Prefeito de Paulínia reassume cargo – secretário comenta a crise

José Pavan, prefeito de Paulínia, reassumiu o cargo na última quinta-feira.

Leia matéria aqui.

Ele foi afastado por suspeita de compra de votos no último dia do festival.

A administração pública municipal da cidade é a organizadora do Festival de Cinema, assim como do Pólo Cinematográfico.

Nesse meio tempo, surgiu o temor de que, com a crise, o projeto estivesse comprometido.

Em depoimento publicado no Almanaquito, newsletter da crítica de cinema Maria do Rosário Caetano, o secretário de cultura de Paulínia, Emerson Alves, comenta a situação:

“A crise política realmente nos pegou de surpresa e claro, para quem está apenas no começo de um projeto deste porte e com a ambição de se tornar parte importante na produção cinematográfica brasileira é realmente um “balde d’agua fria” ver todo o trabalho realizado correndo risco”

“Hoje a cidade não fala mais do Festival”, continua o secretário. “Hoje a cidade fala da política rasteira. Hoje a cidade se lembrou do quanto precisamos do cinema, da arte, da cultura, para ver se a gente consegue extrair as pessoas o que elas tem de melhor….

Durante uma semana o Festival mostrou para a cidade que é possível sair das páginas da política e ocupar um lugar de destaque por fazer cultura, por defender o que é nosso, o que é legitimamente brasileiro.

Mas os políticos não sossegam.

A cidade começa a brilhar e eles fazem de tudo para nos lembrar do lugar onde devemos ficar.

Eles sempre querem o seu lugar nas páginas da política.

Não tem jeito.

Quer dizer, jeito tem.

Sou otimista.

Primeiro, porque acredito que o TRE vai manter o Prefeito José Pavan no cargo, não porque ele defende o cinema e a cultura, mas porque as acusações contra ele são falsas, baseadas em testemunhos viciados e tendenciosos e sem qualquer prova que o coloque em situação ilegal.

E em segundo e por isso mesmo, o mais importante: porque nestes sete dias a cidade descobriu o quanto é bom estar na vanguarda, o quanto é bom iluminar.

Este sentimento de orgulho, de identidade com as coisas da nossa própria cidade, este sentimento está nas pessoas, está nos e-mails que eu recebo, nos abraços que recebi durante o Festival, nas conversas na loja da minha mãe.

Acreditem: Paulínia veio para ficar”.

Ator pernambucano em ascensão

Premiado como melhor ator coadjuvante pelo trabalho no filme Olhos azuis, de José Joffily, o ator Irandhir Santos foi um dos destaques do 2º Festival Paulínia de Cinema. Na festa de encerramento do evento, na última quinta-feira, os aplausos e sorrisos são a prova de que o evidente talento deste pernambucano de 30 anos conquistou mais adeptos. Desta vez, não como o Maninho de Baixio das bestas ou o Quaderna, de A pedra do reino, apenas para citar dois de seus grandes momentos. E sim como Nonato, o brasileiro que há dez anos mora nos EUA, mas amarga o pão que o diabo amassou na mão de Marshall, chefe do departamento de imigração do aeroporto JFK.

Em entrevista ao Diario, Irandhir conta como construiu esse novo personagem e os desafios da interpretação em outra língua e as três novas produções em que participa: A morte e a morte de Quincas Berro D’água, de Sérgio Machado sobre livro de Jorge Amado; Besouro, de João Daniel Tikhomiroff; e A hora e vez de Augusto Matraga, de Vinícius Coimbra, que será rodado em Minas Gerais, com João Miguel no papel principal. De quebra, aproveita para contar sobre os novos planos para a carreira.

Entrevista // Irandhir Santos: “Os filmes têm me ensinado lições importantes”

Qual sua visão do filme de Joffily?
É um filme que trata da questão da diferença. E deixa claro que ela existe porque impomos isso de alguma maneira, como fator externo. Quando Nonato vê a filha com olhos azuis, me pergunto o porquê de Marshall se sentir tão superior, se ele é tão igual a mim.

Como Nonato foi construído?
Li muito o roteiro, sempre desconstruindo e cortando, rasgando o personagem. A partir das orientações do diretor, acrescentei a minha parte. No roteiro há muito o Nonato empreendedor, que sai do país para ganhar a vida. Quis imaginar outras situações, trazer mais humanidade para ele.

Foi difícil interpretar em inglês?
Tive que estudar, pois não tinha muito domínio do inglês. Também fui para a cultura americana, procurei saber o que existe lá que moveria alguém a sair de seu país. Comecei a contatar brasileiros que moravam lá, fiz entrevistas, procurei imagens.

Que imagens?
Os olhos foram imagens que mais captei. Gosto muito de olhos azuis e o desafio era olhar para eles e sentir o inverso. Adoro minha avó materna, a lembrança de carinho ligada a olhos azuis vem dela. Sentir o contrário foi um desafio.

Como foi a iniciação no teatro e a formação de ator profissional?
Minha recordação mais antiga está ligada à escola em que estudei em Limoeiro. É um lugar tradicional, administrado por freiras que trabalhavam teatro e arte-educação com os alunos. Quando fui estudar o segundo grau no Recife, também queria um colégio que tivesse teatro, mas fui para o Colégio Militar, pois meus pais me convenceram que era bom para passar no vestibular. Por sorte, um dos alunos de lá se formou e retornou para dar aulas de teatro.

Quem era ele?
André Cavendish. Foi meu primeiro professor de teatro. Lá eu tive a certeza de que queria continuar no palco. Então juntei a necessidade dos meus pais de ter que fazer universidade com a minha, de fazer teatro.

Qual era seu foco de estudo na universidade?
Na UFPE eu trabalhava com o corpo como expressão. Já na universidade procurava essa linha. Tive como professor Roberto Lúcio, que desenvolveu um trabalho muito bom. Foi também quando me aproximei de amigos como Kléber Lourenço e Jorge de Paula. Em Olhos azuis, dez minutos antes de rodar a sequência da arma, utilizei exercícios que aprendi na universidade, de respiração e exaustão física pra abrir o canal para as emoções.

