Pernambucanos em Roterdã

O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, estreia mundialmente no próximo dia 1º

Neighbouring sounds. Rat fever. The hyperwomen. Walt Disney Square. Quatro novos títulos do cinema pernambucano, na forma como serão apresentados no Festival de Roterdã, na Holanda. O evento começou no último dia 25 e, dos nossos, já exibiu o premiado Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira. Hoje é a vez de Febre do rato, o convulsivo terceiro longa de Cláudio Assis, ter sua primeira exibição internacional. Em 2007, Cláudio levou o Tiger Award em Roterdã por Bog of beasts, ou melhor, Baixio das bestas. Desta vez, está fora de competição, reservada a diretores estreantes ou no segundo filme.

É o caso de Kleber Mendonça Filho, que ano passado esteve em Roterdã com Recife frio e agora estreia na ficção de longa-metragem com O som ao redor. Tanto ele quanto As Hiper Mulheres, de Leonardo Sette, Carlos Fausto e Takumã Kuikuro serão exibidos no próximo 1º de fevereiro, o primeiro em competição, o segundo na mostra Bright Future.

Realizado com R$ 1,8 milhão, O som ao redor traz Irandhir Santos (também protagonista de Febre do rato) como segurança particular, contratado por rua de classe média no bairro de Setúbal, onde uma família é dona da maior parte dos imóveis. Segundo o realizador, que atuou como crítico de cinema por mais de dez anos e passou os últimos 14 meses na mesa de edição, o filme é sobre paranoia, medo e vingança, calcado no Recife atual, em que, apesar dos avanços, muito coisas permanece regido pela tradição e carga histórica.

“Não que seja um arremedo preciso da realidade, mas uma interpretação honesta”, diz Kleber. “Ele tem uma naturalidade sobre o banal, mas tenta ser real sobre o que se vive no Brasil, que tem ao mesmo tempo uma cultura muito linda e muito feia”.

A recorrente presença pernambucana no Festival de Roterdã nos levou a procurar o curador do evento, Gerwin Tamsma. Na entrevista a seguir, ele discorre sobre as razões que despertam interesse na nossa cinematografia.

Entrevista >> Gerwin Tamsma: “O cinema inovador tem sido feito em lugares distantes”

Nos últimos anos, vários filmes pernambucanos foram selecionados por Roterdã. Não deve ser por motivos puramentes geográficos.
Não apenas geograficamente, mas também do ponto de vista histórico, o Recife está mais perto da Holanda do que de São Paulo ou Rio de Janeiro, não porque nos importamos mais com a periferia. Mas porque, nos últimos 30 anos, o cinema que consideramos, inovador ou interessante, tem sido feito em lugares distantes. Nos últimos anos, cineastas de Pernambuco receberam apoio do Hubert Bals Fund, como Claudio Assis e Kleber Mendonça, que este ano estão em Roterdã com filmes bem diferentes um do outro, assim como do mainstream brasileiro. Mas acho muito específicos por se relacionar com o Recife. Sim, estou muito consciente de uma tendência de Roterdã em exibir filmes de Pernambuco: mas isso acontece não porque são periféricos, underground ou políticos. Mas porque eles são bons.

Qual a importância em colocar filmes de países periféricos em foco?
O Festival de Roterdã tem uma longa tradição de apresentar e promover filmes de regiões e lugares periféricos – talvez porque esteja situado em uma cidade portuária e com muito vento. Não importa se o filme é feito na China campestre, em favela filipina, em aldeia pernambucana ou vila esquimó. Em muitos países, há determinados períodos em que filmes periféricos são mais interessantes do que a produção do centro: por um tempo, isso foi verdade na Itália; agora, na França e também no Brasil, onde jovens cineastas de Belo Horizonte, Fortaleza e Recife têm feito trabalhos interessantes. O que não significa que não há filmes interessantes em São Paulo ou Rio.

Há conotações políticas na escolha dos filmes, ou ela se dá totalmente por motivos estéticos?
A decisão nunca passa por interesses políticos, muito menos pela inclinação específica por filmes underground, termo que só muito parcialmente cobre o nosso interesse. Algumas das grandes descobertas de Rotterdã na última década vieram do México (Carlos Reygadas) e Tailândia (Apichatpong Weerasethakul). Mas estou igualmente satisfeito porque fomos a primeira plataforma internacional para Tomas Alfredsson (Deixa ela entrar), da Suécia, país que, do ponto de vista brasileiro, está bem mais próximo da Holanda.

(Diario de Pernambuco, 28/01/2012)

Utopia anárquica no Recife

Sexta à noite, 1º de outubro de 2010. Cláudio Assis e equipe rodavam a sequência final de Febre do rato na beira do Rio Capibaribe, lado oposto ao Cinema São Luiz. À época, o cinema serviu de base de produção de figurino e camarim. Cláudio disse que passava por trás da tela. Do lado oposto, o cinema exibia o clássico Belíssima, de Luchino Visconti. Na plateia – e logo depois da sessão, em vista ao set – estava Kleber Mendonça Filho, que pouco mais de um ano depois inicia o Janela Internacional de Cinema do Recife com o novo longa de Assis.

O ciclo se fecha. O próprio São Luiz está no filme, em belo travelling feito do leito do Capibaribe, evocando a New Orleans de Down by Law (1986), de Jim Jarmusch. “Febre do rato é um retrato artístico do Recife. Como este ano a Janela volta-se para a cidade e para o mundo, não deu muito trabalho encontrar o filme de abertura”, diz Kleber. De volta ao São Luiz, desta vez do lado de cá da tela, Febre do Rato deve causar reações parecidas com outros filmes do diretor de Amarelo manga e Baixio das bestas. Ou adorado, ou de rejeitado.

Difícil é permanecer indiferente à utopia que Cláudio Assis imprime ao roteiro e poesia de Hilton Lacerda. Além da dupla, a exibição de hoje terá presença maciça de equipe e elenco: Julia Moraes, Walter Carvalho, Renata Pinheiro, Karen Harley e os atores Irandhir Santos, Matheus Nachtergaele, Juliano Cazarré, Mariana Nunes e Tânia Moreno. Nanda Costa ainda não sabe se virá, está gravando série da Globo em Santa Catarina.

