouco mais de dois meses que Alô Alô Terezinha!, também de sua autoria, foi eleito pelo júri popular como o melhor do Cine PE. “Faço filmes para serem vistos. É um erro pensar que há falta de preparo no público. Ele é muito mais sábio do que se imagina”, disse o diretor.

Os curtas Timing, de Amir Admoni, e Spectaculum, de Juliano Luccas, foram os melhores de suas categorias. O primeiro usa efeitos especiais para prender o ator Caco Ciocler (que contracena com o pai, Jackson) no painel de uma estação de metrô. O segundo apresenta a vida de um palhaço fora do picadeiro, como fosse um documentário de inclinação artística, coroado pelo depoimento de que, “para ser palhaço, precisa ser muito intelgente”.


Stulbach – boa atuação

Elogio ao teatro – Antes da premiação, foi exibido Tempos de paz, sétimo longa de Daniel Filho, com presença dos atores principais, Tony Ramos e Dan Stulbach. Baseado no livro Novas diretrizes para tempos de paz, de Bosco Brasil, o filme é algo mais teatral do que televisivo, o que conta pontos a favor do diretor de Se eu fosse você. Em bem-vindo viés autoral, Filho conta a história de Clausewitz (Stulbach), ator polonês que, com o fim da 2ª Guerra é impedido de entrar no Brasil ao esbarrar na burocracia ressentida do oficial de imigração Segismundo (Ramos). A homenagem aos imigrantes Anatol Rosenfeld, Nydia Lícia, Otto Maria Carpeaux e Zbigniew Ziembrinski faz de Tempos de paz um elogio ao teatro e ao ofício do ator foram arrebatadoras e responsáveis pelo ponto alto e de maior comoção do encerramento do 2º Festival de Paulínia.

* o repórter viajou a convite do evento.

(Diario de Pernambuco, 18/07/09)

Mais impressões sobre Paulínia (escritas de um aeroporto)


Tony Ramos e Dan Stulbach em Tempos de paz: bom momento

O segundo Festival de Paulínia terminou ontem à noite. Daqui a pouco sai a matéria que fiz para o Diario (post acima).

Enquanto aguardo o avião para o Recife, nada como um blog para divagar sem preocupações com os limites de tempo / espaço de um jornal impresso.

Penso em como foi cobrir este festival. Ao mesmo tempo, um trabalho difícil e gratificante.

Primeiro, os obstáculos. Diferente do ano passado, a organização hospedou a imprensa no Hotel Royal de Campinas. Ou seja, todos os dias eram entre duas a quatro viagens de van para Paulínia, cada trecho com 30 a 40 minutos. Na ponta do lápis, em oito dias, foram em média 16 horas dentro de uma van.

Por tudo isso, foram dias bastante cansativos. À noite, havia os filmes em competição – dois curtas e dois longas, somados a um interminável desfile de vinhetas e logomarcas. Após a sessão, janta. Hotel entre 1h e 2h da manhã. No dia seguinte, as coletivas começavam às 10h, na prefeitura de Paulínia. Após o almoço, corrida para entregar as matérias dentro do prazo.

Problemas de translado à parte, há que destacar a vontade do evento em dar conta de todas as frentes que fazem um bom festival de cinema. Do começo ao fim, tivemos projeções com ótima qualidade técnica, mostras paralelas, exibições nos bairros, debates, seminários de todos os tipos. Não bastasse, duas festas bacanas – uma no sábado, promovida pela Quanta, e outra ontem, de despedida.

Quanto à programação da mostra competitiva, houve maus momentos, sim. Mas a maioria dos filmes e coletivas fizeram a vida de maratonista valer a pena.

É o caso do doc de Eduardo Coutinho, Moscou. A exibição foi um choque. Nos que permanceram, pois há quem não suporte algo tão fora do padrão. No dia seguinte, rendeu uma das melhores coletivas, se não, a melhor. Pena que Coutinho não esteve na noite de encerramento para receber o prêmio da crítica. A informação é que ele estaria no MoMa, em Nova York, onde sua obra está sendo exibida.

Eleito melhor filme pelo júri especial Olhos azuis, de José Joffily, foi alvo de críticas por trazer uma história muito esquemática e fatalista.


Joffily, melhor longa de ficção em Paulínia: 13 anos de projeto

Pode ser, mas isso não chega a ser um problema. O roteiro de Paulo Halm (cujos pais são de Pernambuco) tem seus méritos; a trilha de Jacques Morelembaum, com músicas de Siba Veloso e participação de Arlindo dos Oito Baixos é de uma beleza monumental; e o elenco deu um show de interpretação. Mais do que merecidos os prêmios de melhor coadjuvante para Irandhir Santos e melhor atriz para Cristina Lago.

Na noite de segunda-feira, Quanto dura o amor?, de Roberto Moreira, rendeu ótimos comentários no caminho de volta para o hotel. “Finalmente, um filme”, disseram alguns, escaldados pela traumática experiência de assistir Destino, uma peça de duas horas e R$ 10 milhões que não funciona como cinema, novela, ou mesmo catálogo turístico de paisagens do Brasil e leste asiático. Pode até ser que dê certo lá na China – na coletiva, a produtora Lucélia Santos disse que a ideia é atingir os 900 milhões de espectadores da TV de lá. No Brasil, não tem a mínima chance. Quem sabe como série de 35 capítulos, formato para que o roteiro foi pensado, há 13 anos.

Antes que o mundo acabe é um caso curioso. Não tem vocação se enquadra exatamente como filme de festival (chegou a ser questionado se ele deveria ou não ir direto para o circuitão). Ao mesmo tempo, foi um dos mais votados (prêmio da crítica mais cinco do júri oficial). De qualquer forma, graças a ele, tivemos outro momento bom.

