Entrevista >> Antônio Leal: "O Brasil tem os festivais mais diversificados do mundo"


Foto: Lizandra Martins

A multiplicação de festivais de cinema é fenômeno recente, que vem desenhando um novo cenário para o escoamento da produção. Somente em 2011, 237 eventos se realizaram no Brasil, de acordo com levantamento do Fórum dos Festivais. No entanto, de acordo com Antônio Leal, vice-presidente da entidade, pela primeira vez em doze anos, o número de festivais diminui: são 24 a menos do que em 2010. Em entrevista ao Diario, concedida durante o Vale Curtas, em Petrolina, disse que a queda não significa crise.

Pelo contrário: novos festivais vêm suprindo demandas específicas, como o FantasPOA e o RioFan, especializados em cinema fantástico. O próprio Leal organiza o CineFoot (RJ), sobre filmes que tratam de futebol. Com a Retrospectiva Kubrick, em novembro passado, o Janela Internacional de Cinema do Recife promoveu o que pode se chamar de experiência cinematográfica completa, muito além do que o circuito comercial pode oferecer. Eventos semelhantes despontam, como a Semana dos Realizadores (RJ) e o Cine Esquema Novo (RS).

No entanto, o atual panorama motivou cinco eventos a sair do Fórum e criar a Frente dos Grandes Festivais, formado pelo Cine PE, Cine Ceará e os festivais do Rio, Gramado e Brasília. Esses e outros assuntos serão tratados hoje, em encontro nacional do F[orum dos Festivais, durante a 15ª Mostra de Tiradentes (MG). Leia mais a seguir.

A queda do número de festivais pode representar uma crise?
Não. O Brasil tem hoje os festivais de cinema mais diversificados do mundo. Apesar do quadro econômico desfavorável, os festivais conseguiram continuar. Os que “sumiram” estavam na primeira ou segunda edição, em fase de se consolidar. É uma flutuação normal.

Em entrevista recente, Alfredo Bertini (diretor do Cine PE) defendeu a diferenciação de festivais como acontece no futebol, em série A e B. Para isso, não deveria haver uma “CBF”?
Não existe série A e série B dos festivais, assim como em qualquer outra atividade da produção audiovisual. Todo festival tem sua grandeza e importância, que não é medida pelo porte econômico. São eventos importantes nas localidades onde atuam, muitas vezes realizados sem recursos. Notamos que festivais assim têm crescido e eles são tão importantes quanto os realizados há décadas ou os de orçamento elevado.

O que muda com a FGF?
Vamos continuar a nossa missão de fortalecer o circuito de festivais e fazer com que este segmento estratégico se torne cada vez mais reconhecido. O que se altera é o caráter amplo e abrangente que demarcou a atuação do forum nos seus doze anos de atuação. A saída deles é legítima, não há dúvida. Assim como dar um foco corporativo e empresarial para suas atividades. O Fórum continua fortalecido, pois atua em nome de todos os festivais, independente do porte. Inclusive aqueles que saíram serão beneficiados com as futuras conquistas do fórum. Mas os beneficios obtidos por eles não estarão ao alcance dos demais.

A criação da FGF coincide com a ascensão de novos festivais. Há uma nova conjuntura?
Há uma nova geração de festivais com preocupação mais estética do que comercial. É um reflexo da produção, pois eles surgem como canal para escoar essa produção. A maioria é de pequeno e médio portes, com orçamentos modestos, e surgem porque não conseguimos ver esses filmes nas salas comerciais. São espaços de legitimação dos investimentos feitos na produção.

Há também uma tendência à segmentação.
Sim, hoje temos festivais de cinema ambiental, de diversidade sexual, universitário, de cinema infantil, de filmes sobre futebol. Eles promovem uma riqueza grande, não demandam orçamentos astronômicos e fazem com que a população tenha contato com outros filmes. Essa é a principal função de um festival, considerando a ausência da salas no interior e o alto valor do ingresso dos cinemas comerciais. Onde vamos assistir a curtas, senão nos festivais?

(Diario de Pernambuco, 23/01/2012)

Curtas pernambucanos estreiam em Tiradentes


Mens sana in corpore sano, de Dornelles, estreia hoje em Tiradentes
Foto: Chico Lacerda

Dois curtas pernambucanos estreiam nesta semana: Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, e Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles. Os dois serão lançados na 14ª Mostra de Tiradentes (MG), que abre o calendário nacional de eventos cinematográficos e que, sob a curadoria do crítico Cléber Eduardo, vem se tornando conhecido como um festival que privilegia a reflexão e o risco necessário para abrir novos caminhos.