Qual o papel mais difícil que já fez?
Gosto quando tenho tempo para a preparação. Para mim, é primordial. No teatro é possível, geralmente tenho seis meses para isso. No cinema não é assim, mas tive sorte de pegar papéis no qual existiam esse tempo disponível. De todos, o Quaderna foi o mais difícil, pela própria complexidade do personagem. O próprio Ariano (Suassuna) o define como quatro personagens: o palhaço, o rei, o contador e o sertanejo. E o Luiz (Fernando Carvalho, diretor de A pedra do reino) me deu um Quaderna velho, amadurecido. O momento em que cada um deveria aparecer foi um desafio grande, dividido com profissionais que me deram suporte.

O que faz sua profissão valer a pena?
Ultimamente, é o fato de poder exercê-la, de poder viver isso. Só por isso, já me sinto premiado. Quando esteve em Taperoá, Fernanda Montenegro disse: “nosso prêmio é o nosso ofício”. Pois temos que enfrentar uma batalha diária, com quase todas as dificuldade e ainda lidar com o lado criativo. Equilibrar isso é a grande questão. Fico feliz quando penso no que já fiz e no que ainda tenho para fazer.

Quando você voltará ao teatro?
Ainda este ano. Estou ensaiando semanalmente com o Grupo Visível (Visível Núcleo de Criação), que Kléber Lourenço montou para retomar o ator como criador da história. O nome do projeto é Daquilo que move o mundo. Ele trabalha a dramaturgia com exercícios cênicos coordenados pelo dramaturgo Felipe Botelho. A ideia é iniciar o trabalho no Recife e no fim do ano vir pra Campinas para a preparadora Tiche Vianna, que tem um excelente trabalho com a comédia dell’arte, lapidar e fazer o que quiser com nossos corpos. Pra mim será uma retomada. Há três anos não faço teatro e esse é um grupo que gosto muito, ligado à universidade, com um senso de pesquisa e continuidade que me interessa.

Fale sobre o personagem que você faz em Besouro. Ele é um vilão?
É. Seu nome é Noca de Antonia. Para fazê-lo, tive que trabalhar com sombras. A preparadora de elenco, Fátima Toledo, disse que os capoeiristas são a luz e nós precisamos das sombras, que sou eu e o coronel. Então tive que ativar o que há de pior em mim. Sou muito recatado, mas em um dos exercícios ela me “destampou” e tudo que estava reprimido saltou com a raiva. Para ativar minha sombra falei todos os palavrões e coisas sujas.

Como foi a experiência de filmar A morte e a morte de Quincas Berro D’água, com atores veteranos como Paulo José e Marieta Severo?
Também foi com Fátima, só que o filme é uma comédia. Eu faço o Cabo Martin, um dos quatro amigos de Quincas. A grande questão foi trabalhar o tema morte de um grande amigo, uma grande perda. Apesar de ser comédia, tive que trabalhar de maneira muito séria. Ver Paulo José morto é algo bem doloroso, então parti daí. A ideia do Sérgio (Machado, o diretor do filme) é que o cômico não estivesse nos personagens, mas sim nas situações absurdas. Os filmes dos irmãos Cohen foram referências.

Ultimamente, você tem recebido muitos convites. O que te faz escolher um projeto?
Sempre escolho a partir do que me toca naquele momento da vida. Os filmes que faço têm me ensinado lições importantes. Trabalhar com Luís Fernando Carvalho e Cláudio Assis me fez redescobrir o lugar onde nasci. Naquele momento estava em dúvida se ficava lá ou ia para o Recife. Meu olhar para aquela região mudou muito. No caso de Olhos azuis, senti que deveria fazer pelo roteiro, uma história fantástica, por Joffily, diretor que já admirava e pelo desafio, pois a maioria das cenas são em inglês, língua em que não tenho tanta prática.

O que te atraiu na refilmagem de A hora e a vez de Augusto Matraga?
Guimarães Rosa foi primeiro autor que entrou lá em casa, período que lembro muito do meu pai. Ele lia muito e conversava sobre a obra, tinha olhar peculiar. Ele achava que Guimarães mostrava um sertão cru, forte, seco. E minha mãe via o contrário, via poesia. Então sempre havia discussão. Quando fiz A pedra do reino, me debati com o Sertão de Ariano, colorido e alegre de pessoas que se encantam com sua raiz. Agora sinto a necessidade de viver o sertão duro, seco, para haver um diálogo.

Festival de Paulínia // A noite de premiação


Crédito das fotos: Aline Arruda / Divulgação

Paulínia (SP) – A festa de premiação do 2º Festival Paulínia de Cinema, na noite da última quinta-feira, foi uma grande confusão em que ninguém sabia exatamente o que fazer. Estrutura havia de sobra, mas faltou logística na organização do palco. Nem mesmo o casal de apresentadores Murilo Benício / Guilhermina Guinle, perdidos e dependentes de um equivocado teleprompter, conseguiram manter o controle da situação, quando uma dezena de premiados foram de uma só vez chamados ao palco. Representantes da administração municipal, a dona do evento, transpareciam desconforto no papel de anfitriões do mundo do audiovisual, reunido anteontem para a entrega dos troféus Menina de Ouro. Possível reflexo do escândalo que afastou do cargo o prefeito da cidade, sob suspeita de compra de votos.

Paulínia quer ser vista como um festival democrático, capaz de transitar entre filmes “cabeça” e populares. Nesse sentido, a distribuição de troféus, feita de forma equânime, pode ser consequência dessa política. Olhos azuis venceu em seis categorias, inclusive o prêmio principal, no valor de R$ 60 mil. “Ninguém pediu para que esse filme fosse feito. Dedico esse prêmio ao voluntarismo de todos os artistas”, discursou José Joffily, o diretor. Eleito melhor ator coadjuvante pelo papel de Nonato, o imigrante brasileiro em solo norte-americano, o pernambucano Irandhir Santos foi simples e direto: “já me sinto agraciado por exercer a função de ator neste país. Agora, volto pra casa acompanhado por uma bela ‘menina’”.