No filme, Irandhir é Zizo, poeta de rua, anarquista convicto, vetor que movimenta o filme. Em ascensão meteórica, o ator oferece o que pode ser a sua melhor performance, até o momento. Já a global Nanda Costa é Eneida, musa inspiradora de Zizo, com quem protagoniza a famosa cena de nudez, que no Sete de setembro de 2010 culminou em ação policial na Rua da Aurora, notícia dada com exclusividade pelo Diario.

Matheus Nachtergaele é o coveiro Pazinho, que com o travesti Vanessa, faz o casal mais conservador da turma, com direito a traição, crises de ciúme e DR em público, com choro e reconciliações. Cazarré e Mariana, ao lado dos músicos Vitor Araújo e Hugo Gila, formam a ala radical do amor livre. Delírio, prazeres e celebração são o combustível para Zizo / Cláudio convocar a população contra as dores de se morar no Recife. É o cinema como poesia, calcado em um olhar crítico e sem concessões sobre uma cidade em tons de cinza. E contrastes preto e branco.

Uma cidade feita de sonhos – Hoje o Recife assistirá a primeira exibição de Febre do Rato depois da consagração no Festival de Paulínia – nada menos do que oito prêmios. Depois, garante Cláudio, só quando o filme estrear, em março do ano que vem. Ou então, talvez, em grande festival internacional. “Embora não faça filmes para ganhar prêmio, ter sido reconhecido faz bem pois a mídia espontânea pode atrair mais público”, conta o diretor, na ladeira de São Francisco, Olinda, pouco antes de visitar o set onde Hilton Lacerda roda seu primeiro longa, Tatuagem.

Hilton é parceiro de primeira hora de Febre do rato, que surgiu em 2003, nos Quatro Cantos de Olinda, durante as filmagens de Amarelo manga. Não deve ser coincidência que o mesmo local é ponto de encontro da poesia marginal, principal inspiração para o filme. Agora, é a vez de Cláudio contribuir na produção do amigo, onde faz participação especial. Matheus Nachtergaele, que veio prestigiar o lançamento de Febre, também visitou o set e acabou entrando nas cenas.

Febre do rato é amor, de acordo com Cláudio. Mas também é revolta, rebeldia, indignação com um Recife de fortes diferenças. Daí a fotografia em preto-e-branco. Se a poesia do corpo é de Irandhir, a declamada é escrita por Hilton. No entanto, Cláudio cita Carlos Pena Filho para explicar a relação de amor e dor com a cidade.

“Cheguei ao Recife pelo movimento estudantil e sei que essa cidade é boa e ruim, o quanto ela pode ser cruel, maltratar principalmente quem mora nas favelas. Por um lado é bela, Veneza Americana, porta de entrada da Europa, mas os verdadeiros moradores da cidade, como os dos Coelhos, no centro da cidade, vivem em condições vergonhosas. O cinema tem que denunciar isso. Sem ser panfletário, pois não sou político, sou cineasta”.

Na apresentação do filme, Cláudio disse que quer mostrar ao público a quantidade de profissionais pernambucanos que fazem parte da equipe. E continua a tecer duras críticas à prefeitura do Recife, que prometeu, mas não investiu dinheiro no filme. “A prefeitura não tem política cultural. A não ser aquela virada eleitoral, aquela enganação”.

Quanto ao governo do estado, principal patrocinador do filme ao lado da Petrobras, só elogios. “Fui contemporâneo de Eduardo Campos na faculdade de Economia da UFPE. Sempre foi acessível. O Baile perfumado só existe por causa dele, que liberou o dinheiro que faltava para o filme terminar”.

E agora, que se transbordou de tanto amor e poesia, que fará Cláudio Assis? Planos não faltam. “Tenho três projetos, um deles para fazer um filme infantil com Paulo Lins (escritor de Cidade de Deus). Os outros dois é adaptar um livro inédito de Xico Sá, já aprovado pelo fundo setorial do audiovisual e outro com Anna Muylaert, chamado Piedade, que é sobre homens, tubarões e extração petróleo”.

Saiba mais

Depois da sessão de Febre do rato, tem festa de abertura do Janela de Cinema. A discotecagem com DJ Tutu Moraes (Festa Santo Forte / SP), Jr. Black e Claudio N. (Chambaril), em novo espaço para eventos no centro do Recife: o terraço do Edifício Tebas (Av. Nossa Senhora do Carmo, 60 – Santo Antônio). Ingressos à venda no Castigliani Cafés Especiais (Cinema da Fundação – Derby) e no local, a R$ 20.

Durante todo o festival (de hoje a 13 de novembro), haverá um espaço de convivência no primeiro andar do Cinema São Luiz. Segundo a organizadora, Cris Gouveia, a ideia é criar um “espaço de remanso”, com opções culturais e gastronômicas.

Serviço
Cerimônia de abertura da 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife
Onde: Cinema São Luiz
(Rua da Aurora, 184 – Boa Vista)
Quando: Hoje, 20h30
Quanto: R$ 4 e R$ 2 (meia)
Informações: 3184-3157

(Diario de Pernambuco, 04/11/2011)

Um poeta no cinema

Irandhir Santos se supera a cada papel. Em Febre do rato ele brilha como um poeta em estado convulsivo, que trata os seus com generosidade e olha para o Recife com a indignação de quem não se curva perante a falta de amor que assola a cidade. “Com os poros abertos”, como diz em entrevista exclusiva ao Diario, ele é o grande condutor emocional do filme. Nele, a poesia flui, intensa, primeiro de sua atitude, depois nas palavras, preciosas, caudalosas, escritas pelo roteirista Hilton Lacerda.

Não é a primeira vez que o ator é premiado em Paulínia. Em 2009, Irandhir se destacou pela atuação em Olhos azuis, de José Joffily. Depois disso, projetou-se nacionalmente em Besouro, Quincas Berro D’Água e Tropa de Elite 2. No entanto, depois da experiência à flor da pele vivida em Febre do rato, o ator diz que precisa refletir sobre os próximos projetos. “Quero estar em histórias que façam diferença, que possam tocar”. Um deles é Tatuagem, de Hilton Lacerda, que começa a ser rodado em novembro no Recife.

