Território do cinema

Após extensa carreira em festivais, estreia hoje o longa Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro. Como tudo o que vem fazendo, o diretor de Um lugar ao Sol e As aventuras de Paulo Bruscky, fica difícil definir o que é ficção e o que é documentário na nova obra. A única certeza é a de que seus personagens se encontram em uma geografia somente permitida no território do cinema.

Sob o argumento de registrar as mudanças recentes ocorridas no bairro de Brasília Teimosa, o projeto de Mascaro foi aprovado em 2007 no edital para documentários DOC TV. No entanto, o filme se construiu como obra autônoma, que utiliza recursos de linguagem na intenção de confundir percepções do que é real e o que é representação.

Se ao assistir ao cotidiano do garoto Caio, do cinegrafista amador Phábio, da manicure Débora e do pescador Pirambu, encontramos atitudes comuns à maioria dos recifenses, o jogo de luzes, a captação de som e a fotografia elaborada nos levam a questionar até que ponto tais cenas são espontâneas, ou “naturais”. É a partir desse estranhamento que, tênue, o filme se equilibra.

Avenida Brasília Formosa chega a várias capitais através da Sessão Vitrine, que no Recife tem como parceiro o Cinema da Fundação. Atenção para os horários, pois as poucas sessões acontecem hoje, amanhã e terça-feira. Antecede o curta Material bruto, de Ricardo Alves Júnior.

Mudança de rumo – No filme, ele trabalha num restaurante e faz frilas editando videos. Tem vida religiosa ativa e gosta de dançar. Mas nem a casa em que habita no filme, em Brasília Teimosa, ou o restaurante fazem parte do cotidiano de Phábio Mello. Na verdade, ele mora no bairro ao lado, o Pina. E se na época fazia bico como garçom, hoje, aos 26 anos, vende produtos de segurança eletrônica. E nos fins de semana, filma e coloca som em eventos.

Quando foi convidado para participar do filme, Phábio pensou que não precisaria sair da rotina. Quando percebeu que precisaria interpretar um personagem, aceitou, mas durante o processo pensou em desistir. “Não conhecia Brasília Teimosa por dentro. No começo achei legal, mas tinha outros compromissos. Aí chegamos num acordo de gravar somente no tempo livre”.

Desde o começo do ano, Phábio tem viajado, representando o filme em festivais: Tiradentes, Salvador, Triunfo, São Luís, Belo Horizonte. A experiência mexeu com seus planos. “Depois que minha foto saiu nos jornais, cresceu a demanda para filmagens. E despertou a vontade de fazer um curta. Vou pegar umas dicas com o Gabriel”.

Conversa de pescador – A bordo de seu barco, Pirambu atende o telefone e conversa com o repórter. Na época da filmagem, o pescador vivia no Conjunto Habitacional construído no bairro do Cordeiro, para onde foram transferidos os moradores das palafitas. Pirambu é Alexandro José de Olivera, 35 anos. Diz que gostou do filme, que se sente bem representado. A única diferença é que ele voltou a morar em Brasília Teimosa. O apartamento ficou com a tia. “Eu tenho um barco de pesca, não dá pra morar naquele meio de mundo. Meu trabalho é aqui”.

No mais, Pirambu diz que continua com a mesma vida de quando foi convidado para participar do filme. Nada de estranhar os equipamentos ou o movimento da equipe. “Já participei de várias reportagens para a TV sobre o dia a dia no mar. E a conversa dos pescadores é aquela mesma, só não é aquela parte de falar de mulher, não é assim não, era só a gente puxando conversa pra fazer a cena”, brinca. Quando soube a data em que seria publicada esta reportagem, ele lamenta não poder conferir o jornal. Pirambu está no alto mar e só volta em 10 dias. O nome do seu barco? “Deus Todo Poderoso”.

Manicure extrovertida – “Aquilo ali é a minha realidade, o meu dia a dia, muito pouco foi mexido”, conta a manicure Débora Leite. Muito pouco? “Algumas coisas que eu falei, na forma de agir e a festa que a gente foi. Não frequento aquele barzinho. No mais, foi natural, não fiz cena”. Se a vontade de participar do Big Brother surgiu como proposta da produção, aos poucos foi sendo assumida por Débora como um desejo real, a ponto de ter mandado o vídeo para se inscrever no programa global, no ano passado. “A experiência de fazer o filme foi ótima, sou extovertida, adoro aparecer. Estou pensando em enviar o vídeo novamente este ano”.