Só dez por cento é mentira é um caso à parte. Impossível não se entregar a poesia de Manoel de Barros. Dá até pra encarar vacilos como a voz em off do diretor Pedro Cezar e excessos cometidos pela pretensão de “traduzir” o espírito do poeta para a linguagem audiovisual.

Parece ter sido dificil a disputa pelo troféu de melhor atriz principal. Todas mereciam. A opção do júri pelo prêmio coletivo foi conciliadora, mas meio covarde. Paulínia parece ainda não ter maturidade para o embate saudável que pode surgir em um festival.


Spinelli…


… e Lago

Fica o protesto pelo completo abandono da portuguesa Maria de Medeiros, que acertou no papel da professora Marguerit na produção mineira O contador de histórias.

Quanto aos curtas, bem, com exceção dos vencedores, estão abaixo de qualquer comentário. Fica a esperança que no ano que vem a curadoria seja um pouco mais seletiva. Opção não falta.

Foi uma festa de premiação das mais estranhas que assisti na minha curta carreira de coberturas. Como apresentador, Murilo Benício se mostrou um bom troglodita. Trocou nomes, improvisou piadas de mau gosto e transpareceu um desânimo quase burocrático.

A sessão de Tempos de paz, novo longa de Daniel Filho, foi o ponto alto da noite. Longe do trabalho que fez em Se eu fosse você 1 e 2, o diretor mostrou verve criativa ao adaptar para o cinema o texto que há meses está em cartaz nos teatros com os mesmos atores: Tony Ramos e Dan Stulbach.

Após o filme, até Benício virou gente.


Tempos de paz, de Daniel Filho, estreia em agosto no circuitão

Festival de Paulínia encerra mostra competitiva


Antes que o mundo acabe – inteligência e apelo pop

Paulínia (SP) – Os longas Hebert de perto, documentário de Roberto Berliner, e a ficção gaúcha Antes que o mundo acabe, de Ana Luíza Azevado, encerraram na noite de quarta-feira a maratona de 12 longas e 12 curtas do 2º Festival Paulínia de Cinema. Foram seis dias de competição, uma programação que, de forma ascendente, representou a diversidade que hoje é o cinema brasileiro. O voto da crítica, decidido ontem pela manhã, elegeu Moscou, doc de Eduardo Coutinho e Antes que o mundo acabe. Resta agora saber quais receberão o troféu Menina de Ouro pela eleição do público e júri oficial, formado pelo escritor Zuenir Ventura, o exibidor Adhemar de Oliveira, a roteirista Elena Soarez, o diretor João Jardim, a diretora de programação da HBO Maria Ângela de Jesus e a atriz Sandra Corveloni.

Romance de formação sobre duas rodas, Antes que o mundo acabe reafirma a marca da Casa de Cinema de Porto Alegre em fabricar filmes bem acabados, inteligentes, de pegada pop sem abrir mão do tempero gaúcho. Conta narra a vida de Daniel, um menino de 15 anos que vive em Pedra Grande, cidade com 16 mil habitantes e oito mil bicicletas. Para a família é só variação de hormônios, mas Daniel está perdendo a namorada para o melhor amigo. Não bastasse, o pai biológico, um fotógrafo que foi morar na Tailândia, começa a fazer contato via envelopes com muitas imagens e histórias exóticas e pessoais. A trilha sonora que lembra Belle and Sebastian (há duas músicas da banda Os Darma Lovers) alterna entre o tom “folk fofo” e rock’n’roll, de acordo com as oscilações de humor do protagonista.

Com rara capacidade de se comunicar diferentes faixas etárias, o filme de Azevedo deve consolidar boa carreira no circuito comercial. A diretora gaúcha despontou em 1989 com o curta Barbosa, co-dirigido por Jorge Furtado, sócio mais famoso da Casa de Cinema, empresa que se projetou a partir de Ilha das Flores, de Furtado. De lá para cá, acumula nove filmes, todos de curta duração, entre eles Dona Cristina perdeu a memória, eleito melhor curta de 2003 pelo Cine PE. Foi também assistente de direção de quase todos os longas de Furtado (Meu tio matou um cara, O homem que copiava), com quem assina a série global Decamerão, que vai ao ar no fim deste mês.

Produção independente, Antes que o mundo acabe é baseada em livro homônimo de Marcelo Carneiro da Cunha, que Azevedo conheceu através de seus filhos. “Acho bárbaro que existam mais filmes para essa faixa etária, fundamental para formação de público para o cinema brasileiro”, disse a diretora, em conversa com o Diario. “Até pouco tempo, os jovens não tinham interesse em ver filmes brasileiros. É um trabalho árduo ganhar esse público”.

Um dos melhores documentários do festival, Hebert de perto, de Roberto Berliner e Pedro Bronz, se mostrou bem resolvido enquanto linguagem, algo raro na atual onda de filmes sobre personalidades da MPB recente, que tem em Nelson Motta sua figura mais fácil e cansativa.

Desta vez, nada de “especialistas”. Diretor de vários clipes dos Paralamas do Sucesso, Berliner reuniu a família de Hebert Vianna (o que inclui os companheiros de banda, o produtor e o amigo Dado Villa Lobos), fez uso das próprias imagens de arquivo e da proximidade que tem com o compositor para mostrá-lo na intimidade, como o título sugere. A proximidade foi tanta que há depoimentos de Hebert entre o closet e o banheiro da suíte onde dorme.

Grande sacada de Berliner e Bronz foi editar o primeiro show da banda no Circo Voador e apresentações da turnê de 2006 como se fosse uma só. Cinema como ponte entre o jovem de óculos vermelhos e camiseta do Mickey Mouse com o homem de cadeira de rodas, renascido do acidente aéreo, tudo no mesmo palco.