Recife é a capital do cineclube


A Mão e a Luva, de Roberto Orazi, na programação do Centro Cultural Correios

Até 11 de dezembro, Pernambuco é palco de três grandes encontros de cineclubes, dois deles de alcance internacional. A tradição de grupos que se reúnem para exibir e discutir filmes tem marcado a história cinéfila do estado e a realização de três grandes eventos simultâneos confirma essa força, desta vez com apoio das políticas públicas dos governos federal e estadual.

Cineclubes e ativismo social sempre andaram de mãos dadas e nos últimos anos o movimento se articulou e ganhou dimensão capaz de influenciar nas políticas públicas. É disso que trata a 28ª Jornada Nacional de Cineclubes, a 3ª Conferência Mundial de Cineclubismo e a 63ª Assembléia Geral da Federação Internacional de Cineclubes. Estão confirmados mais de 250 cineclubes dos 27 estados e representantes de 55 países, Malásia, Morrocos, Polônia e Irlanda incluídos.


Prisão de mulheres, de Shirdel

A programação geral se divide entre um hotel fazenda em Moreno (28km do Recife), fechada para os participantes, e o Centro Cultural Correios (Recife Antigo), que abrigará mostras de longas e curtas do mundo todo, abertas ao público. Há convidados especiais, como o documentarista iraniano Kamram Shirdel, que vem ao Brasil exclusivamente para o evento e terá retrospectiva inédita no país, e o italiano Roberto Orazi, que lança no Brasil o documentário A mão e a luva – storia di un trafficante di libri. O filme foi rodado no Recife, tendo como foco o pernambucano Ricardo Gomes Ferraz, o Kcal, que se tornou conhecido como organizador de uma biblioteca na comunidade do Bode. Recentemente, foi exibido no Festival de Roma.

Antonio Claudino de Jesus, presidente do Conselho Nacional de Cineclubes (organizador dos eventos ao lado da coordenação de cinema da Fundarpe e da Federação Pernambucana de Cineclubes), diz que o fato do encontro ocorrer no Brasil demonstra a importância que o país alcançou no cineclubismo internacional. E que não é por acaso que Pernambuco será o ponto de convergência. ´O movimento pernambucano ganhou destaque nacional. A Fepec é hoje umadas mais bem organizadas do Brasil e tem servido de exemplo para outros estados`.

Esta é a segunda vez que a Assembleia será realizada fora da Europa – a primeira foi nos anos 1970, em Cuba. Criada durante o primeiro Festival de Cannes, ela congrega mais de uma centena de países. Na pauta do movimento mundial estão assuntos como o direito de acesso ao audiovisual. De acordo com João Baptista Pimentel Neto, secretário geral do CNC, a ideia é multiplicar pontos de exibição e flexibilizar os direitos do autor para que mais pessoas tenham acesso a produtos audiovisuais viabilizados com dinheiro público.

Saiba mais

Existem 1.100 cineclubes em funcionamento no Brasil. 600 são filiados ao CNC

Em Pernambuco, dos mais de cem pontos de exibição (Cine + Cultura incluidos), 37 são filiados à Federação Pernambucana de Cineclubes

Mostra Centro Cultural Correios
(Av. Marquês de Olinda, 262 – Recife Antigo)

7/12 – terça-feira

19h – Mostra Kamran Shirdel
A noite em que choveu (An Shab ke barun amab, 1967/74)
Teerã é a capital do Irã (Teheran, payetakhat-e Iran ast, 1966/79)
Setor Feminino (Qaleh, 1966/80)
Prisão de mulheres (Nedamatgah, 1965)
Solidão – Opus I (Tanhae-ye-Awal, 2000/01)

8/12 – Quarta-feira
19h – A Mão e a Luva (2010), de Roberto Orazi

10/12 – Sexta-feira
19h – Mostra Cinesud – Curtas Iberoamericanos
Por primera vez (Cuba, 1967), de Octavio Cortázar
Floating Chloe (Colômbia, 2004), de Monica Naranjo
Conquistadores (Espanha, 2005), de Eloi Tomás
El reciclo del biciclo (México, 1999), Agustín Martínez
Ave Maria ou Mãe dos Sertanejos (Brasil, 2009), de Camilo Cavalcante
Minami em Close-up (Brasil, 2009), de Thiago Mendonça
Qué viva el muerto (Equador, 2002), de Randi Krarup
La ruta natural (Espanha, 2005), de Alex Pastor
Comprometendo a atuação (Brasil, 2009), de Bruno Bini

(Diario de Pernambuco, 07/12/2010)

Cineclubismo busca seu QG

Encaixotados, cerca de 3 mil livros e revistas sobre cinema aguardam para ser descobertos. Eles foram cedidos em maio, pela Cinemateca Brasileira, à Federação Pernambucana de Cineclubes. A maior parte do presente é de periódicos: edições da revista American Cinematographer, da francesa Cahiers du Cinéma, da italiana Bianco e Nero e das brasileiras Cinejornal e SET. Entre os livros estão História do Cinema Brasileiro, de Maria Rita Galvão e exemplares da Coleção Ensaio. Sem local fixo para organizar o acervo, a organização, que representa 30 cineclubes do litoral, interior e Fernando de Noronha, decidiu pleitear sede própria, onde pretendem abrir uma biblioteca especializada em cinema aberta para consulta pública.

