Cine PE faz gol de placa

Cinema e futebol. Sob o signo das duas artes, o 15º Cine PE – Festival do Audiovisual começa hoje, fazendo o que sabe melhor: atrair gente. E o festival das multidões deve manter a fama hoje à noite, ao homenagear Wagner Moura e o Rei Pelé. Imprensa nacional e local engrossam o coro: este ano, o credenciamento aumentou em 30%. Isso inclui cobertura da Globo, ESPN, do CQC e de equipe da Al-Jazira, que realiza documentário sobre os 70 anos do rei do futebol.

Antes das honrarias, será exibido o documentário Cine Pelé, de Evaldo Mocarzel (Do luto à luta), média-metragem de 60 minutos montado a partir de quatro horas de entrevista sobre sua carreira no cinema. O material de arquivo completa a experiência. “Sou um ator razoável. Era jogador de futebol e sempre gostei de interpretar. Essa homenagem me deixa feliz. Amo o povo de Pernambuco”, diz Pelé, no documentário. Em resposta, o diretor do Cine PE Alfredo Bertini diz que deve o festival a Pelé. “Em 1994, foi ele quem me apresentou a Anibal Massaini ao presidente do Festival de Gramado, de onde voltei com a ideia de realizar um festival em Pernambuco”.

O corte que será visto hoje foi feito especialmente para o evento. Mocarzel trabalha outra versão, de 25 minutos, que deve ser exibida em junho no programa Retratos Brasileiros, do Canal Brasil. “Explorei um lado menos conhecido do Pelé, que é sua carreira no cinema. Tem também um pouco da paixão dele pela música e uma palinha sobre futebol, senão seria linchado por 3 mil pessoas no Cine PE”, conta o diretor. “Quis fazer um filme de cinema, fugindo do formato televisivo. Tenho muito carinho pelo festival, o reconhecimento em Do luto a luta (sete prêmios) em 2005 me deu gás pra fazer cinema por mais dez anos”.

Na conversa com Mocarzel, Pelé diz que quando fez Fuga para a vitória estava em crise no casamento e recebeu conselhos de John Houston, que já havia passado por vários. E que teve uma lição de atuação com Max Von Sydow. O veterano ator de Bergman disse que mesmo com toda a tecnologia, o cinema é feito de uma coisa que nunca vai mudar: a luz, com quem o ator tem que contracenar. E que o gol de bicicleta final, feito por Pelé, seria de Sylvester Stallone, mas o astro de Rambo e Rocky não conseguiu realizar o movimento.

Durante a expedição pela memória do Rei, Mocarzel diz que há certa quebra de sua imagem de bom moço. “Ele fala sobre os bastidores da cena de nudez feita em Pedro Mico com Tereza Raquel, mulher do diretor Ipojuca Pontes”. E em Os trombadinhas, no qual co-escreveu o roteiro e foi um dos produtores, há uma cena em que a vigarista Ana Maria pergunta: “Pelé?”, ao que ele responde: “Não, Jô Soares, sua piranha!”. Mais incorreto, impossível.

Rivalidade no boxe

A relação cinema/esporte marca a abertura do Cine PE também na mostra competitiva de curtas. Inédito, o documentário Vou estraçaiá, de Tiago Leitão abre a mostra digital e retoma a rivalidade entre dois pulgilistas do boxe amador: o pernambucano Luciano “Todo Duro” e o baiano Reginaldo “Holyfield”.

Nos fim dos anos 1990, eles se enfrentaram seis vezes no ringue (três vitórias para cada) e também fora dele, em programas de TV. No doc, ambos relembram a rixa. Aos depoimentos, Leitão costura imagens de arquivo. Como a dicção dos dois é terrível, faz falta a legendagem.

Ao estilo dos lutadores, o curta foi feito “na raça”, com orçamento zero. “Sou produtor e sempre quis fazer um projeto meu”, diz Leitão. os fãs, uma informação importante: Todo Duro estará na sessão de hoje. Holyfield, não. A revanche fica para uma próxima.

O também pernambucano Janela molhada, de Marcos Enrique Lopes, terá exibição hoje, na mostra de curtas em 35mm. Ele trata da memória do cinema, no caso, da produção pré-Ciclo do Recife, capitaneada pelo imigrante italiano Ugo Falangola.

A estrela do curta é a filha de Falangola, Dona Didi, que quando criança aparecia nas vinhetas de abertura dos filmes do pai. Hoje com 92 anos – e 86 sem filmar, Dona Didi iria à sessão de hoje, mas teve que cancelar por conta de uma queda que levou. Ironia: agora apenas na tela, Pelé volta a encontrar Didi.

Pelé na tela

Pelé Eterno (2004), de Anibal Massaini Neto
Hotshot (1987), de Rick King
Os Trapalhões e o Rei do futebol (1986), de Carlos Manga
Pedro Mico – uma lição de malandragem (1985), de Ipojuca Pontes
Os trombadinhas (1979), de Anselmo Duarte
Isto é pelé (1974), de Eduardo Escorel e Luís Carlos Barreto
Passe livre (1974), de Oswaldo Caldeira
A marcha (1972), de Oswaldo Sampaio
O Barão Otelo no barato dos bilhões (1971), de Miguel Borges
O Rei Pelé (1962), de Carlos Hugo Cristensen
O preço da Vitória (1959), de Oswaldo Sampaio

Programação

Hoje, 30 de abril

18h30 – Cerimônia de Abertura
Sons da Esperança, de Zelito Viana (exibição promocional com duração de 10 minutos)
Homenagem: Wagner Moura

Média-metragem Especial: Cine Pelé (Brasil, 2011), de Evaldo Mocarzel
Homenagem Especial: Pelé