De 2008 pra cá, Débora continua vivendo e trabalhando no mesmo lugar, o Salão Belas Unhas, que ontem completou 12 anos. “A única mudança na minha vida foi ter trocado de namorado”. Sobre a forma como Brasília Teimosa é apresentada no filme, a manicure de 32 anos diz que o bairro tem coisas bem melhores para se mostrar. “Por conta da compra dos terrenos ao redor, ele está menor do que antes, mas continua a mesma coisa em termos de comunidade”.

(Diario de Pernambuco, 08/10/2011)

"Avenida Brasília Formosa" tem première no Recife hoje, no Cinema da Fundação

Após passagem em festivais da Holanda, República Tcheca, Argentina, Peru e Rio de Janeiro, Avenida Brasília Formosa, novo longa de Gabriel Mascaro, será exibido pela primeira vez no Recife hoje. Até então, o projeto contava com uma versão de 50 minutos para a TV, patrocinada pelo programa de fomento ao documentário DocTV.

Assim como ele, a versão longa apresenta quatro protagonistas, que têm no bairro de Brasília Teimosa, localizado entre a Zona Sul e Centro do Recife, um palco de histórias particulares. A sessão será às 20h, no Cinema da Fundação, somente para participantes do 14º encontro da Socine.

Enquanto a câmera esquadrinha a geografia do local, o filme se constrói na subjetividade de um rapaz que divide seu tempo entre o ofício de garçom e videasta, uma cabeleireira que sonha em entrar no Big Brother, um pescador retirado das palafitas e que agora precisa cruzar a cidade atrás do ganha-pão, e uma criança simplesmente entregue à infância, incólume.

O grau de autorrepresentação com que essas pessoas se mostram, sem nunca olhar para a câmera (a ponto de torná-la invisível). Nas entrelinhas está o recorte urbano já explorado por Mascaro em Um lugar ao Sol.

Aqui de outra forma, mas que continua a dizer muito sobre arranha-céus que assombram a região – historicamente, a comunidade desafia a expansão imobiliária que a toque de caixa verticaliza a cidade. Daí a dificuldade de quem procura classificar Avenida Brasília Formosa. Ficção ou documentário? No impasse, os dois. Ou melhor, até: cinema.

(Diario de Pernambuco, 06/10/10)

É Tudo Verdade anuncia primeiros selecionados

O festival de documentários É Tudo Verdade anunciou ontem uma lista com quinze produções selecionadas para sua 15ª edição, que acontecerá entre 8 e 18 de abril, em São Paulo e no Rio de Janeiro. O curta pernambucano As aventuras de Paulo Bruscky, de Gabriel Mascaro, está entre os divulgados nesta primeira lista.

Ele concorre na categoria curta-metragem nacional com Bar da estação, de Leonardo Ayres Furtado (MG), Mãos de outubro, de Vitor Souza Lima (PA), Querida mãe, de Patricia Cornils (SP), Xetá, de Fernando Severo (PR), Karl Max way, de Flavia Guerra e Maurício Osaki (SP), Acontecências, de Alice Villela e Hidalgo Romero (SP), Bernnô, de Pedro Gorski (SP) e Se meu pai fosse de pedra, de Maria Camargo (RJ). Assim como o filme de Mascaro, os dois últimos têm como personagem artistas plásticos, no caso, o pintor Bernnô e o escultor Sérgio Camargo.

Para a mostra de longas nacionais, foram selecionados Arquitetos do poder, de Vicente Ferraz e Alessandra Aldé (RJ), O Contestado – Restos mortais, de Sylvio Back(RJ), Eu, o vinil e o resto do mundo, de Lila Rodrigues e Karina Ades (SP), Fora de campo, de Adirley Queirós (DF), Manual prático de como ter sucesso na política brasileira, de Felipe Lacerda (RJ), Programa Casé – O que a gente não inventa não existe, de Estevão Ciavatta (RJ), e Terra deu, terra come, de Rodrigo Siqueira (MG).

Os programas especiais incluem No meio do rio, entre as árvores, de Jorge Bodanzky, Doce Brasil Holandês, de Mônica Schmiedt, e Sobre rios e córregos, de Camilo Tavares. Nos próximos dias, o festival revelará a seleção internacional e novos títulos nacionais inéditos.

(Diario de Pernambuco, 11/03/2010)

Visões da elite brasileira

Em pleno trânsito por festivais do mundo, o documentário pernambucano Um lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro, estreia hoje no Cinema da Fundação. Por enquanto, é a única sala do Brasil a exibir este filme corajoso e necessário. Primeiro, porque Mascaro enfrenta essa espécie de pudor que o cinema nacional tem em abordar a elite e seu imaginário. Segundo, porque ao abrir esse canal, expõe o que há de distorcido e inabalável nessa realidade construída a centenas de metros do chão, cujas convicções se traduzem na imagem-síntese de uma coluna de concreto cravada nas fundações de um edifício, logo no início do filme.