Em Febre do rato, você está em transe constante. Como foi viver Zizo?
Foi uma experiência arrebatadora e desafiadora. Sempre procurei ser sincero no que faço, mas esse trabalho foi especial. Tenho o máximo de cuidado entre um trabalho e outro, estava acabando o filme de Kleber Mendonça (O som ao redor) e confesso que a entrada do Zizo foi algo inesperado e assustador. Mas depois de ler o roteiro começou o encantamento, a possibilidade de me enxergar de outra maneira. Tinha pouco tempo e queria o máximo de referências. Então determinei: “Irandhir, mergulhe, vá atrás, se deixe envolver”. Quando saí de Olinda para a edícula que Renata Pinheiro construiu, foi um jogo de abertura de poros, de sentimentos e de atenção máxima para procurar o que iria me ajudar em tão pouco tempo. Precisava de segurança, num projeto em que a improvisação é igualmente importante. Ao mesmo tempo, enquanto Zizo construiu o mundo dele, quando ia pra fora, no mundo real, ele precisa transformá-lo.

O filme é baseado em texto de Hilton Lacerda, 100% recitado por você. Como chegou ao domínio da palavra?
Quando vi o grande volume de poesia, quis me apropriar, mas percebi que não conseguiria, porque os poemas não eram meus. Precisei me aproximar do Hilton para compreender. Ele falou da origem de cada poema, foi algo tão generoso e aberto que tive acesso ao sentimento primeiro que o despertou. Peguei isso pra mim, a partir dali me aproximei dos poemas. É interessante porque já fiz um poeta, o Quaderna em A Pedra do Reino. Mas foi diferente, porque ele partia da palavra para o mundo, enquanto o Zizo tem uma postura diante do mundo, para somente então escrever os poemas. Por isso, antes tive que investir na atitude.

Que referências você usou para compor o personagem?
Dos poetas dos anos 1970 e também os atuais: Lirinha, Otto, Miró. E a música do Ave Sangria, que quando ouvi tocando no camarim, fez um “clic”: esse será o meu embalo.

Como foi a experiência de atuar com o corpo nu?
Profissionalmente, nunca fiquei sem roupa a ponto de atuar sem perceber isso. Foi um processo de abertura sincera, até para denunciar o que doía. Não é um exercício fácil, você se expõe. Confesso que sou muito retraído, observador, isso faz parte do trabalho de ator. Mas uma gama de coisas foi acontecendo e me direcionando a favor para a construção de um mundo. Se no quintal da casa de Zizo ficava à vontade sem roupa, na rua, mesmo vestido, me sentia nu.

A impressão que o filme passa é que ele é apenas uma amostra da vivência do elenco e equipe. Que boa parte do que rolou ficou de fora da edição ou nem mesmo foi filmado.
Foi exatamente isso que aconteceu. Uma intimidade foi construída para chegar ao estágio do filme. Na casa de Zizo, reorganizei tudo do meu jeito. Sabia onde estava cada caneta, livro, quadros. Quando ia para a pousada dormir era o momento de refletir, repensar o dia.

E o que ficou do Zizo, depois das filmagens?
Zizo, seus amigos são quem eles são, não existem máscaras ou barreiras. A maneira como ele encara a paixão arrebatadora por Eneida (Nanda Costa), se deixa levar por isso, se atreve. Pessoalmente, isso me reaproximou da minha família. E me fez refletir sobre os próximos projetos, que histórias quero participar como artista. Cláudio Assis tem muito a falar, seu cinema tem muita importância. Isso mexe no senso de julgamento para os próximos.

Em breve será lançado o longa O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho. Como foi trabalhar nesse filme?
Sou fã absoluto de Kleber, mas através de amigos, sempre soube que ele nunca gostou de trabalhar com atores. Mas o encontro aconteceu, foi uma descoberta de ambos. O Kleber é um “ouvido ambulante”, escuta o que você acha do filme, processa e te devolve na medida correta. Ele promove a confiança e é genial porque aquilo faz parte de algo maior, uma coletividade. E ele tem algo em comum com Cláudio, a inspiração pelo Recife, o mote para tratar sobre o crescimento desordenado da cidade.

Fale um pouco sobre Tatuagem, seu próximo trabalho.
Fui convidado no começo do ano e há dois meses recebi o roteiro. Tenho conversado com o DJ Dolores sobre as músicas que serão dançadas e cantadas no filme. Serei o protagonista, Clécio, o cabeça de um grupo de teatro performático, que adora a arte da representação, o transformismo. Apesar dos parcos recursos, ele monta uma companhia e vive disso. Ele vive uma história de amor com outro cara, de mundo supostamente diferente do dele. Tudo se passa na década de 1970, mas o filme fala das condições dos artistas de hoje.

(Diario de Pernambuco, 16/07/2011)

Febre do rato contagia Paulínia


Premiado em oito categorias, o longa-metragem pernambucano Febre do rato saiu consagrado do 4º Festival Paulínia de Cinema. Em atitude ousada, o júri formado pela atriz Denise Weinberg, a diretora de fotografia Heloisa Passos, a crítica de cinema Isabela Boscov, o documentarista Gustavo Moura e o diretor Sérgio Rezende contrariou as expectativas de que um filme mais convencional seria contemplado – havia dois bons candidatos, os “filhos de Paulínia” O palhaço, de Selton Mello e Trabalhar cansa, de Juliana Rojas e Marco Dutra. Incorporar a irreverência da trupe de Febre do rato faz bem para a imagem do festival, que em apenas quatro anos, já é um dos maiores do país.

Na noite de quinta-feira, Febre do rato ganhou oito prêmios: melhor filme (júri oficial e crítica), ator, atriz, fotografia, montagem, direção de arte e trilha sonora. Apesar de sóbria, a cerimônia marcada por palavrões. O famoso bordão de Cláudio, “do c…”, foi repetido inúmeras vezes, inclusive por Selton Mello, ao receber o prêmio de melhor diretor. E também pelo secretário de Cultura, Emerson Alves, ao fazer o balanço do evento, que por sete dias atraiu 12 mil pessoas (27 mil, com os três dias de shows do Paulínia Fest). “Precisamos respeitar esse público. Provamos que ele pode encher os cinemas que passam filmes nacionais. Quanto à decisão do júri, ele poderia tomar a decisão mais simples e distribuir os prêmios igualmente. Mas com essa premiação, conseguimos o que todo festival quer. Ser o lugar onde diferentes vertentes podem se encontrar”.

Além dos oito troféus Menina de Ouro, a equipe de Febre do rato foi premiada com R$ 370 mil em dinheiro. Em resposta à pergunta recorrente sobre por que Paulínia, já que seu reduto tem sido o Festival de Brasília, Cláudio Assis responde: “quero encontrar o público, mostrar para ele que, quando se acredita numa ideia, podemos ir além e conseguir”.