O acervo fazia parte do catálogo de obras duplicadas da biblioteca da Cinemateca, sediada em São Paulo. Em visita ao Recife, Adilson Mendes, do Centro de Documentação e Pesquisa da Cinemateca Brasileira conheceu Gê Carvalho, presidente da Fepec e promoveu o intercâmbio. “Percebi o engajamento da Fepec e achei que ela poderia transformar esse acervo duplicado em algo construtivo”, disse Mendes.

Acumulado por décadas, o acervo da Cinemateca Brasileira é um dos maiores do país. Parte dos filmes, cartazes e fotos está digitalizada e disponível, em caráter experimental, no site do Banco de Conteúdos Culturais. Títulos de livros e periódicos podem ser consultados no site da instituição. Desde 2001, quando se instalou na Vila Mariana, ela passou a trocar exemplares duplicados com bibliotecas parceiras. “O caso da Fepec é específico. Encontramos na doação uma forma de incentivar a fundação de uma sede”, diz João Pedro Moraes, gerente da Biblioteca Paulo Emílio Salles Gomes, da Cinemateca.

Enquanto o QG não vem, a Fepec usa como base para reuniões a residência de seu presidente, que também serve de central para os 200 filmes que disponibiliza para filiados. Os livros permanecem nas caixas em que foram enviados, longe das condições ideais de conservação.

Fundada em 2008 durante encontro no primeiro Festival de Triunfo, a Fepec quer organizar e fomentar a atividade, em crescimento no estado. Estima-se que atualmente existam cerca de 100 cineclubes em Pernambuco, a maioria com incentivo do poder público federal, estadual e federal. “Em Pernambuco temos o governo como aliado e isso é motivo de inveja em outros lugares do país”, diz Carvalho, que desenvolve um sistema digital que monitora a atividade no estado. “Agora temos como dimensionar periodicidade e público das sessões”. De acordo com Carvalho, cinco estados brasileiros vão replicar este modelo de relatório.

A Fundarpe, que apoia a Fepec desde sua criação, dispôs de uma sala para servir de base aos cineclubistas, mas a oferta foi refutada. “Somente uma sede pode suprir nossa necessidade estrutural”, diz Gê Carvalho, que justifica a decisão enumerando necessidades administrativas, possibilidades formativas e utilidade pública, como uma sala de exibição e o espaço para a biblioteca. Para ele, convênios com órgãos públicos e privados podem viabilizar o projeto.

Ponto de encontro – Em setembro, o Recife será ponto de encontro de cineclubes do mundo inteiro. Cerca de 500 pessoas estarão reunidas em torno de dois eventos: a 28ª Jornada Nacional de Cineclubes e um encontro da Federação Internacional de Cineclubes, da qual participam mais de 30 países. Segundo João Batista Pimentel Neto, secretário do Conselho Nacional de Cineclubes, esta será a primeira assembleia do gênero em um país não-europeu.

Pimentel diz que o encontro nacional coroa a retomada do processo de articulação do movimento cineclubista, iniciado em 2004. Hoje, o Brasil conta com aproximadamente 1.200 cineclubes. “O foco será na educação e na democratização do acesso aos bens audiovisuais. Vamos fazer um balanço dos últimos anos, eleger uma nova diretoria e estabelecer novas perspectivas”. O local dos encontros deve ser definido com a Fundarpe, que ao lado do Ministério da Cultura, apoia os eventos.

(Diario de Pernambuco, 24/07/2010)

Cineastas fortalecem cineclubes


Patativa, sua esposa e Cariry, em cena do filme cedido para circuito cineclubista

Desde o começo do mês, os documentários Patativa do Assaré: ave poesia (2008), Rosemberg Cariry, e Chama Verquete (2001), de Luiz Arnaldo Campos e Rogério Parreira estão circulando em sessões gratuitas em todo o Brasil. Os realizadores abriram mão dos direitos de exibição pública em prol do fortalecimento de uma rede alternativa de exibição de filmes, formada por cerca de duas centenas de cineclubes do país. A programação segue até setembro.

Em Pernambuco, o filme de Cariry será exibido primeiro no Cineclube Amoeda Digital. A sessão será hoje, às 18h, no Bar Central (Rua Mamede Simões, 144 – Boa Vista). Além do Amoeda, oito cineclubes pernambucanos participam do circuito: Centro Escola Do Manguê (Recife), Cine Califórnia (Recife), Cineclube Alternativo São José (Afogados da Ingazeira), Cineclube da ABD-PE / APECI (Recife), Cineclube da Associação Quilombola Conceição das Crioulas (Recife), Cineclube do Bom Jardim (Bom Jardim) e Cineclube Iapôi (Goiana). Para saber o dia e hora de cada sessão, ou inscrever um cineclube no circuito, é preciso consultar o blog da Federação Pernambucana de Cineclubes (Fepec): www. fepec.blogspot.com .