Do Festival de Cartagena, Colômbia, onde onde participa com o longa, Mascaro conta quais motivações o levaram a realizar Um lugar ao Sol. “Percebi uma quase que absoluta ausência de produção de conteúdo audiovisual documental brasileiro que inferisse sobre grupos privilegiados socialmente. Isso me tomou como desafio. Numa segunda premissa, percebi a velocidade que a paisagem urbana no Recife vem se transformando nos últimos anos. Eu poderia também refletir sobre o triunfo dessa arquitetura vertical que hoje é lida no imaginário brasileiro como sinônimo de ‘morar bem'”.

Para chegar às oito histórias coletadas no Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, Mascaro e equipe consultaram um livro com o nome e endereço de 125 donos de coberturas. Sozinhos ou acompanhados pelos familiares, eles tentam traduzir em palavras seu cotidiano. Uma mulher que mora em frente a um morro do Rio de Janeiro descreve a troca de tiros como algo lamentável, mas colorido e bonito de assistir à noite, um espetáculo que batizou de “luzes flamejantes”. E que certa vez alguém foi morto na esquina do condomínio, mas eles nem ficaram sabendo porque estão a um quilômetro de altura. Outra personagem diz que é um alívio não ouvir o barulho de panelas e empregados na cozinha, como se não estivessem lá. “Graças a Deus”, “agir na hora certa” e “muita luta” são palavras usadas para justificar seu modo de vida.

“Não há como pensar o triunfo do modelo vertical para fins residenciais no Brasil sem pensar a violência e a insegurança. E esta possibilidade de leitura talvez complemente este debate internacional e interesse sobre as questões sociais no Brasil. Acho que é a primeira vez que o documentário brasileiro tem ‘set de filmagem’ numa cobertura de classe média alta. O filme gera essa curiosidade inerente àquilo que é distante, alto, desconhecido”. Depois de Cartagena, Um lugar ao sol viaja para Miami (EUA), Toulouse (França), Málaga (Espanha), Lisboa (Portugal), Bangkok (Tailândia) e Montevidéu (Uruguai).

Para Mascaro, a carência de filmes sobre a elite gerou um problema de apreciação do documentário. “As pessoas esperam um documentário que seja uma representação sólida dessa ‘elite’. E Um lugar ao Sol não se propõe a isso. O tema da arquitetura está no filme mas as pessoas não são uma massa de cimento homogêneo possuidor de uma voz de classe totalizante. É um filme de encontro, que se estabelece a partir de um contato com alguns sujeitos singulares”.

(Diario de Pernambuco, 26/02/2010)

Presença pernambucana em território holandês

A ponte que liga pernambucanos e holandeses é cruzada novamente, desta vez pelo cinema. Recife frio e Avenida Brasília Formosa, dois títulos da recente cinematografia local, integram a seleção oficial do Festival de Roterdã. Belair (RJ), de Noa Bressane e Bruno Safadi, completa o rol de brasileiros em Roterdã, um dos cinco grandes festivais do mundo ao lado de Cannes, Berlim, Veneza e Sundance.

Recife frio (Cold tropics), curta de Kleber Mendonça Filho (Vinil verde), participa amanhã e sexta-feira da mostra Spectrum, um panorama mundial não-competitivo. Avenida Brasília Formosa (Defiant Brasília), de Gabriel Mascaro (KFZ 1348), será exibido pela primeira vez nos dias 2 e 3 da mostra Bright Future. Os dois filmes têm em comum uma abordagem da cidade sob pontos de vista pessoais e intransferíveis.

Inédito, Avenida Brasília Formosa se aproxima de quatro moradores do bairro de Brasília Teimosa, logo após a intervenção urbanística que removeu palafitas e estendeu o logradouro que evoca o novo conceito para a antiga comunidade de pescadores. O conflito entre identidade nova e antiga (sugerido já nos primeiros minutos quando o ônibus com o itinerário “Brasília Teimosa” desliza sobre o asfalto) é o foco no qual se desenvolve o filme. Desprovidos de palafitas, seus protagonistas agora desafiam não apenas a expansão imobiliária, mas a imagens pré-concebida sobre seu cotidiano.