Ao receber seu prêmio, a atriz Nanda Costa, invocou Clarice Lispector para descrever a experiência de ter feito parte da inflamada trupe de Febre do rato. “Depois do medo vem o mundo”. Zizo, o transbordante personagem vivido por Irandhir Santos, é uma homenagem a vários poetas, mas Xico Sá se lembrou do amigo de mesmo nome com quem andava nos anos 1980. “A diferença é que Zizo é feio e Irandhir, bonito”, disse o escritor, um dos responsáveis pelo argumento do filme. “O filme é ficção, mas funciona como documentário da minha geração, que frequentava o Beco da Fome. E atrapalhar a marcha do Sete de Setembro fazia parte da performance. Poesia é política. Glauber disse que isso seria demais para um homem só, por isso a dor. Nesse sentido, Febre é um pós-Terra em transe”.

No entanto, o momento mais emocionante da noite veio de Vladimir Carvalho, ao receber o prêmio de melhor documentário por Rock Brasília. Também premiado, seu irmão Walter Carvalho estava ausente por motivos de trabalho, mas agradeceu a Cláudio e a Vladimir, a quem chamou de poetas do cinema brasileiro. Em resposta emocionada, Vladimir disse que foi mais do que irmão de Walter, pois precisou criá-lo após a morte do pai. “Waltinho tinha apenas um ano de idade”. Com 50 anos de carreira, o diretor paraibano diz que o prêmio é uma injeção de ânimo. “Nem tudo são flores no nosso cinema. Há muita luta, muito que melhorar. No entanto, olho para Paulínia e vejo um oásis de esperança, de sinergia, de consequências positivas”.

* O repórter viajou a convite do Festival Paulínia de Cinema

Os premiados

Longa-metragem (Júri Oficial)

Melhor ficção
Febre do rato, de Cláudio Assis

Melhor documentário
Rock Brasília – era de ouro, de Vladimir Carvalho

Melhor diretor (ficção)
Selton Mello (O palhaço)

Melhor diretor (documentário)
Maíra Buhler e Matias Mariani (Ela sonhou que eu morri)

Melhor ator
Irandhir Santos (Febre do rato)

Melhor atriz
Nanda Costa (Febre do rato)

Melhor ator coadjuvante
Moacir Franco (O palhaço)

Melhor atriz coadjuvante
Maria Pujalte (Onde está a felicidade?)

Melhor roteiro
Selton Mello e Marcelo Vindicatto (O palhaço)

Melhor fotografia
Walter Carvalho (Febre do rato)

Melhor montagem
Karen Harley (Febre do rato)

Melhor som
Gabriela Cunha, Daniel Turini
e Fernando Henna (Trabalhar cansa)

Melhor direção de arte
Renata Pinheiro (Febre do rato)

Melhor trilha sonora
Jorge Du Peixe (Febre do rato)

Melhor figurino
Kika Lopes (O palhaço)

Prêmio Especial do Júri
Trabalhar cansa, de Juliana Rojas e Marco Dutra

Curtas (Júri Oficial)

Melhor filme
Tela, de Carlos Nader

Melhor direção
Gabriela Amaral Almeida (Primavera)

Melhor roteiro
Gustavo Suzuki (O pai daquele menino)

Júri da Crítica

Melhor ficção
Febre do rato, de Claudio Assis

Melhor documentário
Uma longa viagem, de Lucia Murat

Melhor curta
Tela, de Carlos Nader

Júri Popular

Melhor ficção
Onde está a felicidade?,de Carlos Alberto Riccelli

Melhor documentário
A margem do Xingu, de Damià Puig

Melhor curta
Café turco, de Thiago Luciano

(Diario de Pernambuco, 16/07/2011)

A política dos corpos nus

Paulínia (SP) – A produção pernambucana Febre do rato encerrou a mostra competitiva do Festival Paulínia de Cinema de maneira inesquecível. Antes mesmo de o filme começar, durante os agradecimentos, Cláudio Assis deu o tom de alegre ousadia. Beijou toda a equipe na boca, inclusive os apresentadores Rubens Ewald Filho e Marina Person. Pediu ao público que estava no fundo do teatro que viesse para as cadeiras da frente, reservada ao elenco. “Meu elenco senta no chão. E pode chamar quem ficou lá fora. Tem lugar pra todo mundo. A gente faz cinema assim, com emoção, vontade”, disse. Falou palavrões. E ainda convidou a todos para dançar.

Certamente, em seus quatro anos, o festival nunca havia mostrado um filme assim. Exibido anteontem, o longa de Cláudio Assis elevou à enésima potência o nível da competição, até então dividida entre o existencialismo colorido de O palhaço e a visão impiedosa da classe média que degringola em Trabalhar cansa. Assim, além de apoiar a realização de novas produções, Paulínia se firma também como lançadora de filmes nacionais, de olho na vitrine (são 150 jornalistas) e nos prêmios (total de R$ 800 mil – R$ 250 mil para o melhor longa).

Selton Mello fez um belo trabalho como roteirista, diretor, co-montador e ator de O palhaço. Deve ficar com boa parte dos prêmios. Mas será uma injustiça se o júri não reconhecer o desempenho de Irandhir Santos como o poeta Zizo. Com emoções à flor da pele e uma fluidez verborrágica para o texto de Hilton Lacerda, Irandhir está entregue ao papel de tal forma que, sem ele, Febre do rato não teria como existir.

Colaborador dos filmes de Cláudio desde o curta Texas Hotel, o diretor de fotografia Walter Carvalho pintou um Recife monocromático e em cinemascope. Em parte do tempo, a câmera está posicionada debaixo de pontes ou correndo pelo leito do Capibaribe. O poeta Zizo é um personagem autônomo, mas é possível enxergar nele poetas marginais do Recife, como o próprio Zizo, Erickson Luna, França e Miró. “É a nossa forma de homenagear essa geração”, disse o roteirista Hilton Lacerda, também autor das poesias.

“Tudo será mostrado com generosidade”, garantiu o diretor, durante as filmagens, em setembro do ano passado. E cumpriu. Não faltam cenas de sexo. Nunca pornográficas, mas eróticas ou bizarras (como quando Zizo se esfrega numa máquina de Xerox). Há um quadrilátero amoroso e a relação romântica entre Pazinho (Matheus Nachtergaele) e a travesti Vanessa (Tânia Moreno). Num tonel, Zizo transa com duas mulheres mais velhas (Conceição Camarotti e Maria Gladys). “O que ele sente por elas é amor, amor que se atreve para reinventar. E o sexo passa por isso”, conta Irandhir.