Nada mais justo o festival ter iniciado na última sexta com o novo filme do mítico diretor do cinema novo Paulo César Saraceni. E nada mais justo também que se encerre no dia 29, com Ex-Isto, releitura de Catatau, de Paulo Leminski, dirigida por Cao Guimarães e estrelada por um João Miguel bêbado e perdido no Centro do Recife. Chama a atenção a homenagem ao ator Irandhir Santos, cuja carreira, coroada com a participação em Tropa de Elite 2, vem sendo cada vez mais reconhecida.

“É muito difícil não sentir ansiedade com a primeira exibição de um filme”, diz Dornelles,sobre a ficção Mens sana in corpore sano. “Essa sensação aumenta quando se trata de um projeto que promete uma interação forte com a plateia”, arremata o diretor, que não adianta mais informações para não estragar a surpresa final.

A ser exibido hoje em mostra não-competitiva, mas sujeita a voto popular, o curta-metragem realizado com recursos do concurso de roteiros Ary Severo/Firmo Neto é o mais recente fruto da parceria entre a Símio Filmes e a Cinemascópio Produções de Kleber Mendonça Filho. O filme mostra as desventuras de um cidadão que leva o fisiculturismo às últimas consequências. Uma das locações é a academia de Carmelo de Castro, na Boa Vista, que faz uma participação como ator.

“Tiradentes é um festival enorme, tem uma curadoria bem interessante, que já se tornou referência para vários outros festivais e ainda consegue manter um clima de discussão e formação de público. É um privilégio estar lá”, avalia Dornelles, que já esteve no festival como produtor de Amigos de risco e Recife frio.

“O festival consegue abraçar filmes que têm características menos convencionais e ainda assim ser um panorama bem completo do que se faz de relevante no cinema brasileiro”.

Outros pernambucanos em Tiradentes são os curtas 1:21 (Adriana Câmara); Aeroporto (Marcelo Pedroso); As aventuras de Paulo Bruscky (Gabriel Mascaro); Azul (Eric Laurence); Décimo segundo (Leo Lacca); My way (Camilo Cavalcante); Peixe pequeno (Vincent Carelli e Altair Paixão); e os longas Vigias (Marcelo Lordello), Paranã puca – Onde o mar se arrebenta (Jura Capela) e Avenida Brasília Formosa (Gabriel Mascaro).

Praça Walt Disney

Na próxima quarta, o público de Tiradentes poderá conferir Praça Walt Disney, novo trabalho do casal Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira. Renata já assinou direção de arte de filmes de Sérgio, que por sua vez produziu Superbarroco, de Renata. Ambos já estiveram em Tiradentes com outros filmes. Desta vez, concorrem com o primeiro em que dividem a direção.


Foto: Mannu Galindo

O curta reivindica o direito de, a partir do cinema, reorganizar os signos de Boa Viagem, bairro em que os diretores vivem. O recorte temporal é o de um dia na vida, do primeiro trabalhador à última dama da noite, com som e imagem sincronizados que remetem a O homem com uma câmera, de Dziga Vertov. A coreografia de carros que circulam em torno da praça que dá nome ao filme (visível da janela do prédio onde moram Sérgio e Renata) faz lembrar Playtime, de Jacques Tati.

Adotada pela construtora Moura Dubeaux, uma das mais famosas grifes imobiliárias da cidade, a Praça Walt Disney é um pequeno perímetro cercado de altos edifícios, próximos à beira-mar. “Geralmente éum espaço deserto”, conta Oliveira, “ou usado para o passeio dos cachorros dos moradores”. Por trás do tratamento afetivo, há o inevitável viés político de quem observa um bairro que se transforma rapidamente. Ou melhor, se devora. “Partimos de um regionalismo, não para harmonizar, mas para problematizar essa situação”, diz Oliveira.

Em outro momento, fotos antigas do bairro são sobrepostas à imagem atual. Verticalizada por prédios, reeditam um antigo trabalho de Renata chamado Arqueologia da amnésia. Uma animação simula ondas do mar no asfalto, com direito a barbatanas de tubarão. Os tubarões, aliás, modificaram hábitos a ponto de piscinas de plástico se multiplicarem na paisagem da praia. Do vai e vem de baldes para enchê-las surge a música e a inevitável analogia com Aprendiz de feiticeiro, episódio do clássico Fantasia (1940).

A performance no calçadão da beira mar ao som de Stayn’ Alive (Os embalos de sábado à noite) é trilha sonora conveniente de um bairro para ser desfrutado. John Travolta, Mickey Mouse, Tati, Vertov. Sonho, Cinema. Boa Viagem merece.

(Diario de Pernambuco, 24/01/2011)