Irandhir Santos contracena com David Rasche…



… e recebe o prêmio de melhor ator coadjuvante

Romance de formação sobre duas rodas, Antes que o mundo acabe, de Ana Luiza Azevedo foi um dos grandes destaques do festival. Nada mais justo do que receber o prêmio da crítica e ter sido escolhido em cinco categorias pelo júri oficial (formado por Zuenir Ventura, Adhemar de Oliveira, João Jardim, a roteirista Elena Soarez e a diretora de programação da HBO, Ângela de Jesus).


Antes que o mundo acabe, de Ana Luíza Azevedo levou cinco troféus

No momento máximo de generosidade do Júri, três atores e três atrizes principais receberam troféus: Silvia Lourenço e a transexual Maria Clara Spinelli, de Quanto dura o amor?, e Cristina Lago (atriz-revelação de Olhos Azuis); e Marco Ribeiro, Paulo Mendes e Cleiton Santos, pelo papel do contador de histórias Roberto Carlos Ramos nas fases criança, jovem e adulto. “Quando eu era criança, sempre quis ter uma boneca mas nunca me deram. Agora tenho uma Menina de Ouro!”, provocou Spinelli.

Da ficção aos documentário (ainda precisamos promover esse apartheid?), os holofotes iluminaram Só dez por cento é mentira, um elogio ao poeta Manoel de Barros e Hebert de perto, de Roberto Berliner e Pedro Bronz. Diretor de vários clipes dos Paralamas do Sucesso, Berliner conversa com família e amigos de Hebert Vianna, faz uso das próprias imagens de arquivo e da proximidade que tem com o compositor para mostrá-lo na intimidade, como no depoimento que Hebert dá entre o closet e o banheiro da suíte onde dorme.

Coube à crítica lembrar o valor de Moscou, doc em que Eduardo Coutinho expande a investigação que apaga as fronteiras entre real e fictício, memória e invenção. “Não sei o que fiz nesse filme”, disse, angustiado, ao apresentar o filme no dia da exibição. Frase que seria muito mais adequada à atriz / produtora Lucélia Santos com relação ao sofrível Destino, filme que sequer deveria existir, quando mais figurar entre as produções escolhidas para o festival, que ali atingiu seu momento mais lamentável.

O prêmio do público para Caro Francis demonstra o talento de Nelson Hoineff em se comunicar com grandes platéias. Fazem pouco mais de dois meses que Alô Alô Terezinha!, também de sua autoria, foi eleito pelo júri popular como o melhor do Cine PE. “Faço filmes para serem vistos. É um erro pensar que há falta de preparo no público. Ele é muito mais sábio do que se imagina”, disse o diretor.

Os curtas Timing, de Amir Admoni, e Spectaculum, de Juliano Luccas, foram os melhores de suas categorias. O primeiro usa efeitos especiais para prender o ator Caco Ciocler (que contracena com o pai, Jackson) no painel de uma estação de metrô. O segundo apresenta a vida de um palhaço fora do picadeiro, como fosse um documentário de inclinação artística, coroado pelo depoimento de que, “para ser palhaço, precisa ser muito intelgente”.


Stulbach – boa atuação

Elogio ao teatro – Antes da premiação, foi exibido Tempos de paz, sétimo longa de Daniel Filho, com presença dos atores principais, Tony Ramos e Dan Stulbach. Baseado no livro Novas diretrizes para tempos de paz, de Bosco Brasil, o filme é algo mais teatral do que televisivo, o que conta pontos a favor do diretor de Se eu fosse você. Em bem-vindo viés autoral, Filho conta a história de Clausewitz (Stulbach), ator polonês que, com o fim da 2ª Guerra é impedido de entrar no Brasil ao esbarrar na burocracia ressentida do oficial de imigração Segismundo (Ramos). A homenagem aos imigrantes Anatol Rosenfeld, Nydia Lícia, Otto Maria Carpeaux e Zbigniew Ziembrinski faz de Tempos de paz um elogio ao teatro e ao ofício do ator foram arrebatadoras e responsáveis pelo ponto alto e de maior comoção do encerramento do 2º Festival de Paulínia.

* o repórter viajou a convite do evento.

(Diario de Pernambuco, 18/07/09)

Mais impressões sobre Paulínia (escritas de um aeroporto)


Tony Ramos e Dan Stulbach em Tempos de paz: bom momento

O segundo Festival de Paulínia terminou ontem à noite. Daqui a pouco sai a matéria que fiz para o Diario (post acima).

Enquanto aguardo o avião para o Recife, nada como um blog para divagar sem preocupações com os limites de tempo / espaço de um jornal impresso.

Penso em como foi cobrir este festival. Ao mesmo tempo, um trabalho difícil e gratificante.

Primeiro, os obstáculos. Diferente do ano passado, a organização hospedou a imprensa no Hotel Royal de Campinas. Ou seja, todos os dias eram entre duas a quatro viagens de van para Paulínia, cada trecho com 30 a 40 minutos. Na ponta do lápis, em oito dias, foram em média 16 horas dentro de uma van.

Por tudo isso, foram dias bastante cansativos. À noite, havia os filmes em competição – dois curtas e dois longas, somados a um interminável desfile de vinhetas e logomarcas. Após a sessão, janta. Hotel entre 1h e 2h da manhã. No dia seguinte, as coletivas começavam às 10h, na prefeitura de Paulínia. Após o almoço, corrida para entregar as matérias dentro do prazo.

Problemas de translado à parte, há que destacar a vontade do evento em dar conta de todas as frentes que fazem um bom festival de cinema. Do começo ao fim, tivemos projeções com ótima qualidade técnica, mostras paralelas, exibições nos bairros, debates, seminários de todos os tipos. Não bastasse, duas festas bacanas – uma no sábado, promovida pela Quanta, e outra ontem, de despedida.

Quanto à programação da mostra competitiva, houve maus momentos, sim. Mas a maioria dos filmes e coletivas fizeram a vida de maratonista valer a pena.