“O que ele sente por elas é amor, amor que se atreve para reinventar. E o sexo passa por isso”, conta Irandhir. A cena em que Zizo segura Eneida (Nanda Costa) com uma das mãos, para que ela se incline na borda de um barco, enquanto molha a outra mão com a urina da garota, é uma das mais lindas declarações de amor do cinema. Não o amor burguês, paralisante, mas aquele forjado na liberdade, capaz de deflagrar energia criativa. É a política dos corpos nus, cuja genitália é mostrada de forma coloquial, tão comum que voltamos a prestar atenção no filme.

Zizo olha para o Recife como uma utopia possível. Ele edita um jornal impresso no fundo do seu quintal, que divulga microfone em punho, em carro de som. Indignado com o conformismo dos normais, nas palavras do poeta, com o “festival do eu acanhado”, ele circula por favelas e pelo centro da cidade, conclamando a revolta. Evoca Chico Science: “cadê tua ciência pra esclarecer?”. É a cidade reinventada, transcendente.

Com a mesma gana, na coletiva para a imprensa, Cláudio Assis fez o mesmo e assumiu o controle da mesa. Palavras de ordem não faltaram. “O cinema brasileiro é careta”. Muito menos xingamentos, como os dirigidos para os gestores da Prefeitura do Recife. “A gestão do PT é nojenta. Gastamos R$ 1,5 milhão na cidade e a prefeitura não deu um centavo em troca. Pelo contrário, pagamos à CTTU para fechar as ruas”.

O protesto é compreensível. Já disse Glauber Rocha: “A arte é tão difícil quanto o amor”. E o amor não admite meio termo. Para chegar a ele, é preciso coragem, desprendimento, assumir riscos, não ter medo de errar. E isso, Febre do rato tem de sobra.

(Diario de Pernambuco, 15/07/2011)

A vez da Febre em Paulínia

Paulínia (SP) – Febre do rato, novo filme de Cláudio Assis, será exibido pela primeira vez na noite de hoje, encerrando a mostra competitiva do 4º Festival Paulínia de Cinema. Estrelado por Irandhir Santos e Nanda Costa, o filme ainda traz Matheus Nachtergaele, Juliano Cazaré e Vítor Araújo no elenco. A equipe é formada por gente que desde sempre acompanha o diretor: Walter Carvalho (fotografia), Renata Pinheiro (direção de arte), Hilton Lacerda (roteiro). A trilha sonora é de Jorge Du Peixe (Nação Zumbi). Para prestigiar o evento, marcam presença os diretores Marcelo Gomes, Lírio Ferreira e Karen Harley, a atriz Hermila Guedes, Mariah Teixeira, o jornalista e escritor Xico Sá e os músicos Junio Barreto e Lirinha.

Paulínia quer investir na imagem de festival democrático, daí podemos entender a presença de Febre do rato na seleção deste ano. Dependendo de seu teor, um produto autoral e sem concessões pode se tornar corpo estranho no festival, afeito a celebridades e lançamentos comerciais. Como o próprio Assis, que não mede palavras ao dizer o que pensa. No entanto, com exceção de sexta a noite, quando criticou um dos filmes em competição e classificou com palavrões os “mangueboys da prefeitura do Recife”, o diretor tem se mostrado distante da figura beligerante que forjou ao longo da década. Ele sabe que o páreo com Selton Mello e seu O palhaço será duro. A produção é “filha” de Paulínia tem qualidades de sobra para ganhar os troféus principais.

Com distribuição garantida pela Imovision, Febre do rato ainda não tem data de estreia no circuito comercial. Certamente não será em 2011. No entanto, Claudio visualiza uma première no Recife ainda este ano. E já esboça dois novos filmes, um baseado em livro inédito de Xico Sá e outro, em livro infantil escrito por Paulo Lins, autor de Cidade de Deus.

A expectativa em torno do filme tem sido grande. Nove anos após se lançar nacionalmente no Festival de Brasília, Claudio Assis retorna ao Recife como cenário, o que permitirá a revisão de locações emblemáticas como o bairro da Boa Vista, os bares do Pátio de S. Pedro e favelas do centro da cidade. Antes de estrear, o filme chamou a atenção pela repressão policial sofrida durante as filmagens na Rua da Aurora, em que Irandhir, Nanda e outros atores tiraram a roupa publicamente. Publicada primeiro pelo Diario, a notícia repercutiu nacionalmente. Para o diretor, as cenas de nudez não deveriam causar tanto espanto ou causar a ação armada. “O ator tirar a roupa com a rua fechada não tem nada de violento. Violência são esses programas policiais que todo dia passam para as crianças na TV. As pessoas que moram na favela são tratadas de qualquer jeito e depois a classe média não quer a porrada como resposta”.

Não se sabe se a bordoada supracitada – ou qualquer outra – estará na película. Provavelmente sim. No entanto, o diretor define a nova cria como um filme de poesia. “Consegui imprimir coisas que não cabiam em Amarelo manga. É o nosso olhar sobre a vida, o quanto se paga para ser quem você é. Até se encontrar, as pessoas se enganam”, disse o diretor. Febre do rato é também um retorno a fotografia em preto e branco, já experimentada no curta Soneto do desmantelo blue (1993), baseado em obra do poeta Carlos Pena Filho. De acordo com o diretor, não houve muito dilema. “Não tenho tempo para crises. A opção pelo preto e branco foi feita em equipe, para privilegiar a poesia. E a fotografia PB e ideal para isso”.

A solidão artística tampouco tem sido problema para Claudio. “Dizem que eu sou terrível. Sou nada, sou uma besta, um romântico anacrônico. Não importa o que eu sou, o que importa são os filmes. Aprendi cinema fazendo cineclube, não na faculdade, e no tempo em que cineclube não era chapa-branca que é hoje”.

Na produção atual, cita poucos autores com os quais se identifica: Eduardo Nunes, Beto Brant, Hilton Lacerda, Camilo Cavalcante (“que está fazendo o primeiro longa”), Kleber Mendonça Filho (“estou louco pra ver o filme dele”) e Marcelo Gomes. “Aumentou a produção no Brasil, o governo Lula teve muito a ver com isso, em Pernambuco o governo estadual está bem atuante. Novos olhares vão surgir. E cada um faz o que quer, tem quem queira o cinemão de Hollywood, tem quem queira ir pra Globo. O meu cinema é plugado no social e no compromisso com a arte”.