Curta-metragem Especial: Uma história de futebol (Brasil, 1998), de Paulo Machline

21h – Mostra Competitiva de Curtas-metragens
Vou Estraçaiá (digital, PE), de Tiago Leitão
Muita Calma Nessa Hora (digital, RS), Frederico Ruas
O contador de filmes (35mm, PB), de Elinaldo Rodrigues
Janela Molhada (35mm, PE), de Marcos Enrique Lopes
A Casa das Horas (35mm, CE), Heraldo Cavalcanti

Amanhã, 1º de maio

18h30 – Mostra Competitiva de Curtas-metragens
Céu, inferno e outras partes do corpo (digital, RS), de Rodrigo John
Tempo de criança (digital, RJ), de Wagner Novais
Braxília (35mm, DF), de Danyella Proença
Cachoeira (35mm, AM), de Sérgio José Andrade
Café Aurora (35mm, PE), de Pablo Polo

20h – Lançamento do Cel-U-Cine

Homenagem: Camila Pitanga

Mostra Competitiva de Longas-metragens
Família vende tudo (35 mm, SP), de Allain Fresnot

(Diario de Pernambuco, 30/04/2011)

Festival de Paulínia ganha fôlego


Marina (Sílvia Lourenço) descobre a capital paulista através do amor e perda de ilusões

Paulínia (SP) – Dois filmes exibidos no último domingo renovaram o fôlego da mostra competitiva de longa-metragens do 2º Festival Paulínia de Cinema. Em hábil demonstração de domínio de linguagem, Quanto dura o amor?, segundo longa de Roberto Moreira (é dele o premiado Contra todos), é potencial concorrente ao troféu de melhor ficção. Entre várias qualidades, a obra tem o mérito de reinventar poeticamente o caos sonoro e visual do centro de São Paulo, um belo trabalho em parceria com o fotógrafo Marcelo Trotta.

De forma articulada, o roteiro concatena histórias geograficamente situadas no mesmo quadrante da Av. Paulista. São três narrativas paralelas, interligadas por implicações trágicas e arroubos de delicadeza das histórias de amor. Marina (Sílvia Lourenço), atriz recém-chegada à capital paulista, que descobre a cidade através da performer tatuada Justine (Danni Carlos, mezzo Amy Winehouse, mezzo musa de Guido Crepax), que se apresenta num inferninho da Rua Augusta.

Marina divide apartamento com Suzana (Maria Clara Spinelli), advogada de feições andróginas que se envolve com um colega do fórum. Elas moram no edifício Anchieta (na Consolação) e têm como vizinho Jay (Fábio Herford), escritor frustrado que se coloca em situações ridículas por estar apaixonado por uma garota de programa (Leilah Moreno).


Danni Carlos é Justine e Paulo Vilhena faz o namorado / dono da boate

Ontem, na coletiva de imprensa, o diretor disse que o projeto inicial se chamava Edifício Jaqueline, “multiplot” com 60 personagens que vivem naquele condomínio. Para manter a unidade narrativa, optou por três histórias. De forma que o filme centra foco principalmente no drama de Marina e Suzana, não somente por morarem sob o mesmo teto, mas pela crença de que, no auge de suas paixões, possam atingir seus grandes objetivos na vida.

Assim como a cidade, a trilha sonora é elemento básico para a compreensão do filme. High and dry, do Radiohead, é apenas uma das canções a conferir densidade dramática ao todo. “Depois de muita discussão, descobrimos que a banda que todos mais gostavam era Radiohead. As outras poderiam ser de PJ Harvey, mas preferimos algo um pouco mais cabaré. Tudo sai da personagem Justine, do contexto das boates de São Paulo”, explica o diretor.

Um momento que promete abalar o público do circuito comercial (estreia prevista para setembro) é a revelação próxima a de Traídos pelo destino (1992), só que bem menos apelativa, pois não monopoliza a atenção ou ofusca as demais virtudes do filme.

A notícia, que a esta altura deve estar repercutindo imprensa afora, diz respeito a Spinelli, atriz escalada para interpretar Suzana. Na coletiva, ela assumiu a transexualidade (e havia sinceras dúvidas a esse respeito), assunto no qual todos queriam tocar, mas não sabiam exatamente como. Ela disse que com isso não pretende se promover ou levantar bandeiras. “Faço esse filme não por militância, mas porque quero ser atriz. Quando represento, sinto que tenho uma função no mundo. Aceitei o papel porque me trataram com dignidade e quiseram contar essa história de maneira original”.

O documentário Sentidos à flor da pele, de Evaldo Mocarzel, deu “voz”a deficientes visuais, entre eles, o pai do montador Marcelo Moraes. O filme chamou atenção por adentrar na filosofia da imagem e, por um viés menos quase acidental, clamar pelos direitos dessas pessoas. Não por acaso, Seu Antônio Moraes foi o primeiro entre cinco entrevistados a falar sobre reminiscências de imagem e como é possível “enxergar” mesmo sem o privilégio da visão.

Experiências foram feitas no sentido de projetar fotografias em seu rosto, enquanto ele descreve a cena guardada na memória. Em outra situação, um advogado cego manipula uma câmera de vídeo, e faz referência ao fotógrafo cego apresentado pelo filme Janela da alma. “Continuamos a enxergar, pois o homem vê o mundo com cinco sentidos”. Uma mulher de 20 anos e lindos olhos verdes conta que não gostaria de voltar a enxergar, para não “quebrar a imagem” que fez do mundo ao longo da vida. “Minha mãe é mais bonita do que como os outros a devem enxergar”, disse a garota.