É o caso do doc de Eduardo Coutinho, Moscou. A exibição foi um choque. Nos que permanceram, pois há quem não suporte algo tão fora do padrão. No dia seguinte, rendeu uma das melhores coletivas, se não, a melhor. Pena que Coutinho não esteve na noite de encerramento para receber o prêmio da crítica. A informação é que ele estaria no MoMa, em Nova York, onde sua obra está sendo exibida.

Eleito melhor filme pelo júri especial Olhos azuis, de José Joffily, foi alvo de críticas por trazer uma história muito esquemática e fatalista.


Joffily, melhor longa de ficção em Paulínia: 13 anos de projeto

Pode ser, mas isso não chega a ser um problema. O roteiro de Paulo Halm (cujos pais são de Pernambuco) tem seus méritos; a trilha de Jacques Morelembaum, com músicas de Siba Veloso e participação de Arlindo dos Oito Baixos é de uma beleza monumental; e o elenco deu um show de interpretação. Mais do que merecidos os prêmios de melhor coadjuvante para Irandhir Santos e melhor atriz para Cristina Lago.

Na noite de segunda-feira, Quanto dura o amor?, de Roberto Moreira, rendeu ótimos comentários no caminho de volta para o hotel. “Finalmente, um filme”, disseram alguns, escaldados pela traumática experiência de assistir Destino, uma peça de duas horas e R$ 10 milhões que não funciona como cinema, novela, ou mesmo catálogo turístico de paisagens do Brasil e leste asiático. Pode até ser que dê certo lá na China – na coletiva, a produtora Lucélia Santos disse que a ideia é atingir os 900 milhões de espectadores da TV de lá. No Brasil, não tem a mínima chance. Quem sabe como série de 35 capítulos, formato para que o roteiro foi pensado, há 13 anos.

Antes que o mundo acabe é um caso curioso. Não tem vocação se enquadra exatamente como filme de festival (chegou a ser questionado se ele deveria ou não ir direto para o circuitão). Ao mesmo tempo, foi um dos mais votados (prêmio da crítica mais cinco do júri oficial). De qualquer forma, graças a ele, tivemos outro momento bom.

Só dez por cento é mentira é um caso à parte. Impossível não se entregar a poesia de Manoel de Barros. Dá até pra encarar vacilos como a voz em off do diretor Pedro Cezar e excessos cometidos pela pretensão de “traduzir” o espírito do poeta para a linguagem audiovisual.

Parece ter sido dificil a disputa pelo troféu de melhor atriz principal. Todas mereciam. A opção do júri pelo prêmio coletivo foi conciliadora, mas meio covarde. Paulínia parece ainda não ter maturidade para o embate saudável que pode surgir em um festival.


Spinelli…


… e Lago

Fica o protesto pelo completo abandono da portuguesa Maria de Medeiros, que acertou no papel da professora Marguerit na produção mineira O contador de histórias.

Quanto aos curtas, bem, com exceção dos vencedores, estão abaixo de qualquer comentário. Fica a esperança que no ano que vem a curadoria seja um pouco mais seletiva. Opção não falta.

Foi uma festa de premiação das mais estranhas que assisti na minha curta carreira de coberturas. Como apresentador, Murilo Benício se mostrou um bom troglodita. Trocou nomes, improvisou piadas de mau gosto e transpareceu um desânimo quase burocrático.

A sessão de Tempos de paz, novo longa de Daniel Filho, foi o ponto alto da noite. Longe do trabalho que fez em Se eu fosse você 1 e 2, o diretor mostrou verve criativa ao adaptar para o cinema o texto que há meses está em cartaz nos teatros com os mesmos atores: Tony Ramos e Dan Stulbach.

Após o filme, até Benício virou gente.


Tempos de paz, de Daniel Filho, estreia em agosto no circuitão

Festival de Paulínia // "Olhos azuis" e "Antes que o mundo acabe" são os grandes premiados

Longa-metragem Ficção
Filme: Olhos azuis, de José Joffily
Direção: Ana Luiza Azevedo (Antes que o mundo acabe)
Prêmio Especial do Júri: O Contador de histórias, de Luiz Villaça.
Roteiro: Paulo Halm e Melanie Dimantas (Olhos azuis)
Ator: Marco Ribeiro, Paulo Mendes e Cleiton Santos, (O contador de histórias)
Atriz: Cristina Lago (Olhos Azuis), Silvia Lourenço e Maria Clara Spinelli (Quanto dura o amor?)
Ator Coadjuvante: Irandhir Santos (Olhos azuis)
Atriz Coadjuvante: Nívea Magno (No meu lugar)
Figurino: Rosangela Cortinhas (Antes que o mundo acabe)
Trilha Sonora:Leo Henkin (Antes que o mundo acabe)
Direção de Arte: Fiapo Barth (Antes que o mundo acabe)
Som: François Wolf (Olhos azuis)
Montagem: Pedro Bronz (Olhos azuis)
Fotografia: Jacob Solitrenick (Antes que o mundo acabe)

Longa-metragem Documentário
Filme: Só dez por cento é mentira, de Pedro Cezar
Direção: Roberto Berliner e Pedro Bronz (Hebert de Perto)

Curta Regional
Spectaculum, de Juliano Luccas

Curta Nacional
Timing, de Amir Admoni

Prêmio da Crítica
Longa ficção: Antes que o mundo acabe, de Ana Luiza Azevedo
Longa documentário: Moscou, de Eduardo Coutinho

Júri Popular
Longa ficção: O Contador de Histórias, de Luiz Villaça
Longa documentário: Caro Francis, de Nelson Hoineff
Curta nacional: Nesta Data Querida, de Julia Rezende
Curta regional: Quem será katlyn, de Caue Fernandes Nunes

Pernambuco na tela do Festival de Paulínia


Marshall (Rasche) e Bia (Cristina Lago) no sertão pernambucano
Crédito: Helder Tavares

Paulínia (SP) – Olhos azuis, de José Joffily, colocou Pernambuco na tela do 2º Festival de Paulínia na noite de terça, a penúltima da mostra competitiva de longas e curta-metragens. A ficção trata do que parece ser o assunto da vez no cinema mundial: a truculência com que habitantes de países periféricos são tratados quando migram para nações ricas. Apenas para citar casos recentes, há À oeste do eden, de Costa Gavras, exibido no último Cine PE; Jean Charles, história real do brasileiro assassinato em Londres; Bem-vindo, que deu o que falar na França por tocar na polêmica lei que penaliza imigrantes ilegais; e de forma leve em A proposta, comédia romântica em que Sandra Bullock será deportada se não resolver seus papéis na imigração. Coincidência ou não, Tempo de Paz, novo filme de Daniel Filho hoje à noite encerra o festival (hors concours, após a cerimônia de premiação) aborda tema parecido, em situação inversa: após a segunda guerra, um ator polonês tenta em vão adentrar o Brasil.