(Diario de Pernambuco, 13/07/2011)

Série Novos Olhares // Um cinema que não sai de cartaz

Walter Carvalho e Cláudio Assis no set de Febre do Rato

O cinema feito em Pernambuco vive um momento inédito. Se sua história é contada em ciclos, este já pode ser considerado o maior e mais fértil. Nunca tantos filmes foram realizados, aplaudidos e premiados como nos últimos anos. Somente na temporada 2009-2011, cerca de duas dezenas de longas em suporte digital ou 35mm estão em fase de preparação, produção ou finalização. Em 2010, seis longas foram rodados no Recife, três com distribuição nacional garantida.

Se num primeiro momento a urgência em se fazer filmes superava as reais condições para realizá-los, hoje não podemos dizer o mesmo. Temos equipamentos, mão de obra especializada, formada em cursos técnicos e prestes a alcançar nível superior, em cursos de graduação oferecidos por três universidades locais. Não por acaso, no começo de outubro o recém-criado curso de cinema da UFPE foi sede do 14º Encontro da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema – Socine.

Essencial para movimentar a cadeia produtiva, o fomento oferecido por órgãos públicos tem sido exemplar. Em 2008 o governo do estado criou edital específico para projetos do audiovisual, o último no valor de R$ 8 milhões. Um terço a mais do que o anterior, quando 95 roteiros de curtas e 35 de longas pleitearam recursos. Nos últimos quatro anos, R$ 33 milhões foram investidos no setor. Festivais se fortalecem e multiplicam, inclusive no interior.

Para Paulo Caldas, que finaliza seu quarto longa, País do desejo, o atual panorama se explica por uma série de fatores, que podem ser resumidos pelo status acumulado nos últimos 20 anos, quando foi retomada a produção no estado. “Esse respaldo é o nosso grande trunfo. Quem trabalha com cinema há mais tempo, percebe a transformação”.

Equipe de O som ao redor comemora o fim das filmagens Foto: Victor Jucá

Kleber Mendonça Filho, que acaba de rodar O som ao redor, arremata: “É incomparável. Com novos processos técnicos e iniciativas se espalhando, a própria ideia de fazer um filme não é mais absurda. É um pouco do que se queria naquela época, acontecendo agora, com cinco longas produzidos em umano. Antes, acontecia um a cada década. Hoje, o país está muito bem financeiramente. E há muito dinheiro para cinema”.


Hermila Guedes e João Miguel no Carnaval cenográfico de Era uma vez Verônica

Marcelo Gomes, que finaliza Verônica seu terceiro longa, afirma que vivemos um ano histórico para o cinema em Pernambuco. “Nunca se rodou tantos longas na cidade desde o Ciclo do Recife, nos anos 1920. Espero que o público assista a esses filmes, agora que temos mais salas exibindo o nosso cinema como o Cine São Luiz e o Cinema da Fundação”.

Uma produção constante e sem sinais de cansaço pode colocar em xeque a tradição de ciclos do cinema local? “Talvez daqui a 20 anos possamos dizer que vivemos um ciclo, mas hoje apenas dizemos que se trata de algo diferente”, afirma o crítico e professor de cinema Alexandre Figueirôa, que enumera uma série de fatores que cuminaram no bom momento para a produção pernambucana, como a proliferação de festivais e a abertura de outros mercados para difusão como o DVD e a internet.

Para ele, a ideia de ciclo vem de momentos específicos que, por razões sociais e econômicas, fez surgir períodos de maior produção em torno de um grupo de pessoas. “Mas basta olhar de perto para ver que nunca se deixou de produzir cinema em Pernambuco. Hoje é diferente porque temos um cinema dentro de uma perspectiva mais aberta, sem hierarquia. E que permite uma continuidade, com menos dependência do modelo institucional de grandes financiamentos. Isso gera longevidade. Por outro lado, sempre tivemos a tradição do audiovisual. Essa vocação, a partir do momento em que encontra cenário favorável, tende a se expandir”.

No entanto, a dependência de recursos públicos leva a refletir sobre a fragilidade da cadeia produtiva. “A partir de Baile perfumado entramos num processo de sustentabilidade discutível”, diz Paulo Cunha, pesquisador e um dos fundadores do curso de graduação em cinema da UFPE. “Espero que haja bom senso da gestão pública, já que a temos uma produção excelente que subsiste justamente pelo apoio estatal. Precisamos garantir que o nosso cinema continue a existir como é, poético, experimental, inovador e avançado. Isso gera um retorno não de bilheteria, mas de grande visibilidade. Seria fantástico dar mais segurança a isso. Caso contrário, essa fase que parece estupenda pode virar outro ciclo e se encerrar”.

Muitos prós e alguns contras

Mais um fato inédito, hoje é possível realizar um longa com equipe 100% pernambucana. Quem garante é Cynthia Falcão, presidente da seção pernambucana da Associação Brasileira de Documentaristas (ABD/PE), com 88 sócios. “Na concepção da ABD, não faltam profissionais de nenhuma área, do diretor aos técnicos de elétrica. Porém, quando se trata de finalizadoras, sabemos que as empresas especializadas em HD e 35mm ainda estão no Sudeste”.

Outro passo à frente é a criação de uma subsede do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematográfica (Stic). “A maioria dos profissionais de cinema de Pernambuco não tem DRT na área. Eles querem regulamentar a atuação no estado, estipular um piso local, organizar melhor a categoria e a forma de trabalho. Pelo Stic, poderemos entrar em contato com as produtoras, estabelecer um diálogo com esse mercado”, diz Cynthia.

A intensificação da atividade e demais conquistas, no entanto, não correspondem a um monitoramento adequado dessa produção. O último foi realizado em 2005 pelo Sebrae-PE. “Na época, atendemos o pleito do Sindicato da Indústria do Audiovisual e tivemos o apoio da Fundação Joaquim Nabuco, que usou a pesquisa para para buscar melhores políticas públicas, como a implantação do Centro Audiovisual Norte-Nordeste e a disponibilização da câmera 35mm para a região”, diz Alexandre Ferreira Gomes, gestor de cultura Sebrae-PE (novo levantamento deve ser iniciado pela ABD-PE assim que terminar o período eleitoral).