Multipremiado no último Festival de Brasília e eleito melhor filme (júri oficial e popular) no 13º Festival de Santa Maria da Feira (Portugal), Recife frio será apresentado esta semana em dois festivais. Hoje, na Mostra de Cinema de Tiradentes (MG); amanhã e depois, em Roterdã. “Em Brasília, fizeram uma associação entre Recife frio e o passado holandês da cidade. Vou checar se isso procede”, diz o realizador. Se depender da boa resposta de público e crítica até o momento, tudo indica que sim.

Com cenas antológicas como o esvaziamento dos arranha-céus de Boa Viagem, uma praia de pinguins no litoral sul, o Rio Capibaribe transformado em bloco de gelo e participação de Lia de Itamaracá, o curta também integra a retrospectiva que o 22º Festival de Cinema Latino-Americano de Toulouse (sul da França) fará ao diretor, em março.

Antes de ir para Roterdã com sua Brasília, Mascaro faz escala em Tiradentes, onde exibirá o longa anterior, Um lugar ao sol. Lado a lado, os documentários provocam interessante contraste entre depoimentos de ultra-ricos nas coberturas e o cotidiano quase invisível (como a câmera de Mascaro) dos habitantes de Avenida Brasília Formosa.

(Diario de Pernambuco, 27/01/2010)

Uma rua que mudou vidas

Avenida Brasília Formosa, novo filme de Gabriel Mascaro, será lançado hoje, às 18h, em evento na Associação dos Moradores de Brasília Teimosa (Rua Paru, 291). Quem promove a projeção é a TV Universitária, parceira local do Doc TV, programa que em sua quarta edição contemplou 55 roteiros de todo o Brasil, entre eles, o escrito por Mascaro. O resultado começa a ser mostrado a partir da próxima quinta-feira, em programas semanais. Na telinha, o filme de Mascaro será exibido somente em setembro, o que faz da sessão de hoje uma avant-première especial, inclusive pelo fato de ser um retorno à população do bairro-objeto do filme.

Esta não é a primeira produção do diretor a ser exibida em rede nacional. Em 2007, uma versão reduzida de KFZ – 1348 (dirigido com Marcelo Pedroso) entrou na grade do SBT através do projeto Documenta Brasil. “Me sinto contemplado ao fazer um filme com total independência e liberdade de criação, e ver esse trabalho na TV”, diz Mascaro, por telefone. “Até porque escolhi um roteiro ficcional, que foi aprovado num edital para documentários”.

Antes que a declaração provoque celeumas, explica-se: em Brasília Formosa não há território delimitado entre linguagens. Longe do conceito de “câmera invisível” proposto pelo cinema direto, o filme promove encontros entre pessoas que tiveram as vidas alteradas pela construção da avenida que substituiu as palafitas. Segundo o realizador, tais encontros de inclinação ficcional se tornaram a “matéria fílmica”.

“É um projeto arriscado e ao mesmo tempo despretensioso”, comenta o diretor, ao descrever as opções estéticas adotadas com o diretor de fotografia Ivo Lopes de Araújo, diretor de Sábado à noite (também contemplado pelo DocTV) e fotógrafo do curta Grão, de Petrus Cariry. “Optamos por planos fixos e distantes dos personagens. Além disso, usamos jogo de espelhos para direcionar a luz em ambientes fechados. Resolvemos nos aproximar daquela realidade a partir dos sons. Isso trouxe uma complexidade interessante, que mistura ruídos com vozes nem sempre compreensíveis. Há momentos em que colocamos três faixas de música ao mesmo tempo”, descreve Mascaro.

O projeto do média-metragem de 52 minutos começou a ser filmado em setembro de 2008, mas a história entre diretor e locação é anterior. “Tenho uma relação pessoal com Brasília Teimosa, sempre estou por lá”. A ideia para o roteiro surgiu quando ele percebeu que havia uma “conexão sonora” na comunidade. Essa sinfonia que vem de vários lugares foi entendida como um espaço de coletividade e intimidade diferente do vivido pela classe média.

Assim como em KFZ, o plano a médio prazo é lançar a versão para cinema de Avenida Brasília Formosa, que já está montada e terá 1h35 de duração. Antes, porém, Mascaro se dedica à promoção do longa Um lugar ao sol, documentário que enfoca nos moradores das coberturas do Recife, São Paulo e Rio de Janeiro.

"KFZ-1348", de Marcelo Pedroso e Gabriel Mascaro terá exibição neste domingo, no SBT

A Símio Filmes convida para a exibição em rede nacional de “KFZ-1348“, de Marcelo Pedroso e Gabriel Mascaro. Produzido pela Rec Produtores Associados, “KFZ-1348” será exibido na rede SBT, neste próximo domingo, dia 05, à meia-noite, como parte do programa “Documenta Brasil“.