Com locações entre o Recife e Petrolina, Olhos azuis tem Heloísa Resende na produção, Pedro Bronz na montagem e Jacques Morelembaum na trilha sonora, que ainda conta com músicas de Siba, Petrúcio Amorim e Alceu Valença. O roteiro, contemplado em 1998 pelo Sundance Festival, foi construído a partir da experiência de Joffily em abrigar em sua casa, no Rio, um amigo deportado dos Estados Unidos. “Ele me contou detalhadamente o que tinha acontecido. Desde então passei a ouvir depoimentos de tantas pessoas que passaram por maus tratos na imigração”, disse o diretor, na coletiva para a imprensa, ontem.

De forma não-linear, o filme apresenta o último dia de trabalho do oficial do departamento de imigração Marshall (David Rashe). Forjado no moralismo do americano médio, ele não vê muito sentido em abandonar o trabalho onde, justificado pela paranóia terrorista, pode exercer livremente seus preconceitos contra chicanos, cubanos e outros cucarachas como Nonato (Irandhir Santos), ao lado de dois subalternos de descendência terceiro-mundista que brigam pelo seu posto. A trágica situação limite, insinuada desde o primeiro plano, chega após bons goles de uísque.

Da luz fria e azulada do escritório e seus distintivos (semelhante a uma série policial de TV) ao chão ensolarado do Recife, Marshall tem contas a acertar consigo mesmo. Para encontrar a pequena Luíza, filha de Nonato, pede ajuda à primeira pessoa que encontra, no caso, Bia (a paranaense Cristina Lago, de Maré).

Convocado para o papel que seria de Robert Forster (Jackie Brown, de Tarantino), Rasche se mostrou ótima escolha para incorporar Marshall. Conhecido no cinema em papéis menores em A conquista da honra, United 93 e Queime depois de ler e na TV como o violento policial da série oitentista Sledge Hammer. Cristina Lago também convence como Bia, que ao conduzir o “gringo” a seu destino, numa espécia de road-movie, reencontra o passado que não queria no sítio do avô (Everaldo Pontes), no momento mais simbólico do filme.

A interpretação segura e precisa de Irandhir Santos é outro mérito da produção, que custou R$ 2,3 milhões e deve estrear comercialmente somente em março do ano que vem. Requisitado desde que foi premiado em Brasília por Baixio das bestas, o ator peranbucano será será visto até 2010 em pelo menos mais duas produções: A morte e a morte de Quincas Berro D’Água, livro de Jorge Amado adaptado por Sérgio Machado (diretor de Cidade baixa) e Besouro, filme de João Daniel Tikhomiroff sobre o lendário capoeirista baiano.

Poesia – Na mesma noite, o documentário Só dez por cento é mentira, de Pedro Cezar, pegou a platéia de surpresa com a poesia de Manoel de Barros. O filme tem o mérito de ser um dos raros registros audiovisuais do recluso poeta mato-grossense – ele se diz mais “letral” do que biológico. Costurado por depoimentos de familiares, amigos e admiradores, o diretor meio carioca, meio pernambucano que despontou nacionalmente com outro doc, Fábio Fabuloso, apresenta Manoel na mesa onde trabalha em sua casa, escritório batizado de “lugar de ser inútil”.

“Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira”, afirma o mestre, acerca de sua obra. Ao que garante: “Tudo o que não invento é falso”. De acordo com o diretor, foram dois anos de um processo “artesanal” até trilhar o caminho que leva ao poeta/criança, hoje com 93 anos. Na coletiva, Cezar explicou o porque. “Eu tinha a fantasia de lançar o filme no noventenário de Manoel de Barros. Com o material captado, vi que tinha em mãos um filme extremamente discursivo. Então resolvi buscar seu universo visual. Os versos de Manoel de Barros são muito imageticos. Depois de 11 cortes, o filme encontrou um equilíbrio entre teoria e discurso, palavra e imagem”, diz Pedro Cezar.

Entre revelações de infância, quando, isolado em zona rural, conversava com patos e das inspirações em Padre Vieira (herança de sua formação no Colégio Marista) e Charles Chaplin (de onde tirou a filosofia do vagabundo profissional que diz ser), Manoel brilha em momentos arrebatadores: “As coisas não querem ser vistas por pessoas razoáveis. É preciso transver o mundo”. Interessado pela “coisificação das pessoas e a humanização das coisas” ele diz que aprendeu ouvindo o filho, que rendeu o livro Poeminhas pescados na fala de João. “Criança erra na gramática, mas acerta na poesia”.

Poesia que define como “a virtude do inútil”. Poeta? “Sujeito com mania de comparecer aos próprios desencontros”. O melhor amigo, Bernardo, já falecido: “era que nem árvore. Seu silêncio era tão grande que os passarinhos ouvem e vinham pousar no seu ombro”. Ao final, palmas não tão estridentes e mais duradouras, certeza de que no Festival de Paulínia o poeta ganhou mais admiradores.

O "não-filme" de Eduardo Coutinho

Paulínia (SP) – Um “filme-ensaio”, quase um “não-filme”, ofuscou as demais atrações da noite de segunda-feira no Festival Paulínia de Cinema. “Não sei o que fiz”, diz o próprio diretor, Eduardo Coutinho. Aos 77 anos, um dos mais importantes documentaristas em atividade se arrisca em fazer algo novo e sem dúvida, árido para a maioria do público consumidor de cinema. Ao mesmo tempo, Moscou mantém coerência com o que tem desenvolvido nos últimos anos, quando iniciou parceria com a produtora Videofilmes, de João Moreira Salles.