Para os realizadores, também há o que melhorar. “De produção, para fazer a coisa andar, o Recife está muito bem servido. Mas a maquinaria utilizada ainda é precária no Recife. Também existe carência de profissionais para esse tipo de equipamento”, diz Kleber. Entre os preparativos de Verônica, Marcelo Gomes entende que as novas tecnologias ajudam bastante, mas, por outro lado, fazer cinema está ficando mais caro. “Temos mais pessoas se especializando e nosso edital está mais aperfeiçoado. Mas ainda falta uma maior sensibilidade do empresariado”.

Linha do tempo do cinema pernambucano

1902 – Primeira exibição de cinema no Recife, no animatógrafo da Rua da Imperatriz

1918 – Ugo Falangola traz o equipamento que deu origem à Pernambuco Film. Em 1924, exibem Veneza Americana

1923 – Gentil Roiz e Edson Chagas fundam a Aurora Filmes

1925 – Com roteiro de Ary Severo, Roiz e Chagas começam a filmar Aitaré da Praia

1927 – A filha do advogado, de Jota Soares, é exibido em 13 salas no Rio de Janeiro

1936 – Em parceria com a ABA Film, imigrante sírio Benjamin Abrahão filma de Lampião e seu bando

1942 – Newton Paiva e Firmo Neto rodam o longa O coelho sai, cuja única cópia foi destruida em incêndio

1952 – Alberto Cavalcanti dirige O canto do mar no Recife; José de Souza Alencar (Alex) foi assistente de direção

1960 – Instituto Joaquim Nabuco patrocina os documentários Aruanda, de Linduarte Noronha e A cabra na região semi-árida, de Rucker Vieira

1964 – Eduardo Coutinho começa a filmar Cabra marcado para morrer que só viria a concluir 20 anos depois

1969 – Fernando Spencer finaliza seu primeiro curta, A busca, em 16mm

1973 – Sérgio Ricardo filma em Nova Jerusalém A noite do espantalho; no elenco, Alceu Valença, José Pimentel e Geraldo Azevedo; 11 filmes pernambucanos se increvem na 2ª Jornada Nordestina de Curta-metragem de Salvador

1976 – Jomard Muniz de Britto dirige o curta O palhaço degolado

1977 – É criado o Grupo de Cinema Super 8 de Pernambuco

1978 – Cleto Mergulhão dirige O palavrão, o último longa-metragem pernambucano até o lançamento de Baile perfumado

1984 – Kátia Mesel funda a Arrecifes Produções e roda Bajado – um artista de Olinda

1985 – Paulo Caldas, Lírio Ferreira, Cláudio Assis, Adelina Pontual e Samuel Holanda fundam o grupo Van-retrô

1996 – Primeira exibição de Baile perfumado(foto), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, no Festival de Brasília

1997 – Primeira edição do festival Cine PE

2003 – Amarelo Manga, de Cláudio Assis é sete vezes premiado no Festival de Brasília

2005 – Cinema, aspirinas e urubus é exibido na seleção oficial da Mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes

2006 – Baixio das bestas, de Cláudio Assis, é eleito o melhor filme do Festival de Brasília e vence o prêmio Tiger de Melhor Filme no Festival Internacional de Roterdã, na Holanda

2007 – Deserto feliz, de Paulo Caldas, estreia no Festival de Cinema de Berlim; com o curta Décimo segundo, Leo Lacca é melhor diretor no Festival de Brasília; o longa Amigos de risco, de Daniel Bandeira, participa da mostra oficial.

2008 – Curta Muro, de Tião, é premiado no Festival de Cannes; KFZ 1348, de Gabriel Mascaro e Marcelo Pedroso é premiado pela 32ª Mostra de Cinema Internacional em São Paulo.

2009 – Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz é exibido em Veneza; Um lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro, participa de mais de 20 festivais no mundo; curtas Ave Maria ou mãe dos sertanejos, de Camilo Cavalcante e Recife frio, de Kleber Mendonça Filho, ganham prêmios do Festival de Brasília; Recife frio e Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro, integram Festival de Roterdã.

(Diario de Pernambuco, 26/09/2010)

Cláudio Assis e a Febre do Rato

Nove anos depois de Amarelo manga, Cláudio Assis volta a filmar em Olinda e Recife. A partir de hoje, a produção de Febre do rato, terceiro longa-metragem do diretor pernambucano, movimenta a cidade com uma equipe de profissionais cariocas e pernambucanos. Durante a semana de ensaios, o elenco formado por Irandhir Santos, Nanda Costa, Matheus Nachtergaele, Mariana Nunes e Juliano Cazarré circulou em eventos e bares. No que diz o burburinho, Nachtergaele já está com o personagem incorporado, o coveiro Pazinha, e assim deve continuar até o começo de outubro, quando terminam as filmagens.

Apesar do momento ao mesmo tempo tenso e delicado que configura a pré-produção de um longa, Cláudio e Júlia Moraes receberam o Diario no casarão utilizado para os ensaios, no Sítio Histórico. Eles celebram a boa fase do cinema feito em Pernambuco, somente em 2010 contabiliza quatro longas em andamento, com distribuição garantida. Febre do rato será rodado em super 35mm, captado em cores para ser vertido em preto e branco na pós-produção. Como em todos os filmes do diretor, a fotografia é de Walter Carvalho, em formato cinemascope.

Contemplado em 2005 pelo fundo holandês Hubert Bals para desenvolvimento de projetos, Febre do rato tem acumulado patrocínios e apoios nacionais e estrangeiros, como a empresa argentina IMPSA. “Empresários entenderam que dá pra investir no cinema de ideias, independente do retorno financeiro”, diz Júlia. “Nesse processo, a Fundarpe foi fundamental para a gente poder andar e ganhar os grandes editais, concorrendo com filmes do Brasil inteiro”, complementa Cláudio. Com 90% do orçamento captado, falta garantir a finalização. “A Prefeitura do Recife ainda não oficializou, mas garantiu que vai nos apoiar”.

Durante a prova de figurino, encontramos um Irandhir febril, possuído pelo poeta Zizo, personagem principal do novo filme. “Se tem algo que resume Zizo, é a atitude”, disse o ator, que acaba de participar de O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, e a partir de outubro poderá ser visto em Tropa de elite 2. Semana passada, Irandhir conheceu Miró, com quem descobriu afinidades. “O destino trouxe Miró e fiquei com ele enquanto pude. Se eu tiver 1/3 dele no meu personagem estarei muito feliz”. Para compor Zizo, Irandhir tem dormido e acordado com João Cabral, Drummond, Pedro Tierra e Murilo Mendes. No entanto, todas as poesias do filme são originais, escritas por Hilton Lacerda.