O Circuito Patativa / Verquete é a primeira ação de um projeto que visa democratizar o acesso a filmes brasileiros, promovido pelo Conselho Nacional de Cineclubes, em parceria com o Cine Mais Cultura, do Governo Federal. Para Antônio Claudino de Jesus, presidente do CBC, esta é uma demonstração da força nacional do movimento. “Os cineclubes funcionam separadamente. O circuito serve para manter a unidade territorial, pois assim garantimos uma identidade de ação conjunta”.

Coordenador do Cineclube Amoeda Digital e presidente da Fepec, Gê Carvalho atribui a realização do circuito à generosidade dos realizadores. “Cariry não liberou o filme dele, que ainda está em cartaz em cinemas comerciais, por ser uma pessoa legal, mas porque tem consciência de que o problema do cinema nacional é a falta de janela”.

Cariry, que é presidente do CongressoBrasileiro de Cinema, não só cedeu o filme Patativa do Assaré, como forneceu várias cópias para o acervo dos cineclubes. “Qualquer ação como esta merece total apoio. A indústria do audiovisual brasileiro está produzindo atualmente cerca de 100 longas e centenas de documentários e curta-metragens que muitas vezes sequer encontram espaço para serem lançados publicamente. Este fato além de frustrar os realizadores, inibe o desenvolvimento da indústria nacional”.

Carlos Reichenbach, João Batista de Andrade e Gustavo Dahl são outros cineastas que cederam suas obras para exibição nos cineclubes. Claudino diz que esta ação cumpre uma a missão de defender os direitos do público e do cinema independente brasileiro. “A produção nacional quase não tem espaço nos cinemas de shopping. O público tem o direito a assistir a esses filmes e essa é a razão da existência do movimento cineclubista. Mais de 90% dos filmes nacionais são feitos com dinheiro público. Nada mais justo do que eles retornem ao público, gratuitamente”.

Mais Cultura amplia raio de ação

Para incentivar a difusão do audiovisual brasileiro, o Ministério da Cultura contemplará cem novos pontos de exibição audiovisual através do programa Mais Cultura. Desta forma, criou o edital nacional Cine + Cultura, que está disponível para inscrições até 18 de abril. O foco é voltado prioritariamente para núcleos localizados nas periferias de grandes centros urbanos, como é o caso do Recife.

Os cem projetos contemplados receberão equipamento de projeção digital, uma câmera MiniDV, obras do acervo da Programadora Brasil e oficinas de capacitação cineclubista. O objetivo é reforçar a rede de exibição não comercial, circuito de difusão que movimenta a produção independente, e muitas vezes não conta com o devido reconhecimento.

O lançamento do edital ocorreu em 11 de fevereiro, durante o Encontro Nacional com Novos Prefeitos e Prefeitas, em Brasília. As honras ficaram por conta do secretário do audiovisual Silvio Da-Rin, que esteve na primeira sessão deum Cine + Cultura, em São Sebastião da Boa Vista, arquipélago do Marajó, no Pará. A cerimônia foi transmitida por webconferência. Naquele mesmo momento, sete Cines + Cultura já contemplados por oficinas realizaram sessões nos estados do Acre, Bahia, Paraíba, Goiás, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Eles fazem parte dos 80 contemplados pela primeira edição do edital, cujo resultado saiu em 2006.

De acordo com Frederico Cardoso, coordenador executivo da ação, chegar a 1200 pontos de exibição ao final de 2010 seria uma estimativa conservadora. “Nossa equipe está trabalhando para chegarmos aos 2 mil pontos de exibição. Apesar de não podermos encarar como meta oficial zerarmos o número de cidades sem projeção audiovisual coletiva, a partir da relação iniciada com as prefeituras, certamente podemos sonhar esse sonho e iniciar o processo”.

Gê Carvalho, presidente da Federação Pernambucana de Cineclubes, vê a profusão de editais específicos (como este, do MinC, e outros, como o do Funcultura) como resultado da articulação do movimento cineclubista. “É muito comum os cineclubes se envolverem na formação de platéia e deixar de lado a sustentabilidade. Por isso, esse formato de fomento é uma boa solução porque oferece estrutura e orientação para que a atividade não seja baseada somente na aventura”.

Regionalmente, a Representação Nordeste do Ministério da Cultura irá trabalhar na divulgação e orientação do edital do Cine + Cultura com bibliotecas comunitárias da RMR, que já integram a ação Pontos de Leitura. Além disso, haverá parceria com a Fepec. Telefone para informações do MinC-NE: 3224-0561.