Foi de Salles, aliás, a ideia de convidar o Galpão, grupo de teatro mineiro, para servir de laboratório para um experimento um tanto incomum: ensaiar durante 18 dias, exclusivamente para o documentário, a peça As três irmãs, de Anton Tchekhov, a quem agradeceu da seguinte forma: “ele não tem culpa do que eu fiz”, disse Coutinho, ao apresentar o filme ao público do Theatro Municipal, em demonstração física de incômodo e tensão.

O que interessa a Coutinho, como sabem todos aqueles que acompanham sua obra, é o processo. Para ele, não importa o que entra em cena, tudo é apresentação e representação, verdade e mentira, imaginário e real. Moscou mantém tais premissas, só que de maneira um tanto sofrida. Tanto que, após 70 horas de gravações e um primeiro corte de 4h40 com o texto do dramaturgo russo na íntegra, o cineasta quase desistiu do projeto. “Não tem filme”, teria dito Coutinho a Salles, que ofereceu a saída com um corte final de 80 minutos, completamente fragmentado e sem a mínima intenção de fazer sentido. A solução coloca em primeiro plano um elemento de criação menos recorrente a seus filmes: a montagem. “Saí do inferno”, disse Coutinho, em intrigante coletiva de imprensa na manhã de ontem. “Quero escapar do purgatório também”.

Segundo o próprio, as perspectivas não são as melhores. “É um filme difícil. Quase ninguém sabe quem é Tchekcov no Brasil. Até uma analfabeta vê e se interessa por Jogo de cena. Já Moscou é limitante pra quem não temnoção de teatro. De qualquer forma, o público que assiste documentário é louco. Quem vai a teatro também é, então quero juntar esse público”.

Diferente de Edifício Master e O fim e o princípio, em que procura estabelecer relação íntima com o entrevistado, Coutinho dirige o olhar sobre um grupo de atores regidos por Enrique Diaz, um dos diretores do Galpão. Para ele, este foi um processo penoso, pois teve de abrir mão do controle geralmente atribuído ao condutor de um filme. “O crédito do filme devia ser do Henrique”, chegou a dizer o realizador. “Eu me perguntava o que estava fazendo ali. Minha única preocupação era acreditar no que os atores dizem, observar o diretor que observa o grupo. Não sabia o que seria o filme, ou o que acabou se tornando”.


Os diretores Enrique Diaz e Evaldo Coutinho apresentam as regras do jogo

Lampejos de uma peça que nunca será vista integralmente, as imagens de Moscou foram feitas sem pensar em iluminação ou cenário. Entre leituras dramáticas e encenações, tudo entra em cena: camarins, caixas de papelão, extintores de incêndio, conversas paralelas, umespaço cênico esquemático e com pouquíssima luz. Há inclusive um momento de completa escuridão, rompido por fósforos riscados pelos atores.

“Tudo era válido, e ao mesmo tempo tudo era palco”, explica Coutinho, que aparece em cena uma única vez, em reunião que estabelece as regras do jogo: uma dinâmica de construção de personagens que utiliza memórias reais e inventadas, do passado e também do futuro. “Queria trabalhar com atores, que são pagos para representar a paixão dos outros. Toda memória é mentira e verdade. Da mesma forma, não dá para separar o personagem da pessoa que o representa”.

No texto original, a cidade de Moscou é compartilhada pelos personagens como destino redentor e de distinção social. No ensaio / filme, nada mais é do que uma abstração, por vezes materializada em fotografias de infância ou em desenhos de giz nas paredes. “São elementos misturados com o real, para fazer chegar a Tchekhov da única maneira possível no tempo disponível. Moscou é um ponto de partida do imaginário. As pessoassonham com um Moscou da infância, ou que vai chegar. Assim, todo mundo pode participar”, disse o diretor.

Mais adiante, Coutinho confessa que esse é um filme sobre si mesmo, definição quase que redentora para os críticos mais inquietos. “Não me interesso por filmes temáticos, sobre hospícios ou presídios. Cada vez mais quero saber o que acontece na frente de uma câmera. O que tem de verdade ou mentira nisso, não tem a menor importância”.

*publicado no Diario de Pernambuco

Festival de Paulínia // Paulo Francis fala alto


Paulo Francis no Manhattan Connection

Até o momento, a programação do 2º Festival Paulínia de Cinema não tem sido das mais emplogantes. Dos quatro longas exibidos no fim de semana, tivemos o questionável Mamonas, o doc, de Cláudio Khans e o indefensável Destino, de Moacyr Góes.

Este último, folhetim melodramático produzido, estrelado e defendido por Lucélia Santos como a primeira produção Brasil / China, foi recebido por crítica e público com gargalhadas incontidas. Neste contexto, o mineiro O contador de histórias, de Luiz Villaça, e o documentário Caro Francis, de Nelson Hoineff escapam praticamente incólumes, na noite de sexta-feira.

Personagem de si mesmo – o próprio Francis se considerava “um dos últimos dinossauros a emitir opinião” – aqui temos um dos mais controversos personagens do jornalismo brasileiro na intimidade de seu apartamento em Nova York (onde viveu a partir de 1971), com a esposa Sônia, rodeado por gatos (predileção compartilhada com Hoineff), e nos bastidores dos programas onde, dependendo do humor, xingava as telefonistas ou cantava marchas de carnaval.

Há dois meses, Hoineff fez graça que beirou o mau gosto com Alô Alô Terezinha! , eleito pelo público como melhor filme do Cine PE. Agora apresenta um filme bem mais sóbrio e pessoal, mas igualmente tendencioso, no sentido manipulador da palavra. Isso fica claro quando vem à tona a briga que Francis teve quando colunista da Folha de São Paulo, Caio Túlio Costa, que na época ocupava a função de obmudsman.

Na edição, o comentário equilibrado de Costa teve interferência de Diogo Mainardi, que insultou Costa de várias formas, inclusive evocando a alcunha de “lagartixa pré-histórica”, desferida por Francis nas páginas do periódico.