Boa parte de Febre do rato será rodada na Fábrica Tacaruna, que será morada de um triângulo amoroso vivido por Juliano Cazarré, Mariana Nunes e Vítor Araújo, que estreia como ator. Afora o elenco principal, Jones Melo, Paulina Albuquerque, Sâmara Cipriano, Chiquinho Serra Velho, Hugo Gila e a paulista Tânia Moreno prometem gerar cenas que, como nos demais filmes de Cláudio, ainda vão dar o que falar.

Entre atores, figurantes e participações especiais, serão mais de 400 pessoas. Um churrasco de Páscoa na casa de Zizo reunirá Jommard Muniz de Britto, Gaspar Andrade, Fernando Peres e Irma Brown, Wilma Gomes (ex-miss Pernambuco), Lala K e Carlos Carvalho. “Quero pessoas que na vida real seriam amigos do poeta e reunir a nossa cena cultural, uma metalinguagem a serviço do cinema”, diz Rutílio de Oliveira, responsável pelo casting. Miró, Xico Sá, Roger de Renor e João do Morro também serão convidados. Evocados no título, ratazanas comuns nas alamedas da cidade não devem faltar. Mas a “febre do rato” não tem nada a ver com a doença provocada pelos roedores, mas com a expressão pernambucana para determinado estado de espírito. “É como se a pessoa azougada, com atitude para o bem ou para o mal, com vontade de lutar por alguma coisa”, diz Cláudio.

Inspiração no avô poeta – Neta de Vinicius, Júlia Moraes busca no avô parte da inspiração para o poeta do novo filme de Cláudio Assis. “Ele viveu pra poesia e me deu condições de entender e viajar no universo do poeta. Com certeza estamos trazendo isso para o filme. Para ele a família, as histórias, a obra é uma só”. Júlia tinha apenas seis anos quando Vinicius se foi. A breve convivência deixou nela uma imagem clara de entrega que agora ele transpõe para o filme, que ela descreve como “alto astral, de afirmação”, de um personagem que não está preocupado com dinheiro ou sucesso, que “não quer se dar bem, mas ser quem ele é”.

“Assim como ele, Zizo é um poeta do amor e da dor. E disso todo mundo entende. Seja parnasiana, romântica, escatológica ou concreta, a poesia é capaz de tocar as pessoas de forma profunda. E Zizo carrega consigo essa liberdade, que as pessoas querem viver mas não têm coragem, são amarradas”.

Entrevista // Claudio Assis: “Tudo será mostrado com generosidade”

Após quase uma década, você volta a usar Olinda como cenário. Qual sua relação com a cidade?
Minha produtora funciona há 15 anos em Olinda, onde fizemos muitos curtas. Sempre quis fazer um longa aqui, em Amarelo manga filmamos nos Quatro Cantos, que é muito cinematográfico. E quando tive a ideia, imaginei o poeta como sendo de Olinda. Ia trazer o filme todo pra cá, mas queremos falar do Recife, que é um universo de contradições de cidade grande, que contém um mundo.

Como surgiu Febre do rato?
A ideia veio durante a filmagem de Amarelo manga, em Olinda, quando inventei um personagem com um amigo meu. Ele foi crescendo, chamei Hilton Lacerda e as ideias foram chegando, só naquele momento pensamos em 17 sequências.

Você descreve o filme como romântico, sobre pessoas apaixonadas. Seria uma mudança de rota, depois de dirigir dois filmes que mostram a vida cruel?
Pelo contrário, é a afirmação disso tudo. Se as pessoas não viram amor nos meus outros filmes, precisam ver de novo até encontrar. Tudo que já foi dito será mostrado de outra forma, com poesia, de uma maneira elegante, generosa, para que seja um filme prazeiroso. Mas não mudei nada, o assunto é o mesmo, só que contado de forma diferente.

Recife tem uma tradição de poetas de rua, seu poeta se conecta com esse cenário?
Zizo não é marginal, é revolucionário. Existe o Zizo, que é meu amigo desde os anos 1980, a quem estamos fazendo homenagem, mas não tem nada a ver com a vida dele. No filme, Zizo cria um mundo onde as pessoas são iguais: negros, gordos, magros, brancos, putas, travestis. Se eles transam ou casam, se separam de um grande amor ou ficam nele pra sempre, não importa, temos que respeitar as pessoas do jeito que são. E um poeta pode tudo, tem liberdade pra falar e fazer o que quiser.

Cinema é a sua forma de fazer poesia?
Lógico. E o poeta sou eu. Cinema é minha forma de dizer o que eu acho do mundo.

Por dentro do set

Febre do rato, 3º longa-metragem de Cláudio Assis, é uma co-produção entre a Parabólica Brasil e BelaVista Cinema, em associação com a Pacto Audiovisual e República Pureza Filmes.

Elenco:
Irandhir Santos – Zizo
Nanda Costa – Eneida
Matheus Nachtergaele – Pazinho
Ângela Leal – D. Marieta
Conceição Camarotti – Stellamaris
Maria Gladys – Anja
Mariana Nunes – Rosângela
Juliano Cazarré – Boca Mole
Victor Araújo – Oncinha
Tânia Moreno – Vanessa

Direção: Cláudio Assis

Produção: Julia Moraes e Cláudio Assis

Roteiro: Hilton Lacerda

Produção Executiva: Marcello Maia

Direção de Fotografia: Walter Carvalho

Direção de Arte: Renata Pinheiro

Direção de Produção: Joana Araújo

Coordenação de Produção: Barbara Rocha

Figurino: Joana Gatis

Montagem: Karen Harley

Trilha sonora: Jorge du Peixe

Produtor associado: Malu Viana

Distribuidor: Imovision

Orçamento total: R$ 2, 2 milhões

Patrocinadores e investidores: Petrobras / Fundo Setorial do Audiovisual – Finep / Prêmio Adicional de Renda – Ancine /Imovision / Banco do Nordeste / Chesf / IMPSA / Petra Energia / Copergás / Estaleiro Atlântico Sul / Secretaria de Turismo do Governo de Pernambuco / Empetur / Prefeitura de Olinda

Incentivo: Funcultura / Governo do Estado de Pernambuco

(Diario de Pernambuco, 31/08/2010)