Costa revidou chamando o oponente de “barata descascada”, mas isso não consta no doc de Hoineff, que dá conta de sua origem no teatro dos anos 50 ao polêmico episódio de sua morte em 1997, por ataque cardíaco e sob processo de US$ 100 milhões aplicado pela Petrobras. “Foi um assassinato à distância”, disse Hélio Costa, um dos responsáveis pela entrada do jornalista na Rede Globo.

O único momento “Chacrinha” se dá no depoimento de Sérgio Augusto, que fala no sofá enquanto a câmera enquadra seu cachorro de barriga para cima, como se estivesse morto. Há também um bloco pernambucano dentro do filme, que mostra a banda Paulo Francis Vai Pro Céu em estúdio e aproveita para tocar em outro episódio delicado, em que Francis critica o povo nordestino para atacar a indicação de Gustavo Krauze como Ministro da Fazenda, em 1992.

A coluna, reproduzida no Jornal do Commercio, deu o que falar. E culminou em seu cancelamento, como explica o atual diretor de redação do JC, Ivanildo Sampaio. Procurado pela equipe de Hoineff, Krauze relativizou a celeuma, dizendo que pessoas como Francis são importantes para quebrar com a “vulgata marxista”. “Pensamos que ele fosse descascar o Francis, mas isso não aconteceu”, conta Hoineff, na coletiva para a imprensa.


Cena de O contador de histórias

Fábula na Febem – Apesar do viés engessante do politicamente correto, O contador de histórias tem a seu favor uma narrativa esperta, capaz de escapar das armadilhas inerentes ao apoio da Unicef / Criança Esperança, uma das tantas logomarcas presentes antes dos créditos iniciais. O filme ficciona a história de Roberto Carlos Ramos, considerado um dos maiores contadores de história do país. Tudo a partir do depoimento do próprio Ramos que, ainda criança, foi levado à Febem pela própria mãe, sem condições de criá-lo. Aos 13 anos, Ramos era considerado irremediável, até que entra em cena Margherit (ótima Maria de Medeiros), pedagoga francesa determinada em provar o contrário.

Com trilha sonora de André Abujamra, o filme investe em sequências de fantasia que despertaram reações positiva na platéia, que traduzem artifícios de memória para a linguagem do cinema pop dos anos 70 – há referências musicais e visuais ao grupo Jackson 5 e Sgt. Pepers, dos Beatles. Vale registrar participação especial do ator Chico Diaz, como uma espécie de “homem da cobra”, inserido no momento de virada do personagem, que aprende ali o valor de uma história bem contada.

Festival de Paulínia // Duas faces do riso


Destino, de Moacyr Góes – uma trapalhada e tanto

Na noite de sábado, muitas risadas ecoaram no Theatro Municipal de Paulínia. Primeiro, com a exibição de Mamonas – doc, sobre os Mamonas Assassinas. O filme é na verdade uma edição da pesquisa feita por Cláudio Khans, levantamento para a ficção Mamonas – the movie, anunciado para 2010.

Nos anos 90, a banda-piada ganhou o Brasil no melhor estilo “quanto mais ridículo melhor”. Se naquela época sua simples existência soava aviltante, o que dizer de um revival, 15 anos depois? Como diriam os antigos, a resposta veio a cavalo. Após os 85 minutos de projeção, o longa foi aplaudido de pé.

No intervalo entre os longas, uma pausa para homenagear a atriz Eva Wilma e seu mais de meio século de carreira. “A arte é o melhor meio de comunicação que existe, porque quando nos atinge jamais seremos os mesmos”, disse a atriz.

Assim que as luzes se apagaram, as risadas voltaram a dominar o teatro. Desta vez, não para as palhaçadas dos Mamonas, mas para o melodrama Destino, projeto acalentado por Lucélia Santos há 13 anos, ao custo de mais de R$ 10 milhões. Exibido pela primeira vez no Festival de Xangai, o filme é uma co-produção Brasil / China falada em inglês, português e mandarim, e fez sua estreia nacional em Paulínia. A história se estende por 18 anos da vida de uma jornalista (Lucélia Santos) obstinada em fazer uma reportagem sobre as relações entre China e Brasil.

Problemático em quase todos os sentidos, Destino é o que se pode classificar como uma bomba em longa-metragem. Longe de ser cinema, está mais para uma versão piorada das novelas que a própria Lucélia Santos estrelava nos anos 80, com direito a intervalos comerciais – os 18 patrocinadores aparecem num bloco só, na metade do filme. Diretor contratado, não é difícil imaginar porque Moacyr Góes não compareceu à exibição.

Durante coletiva de imprensa, mediada por Rubens Ewald Filho na manhã de ontem, a produtora alegou que as exigências dos patrocinadores e censura do governo chinês, que proibiu sequências de sexo e violência, teriam prejudicado a montagem, da qual participaram oito profissionais. Explicou que tudo começou com a novela Escrava Isaura, exibida na China em 1985, e que rendeu o convite para fazer algo parecido para o país asiático. A opção pelo melodrama foi feita visando o gosto do público chinês. “Quero que esse filme seja visto por milhões de pessoas. Na TV chinesa, posso ter 900 milhões de espectadores. Eles têm um temperamento mais ingênuo do que o público brasileiro, gostam de dramas, que falam de honra, orgulho ferido, traições”.

De forma que o roteiro original, concebido para dar suporte a uma série de 25 capítulos, foi modificado para longa-metragem para atender exigências da Ancine, uma das patrocinadoras. “Passamos anos inventando essa história, que tinha tudo para não acontecer. Tinha todos os elementos para desistir, mas meus oráculos diziam para continuar”, disse Santos, que defendeu a obra sem muita convicção, admitiu erros e lembrou que este é um produto que visa o mercado internacional.

“Foi o que consegui. É claro que gostaria de fazer um grande filme, de ter chegado à perfeição. Mas o roteiro tem inúmeros problemas e a direção poderia ter costurado nossas fragilidades de outra forma. Com compromissos assumidos, tive que concluir da melhor forma possível. Gostaria que fosse um bebê Johnsons, mas se esse é o que tenho, vou assumi-lo porque sou profissional e não posso jogar fora esse investimento importante para abrir novos mercados para o cinema brasileiro”.

"À deriva" divide a crítica em Paulínia


Reymond, Bloch, Dhalia e a musa teen Laura Neiva Crédito: Aline Arruda

Paulínia (SP) – Não fosse exibido fora de concurso, À deriva, de Heitor Dhalia, seria sério candidato ao prêmio de melhor longa ficcional do 2º Festival Paulínia de Cinema.

Inédito no Brasil, o filme abriu o evento na noite de quinta-feira, somente para convidados. A presença de artistas famosos, o cenário em dourado e vermelho e o teatro colossal de colunas gregas leva a crer que Paulínia está disposta a superar festivais como o de Gramado, no que seria alguma disputa fálica pelo maior tapete – o de Paulínia tem incríveis 125 metros, o dobro do utilizado em Cannes, e uma constrangedora arquibancada para o povo assistir ao desfile de celebridades como Ney Latorraca, Selton Mello, Maria Paula e até Marcos Pontes, o primeiro o astronauta brasileiro (!).

Não é bem o caso. Graças a uma grande refinaria de petróleo, a cidade conta com o 45º maior PIB do país e quer usar sua riqueza para instalar um polo de produção e formação cinematográfica, onde o festival é apenas a ponta do iceberg.


Paulínia e seu monumental teatro: apenas o começo Crédito: Aline Arruda

Sob muitos aplausos, Dhalia subiu ao palco com a equipe e elenco principal, com exceção de Vincent Cassel: Débora Bloch, Cauã Reymond e a estreante Laura Neiva. Após a sessão, a crítica estava dividida. Uma parte admirou o tratamento sensível dado pelo diretor à história da adolescente confusa ao descobrir as contraditórias leis que regem o mundo adulto; outra, questionou o que seria um voyerismo injustificado em torno de Neiva, 15 anos, meio modelo, meio atriz – na dúvida, provável nova musa do cinema.

No filme, Cassel interpreta Mathias Lafranchi, escritor francês que vive no Brasil, onde casou com Clarice (Débora Bloch) e teve três filhos. Todos passam férias numa casa de praia em Búzios, que serve de palco para descobertas adolescentes de Filipa (Neiva), a filha de 14 anos. À revelia da inocência dos irmãos mais novos, e motivada pela crise conjugal dos pais, Filipa passa a investigar o cruel código de conduta dos seres adultos.

Tudo se passa em 1976, ano em que a socialite Ângela Diniz foi assassinada pelo ex-namorado Doca Street. Assombrada pelo episódio, ocorrido numa casa das redondezas, Filipa teme pelo futuro dos pais – enquanto a mãe afoga as mágoas em doses de uísque, o pai busca inspiração criativa com a amante norte-americana.

À deriva diz respeito ao processo de amadurecimento do próprio diretor. Diferente do tom histérico / sarcástico adotado para O cheiro do ralo (2007), Dhalia apresenta com respeito e delicadeza o drama da família Lafranchi. Aposta em diálogos curtos e bons momentos de silêncio contemplativo, provocados por uma fotografia idílica que explora a textura de pedras águas translúcidas do mar. Do verde piscina ao azul crepúsculo, À deriva pode ser entendido como a busca de um diretor pela imagem perfeita, possível herança de sua carreira publicitária.

Não deixará de ser curioso acompanhar sua aceitação nos cinemas comerciais em agosto, quando estreia nacionalmente.

* publicado no Diario de Pernambuco, com alterações

Paulínia quer ser oásis do audiovisual


Ator francês Vincent Cassel contracena com Laura Neiva em À deriva, filme que abre hoje à noite o Festival de Paulínia.

A partir de hoje, uma cidade do interior paulista sedia um dos mais jovens e promissores festivais de cinema do Brasil. Hoje, e nos próximos seis dias, a reportagem do Diario, acompanha o 2º Festival Paulínia de Cinema, evento que vem despertando interesse, não só pela generosa premiação (R$ 650 mil, no total). Na cerimônia de abertura, somente para convidados, será exibido o filme À deriva, de Heitor Dhalia, que acaba de chegar do Festival de Cannes. Igualmente hors concours, encerra o festival o longa Tempos de paz, de Daniel Filho, homenageado do festival.

A partir de amanhã, entram em competição 24 longas e curtas selecionados por curadoria que tem à frente o crítico de cinema Rubens Ewald Filho. O programa inclui os longas Olhos azuis, de José Joffily, Antes que o mundo acabe, de Ana Luiza Azevedo (da Casa de Cinema de Porto Alegre), Caro Francis, de Nelson Hoineff (o mesmo de Alô Alô Terezinha, melhor filme do júri oficial e popular no último Cine PE), Sentido à flor da pele, de Evaldo Mocarzel, Quanto dura o amor?, de Roberto Moreira (de Contra todos), Moscou, novo doc de Eduardo Coutinho, sobre ensaios da peça As três irmãs, de Tchekov.

A programação, aliada a seminários e uma feira de negócios, tranquilamente poderia dar a este município a 118 km de São Paulo e pouco mais de 80 mil habitantes o status de Meca do audiovisual. No entanto, Paulínia almeja maiores pretensões: além de promover um grande evento, investe pesado para consolidar um pólo de produção e formação audiovisual. Durante o festival, serão inaugurados mais quatro estúdios – no momento há dois em funcionamento, onde foram rodados mais de 30 filmes, entre eles Jean Charles, Menino da porteira e Salve geral, novo de Sérgio Resende.

Além disso, serão anunciados os projetos contemplados pelo edital deste ano, que conta com R$ 8 milhões para a produção de dez longas. O que torna apropriada a analogia entre Paulínia e Dubai, a cidade dourada no deserto do Oriente Médio. Aliás, “Emirados Árabes” e “Hollywood brasileira”, foram termos utilizados pela imprensa para descrever o evento que pretende ser o mais novo oásis do cinema nacional.

* publicado no Diario de Pernambuco, com (poucas) alterações.