Paisagem do abandono

Após estreia no Festival de Veneza, prêmios em Havana, Toulouse, Paris e no Festival do Rio, Viajo porque preciso, volto porque te amo chega ao circuito comercial. O novo filme de Karim Aïnouz (O céu de Suely) e Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e urubus) é joia rara da contemplação cinematográfica.

Temos aqui não mais uma história, mas “A” história de amor, a que se joga de cabeça, como bem sugere a imagem final. O ponto de vista do filme é 100% subjetivo e emana de um único personagem, o geólogo José Renato (Irandhir Santos). Para quem assiste, o sentimento é o de incorporar sua identidade. Sem nunca aparecer em cena, ouvimos seus pensamentos, olhamos pelos seus olhos.

José Renato está em viagem de trabalho pelo interior nordestino, com a missão de encontrar o melhor caminho para a transposição do Rio São Francisco. Aos poucos, a tarefa cai para o segundo plano. Ele revive seu amor por Joana, que ficou em Fortaleza. Aparentemente à deriva, paisagens, cidadese personagens do Sertão são costuradas pela dor da separação.

As imagens de Aïnouz e Gomes têm forte teor afetivo e documental e ganham sentido ficcional com o roteiro escrito depois da captação, feita em vários suportes (35mm, 16mm, super 8, digital). O resultado tem densidade poética e busca pontes com a cultura popular – há passagens pela feira de Caruaru, Juazeiro do Norte, bares e cabarés de beira de estrada. O próprio nome do filme brinca com a cultura romântica das boleias de caminhões, que transitam neste road-movie existencial para ser assistido sem pressa.

(Diario de Pernambuco, 28/05/2010)

O cinema que enxerga o mundo

A 2ª. Janela Internacional de Cinema começa hoje, às 19h, com uma seleção surpresa de curta-metragens e a exibição de Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz. Esta será sua primeira sessão pública no estado. O filme estreou mês passado, sob elogios, no Festival de Veneza. Uma semana atrás, foi premiado no Festival do Rio nas categorias direção e fotografia (Heloísa Passos). Após a projeção, Gomes conversa com o público e convidados do evento no Encontro dos Realizadores. Double take (Bélgica, 2009) de Johan Grimonprez, Politist adjectiv (Romênia, 2009) de Corneliu Porumboiu e Los abrazos rotos (Espanha, 2009), de Pedro Almodóvar, são outros longas do fim de semana.

Por telefone, Marcelo Gomes diz ao Diario que ficou surpreso com a receptividade do público de Veneza, Rio de Janeiro e Paraty (onde foi exibido no fim de semana) a um filme que define como pessoal e sem concessões. “São três platéias diferentes que mostraram reações parecidas”. Modesto, atribui parte do interesse ao título incomum, que pode muito bem ser encontrado no pára-choque de um caminhão qualquer. “O nome estimula muito a curiosidade. É uma frase ultra-romântica, mas que tem tudo a ver com a narrativa do filme”.

Gomes descreve sua parceria com Aïnouz (Madame Satã, O céu de Suely) como um road movie que se abriga dentro de um filme de amor. Construído com elementos de documentário, ficção e videoarte, o enredo é simples e direto: um geólogo (Irandhir Santos) vai para o Sertão em busca de fontes d’água.

A ausência de concessões, diz o diretor, está na opção pela narrativa em primeira pessoa, mesmo que o personagem nunca apareça em cena; nos silêncios narrativos a traduzir seu estado emocional de abandono e solidão; no roteiro que evita situações objetivas de causa e efeito, mas que é conduzido pelo estado de espírito do protagonista. “Para nós, mais importante do que contar uma história é descobrir novas formas de contá-la. Queremos instigar a criatividade e a emoção do público. Que o filme permaneça nas pessoas após a sessão”.

Curtas, mostras e programas especiais – Apesar do apelo dos longas, a mostra competitiva de 72 curtas deve render boas surpresas. Eles estão divididos em duas categorias (nacional / internacional) e 14 programas temáticos, distribuidos ao longo da semana. Por exemplo, amanhã, às 17h50, o programa Eu me lembro traz os filmes Olhos de ressaca (RJ), de Petra Costa, A montanha mágica (CE), de Petrus Cariry, 98001075056 (SP), de Felipe Barros, Três tabelas (SP), de Tatiana Azevedo, As sombras, de Juliana Rojas e Marco Dutra, e Minami em close-up – A boca em revista (SP), de Thiago Mendonça. Às 16h, o programa Amor, perdas e danos traz, entre outros, o curta Noche adentro (Paraguai -Argentina), de Pablo Lamar. Alguns dos realizadores são convidados do evento e estarão presentes nas sessões como Pablo Lamar, Thiago Mendonça, Thiago Ricarte, (Chapa – SP), Claudio Marques e Marilia Hugues (Nego fugido – BA) e Ian Strang (Dearest / Meus Queridos – Canadá).

Durante a semana, a programação da Janela se estende para o Cinema Apolo e se desdobra em programas especiais em parceria com o Festival de Oberhausen, Cachaça Cinema Clube, Aliança Francesa, Trincheira Filmes e o Hospital do Câncer. O formato videoclipe ganha espaço no MoVi Oberhausen e uma retrospectiva 15 anos do videoclipe pernambucano.

2ª Janela Internacional de Cinema do Recife
Quando: de 16 a 24 de outubro
Onde: Cinema da Fundação (Rua Henrique Dias, 609 – Derby) e Cinema Apolo (Rua do Apolo, 121 – Bairro do Recife)
Quanto: R$ 1 (preço único para sessão de curtas-metragens); R$ 4 e R$ 8 (meia-entrada e inteira para sessões de longa-metragem); Entrada franca em sessões do Cineclube Dissenso e na Aliança Francesa.
Informações: http://www.janeladecinema.com.br

(Diario de Pernambuco, 16/10/2009)

Novo projeto de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz em sessão única no Recife

Imperdível a sessão de “Carranca Acrílico Azul Piscina“, de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, nesta quarta (02), às 20h, no Cinema da Fundação.

Inicialmente batizado “Sertão de Acrílico Azul Piscina”, este é um exercício de 26 minutos, considerado por Gomes “um ensaio poético sobre o Sertão”. Com passagem em alguns festivais do Brasil e exterior, o vídeo documenta cenas do sertão nordestino contemporâneo – figuras humanas, devoção religiosa, sol escaldante. Imagens captadas em em diferentes suportes, como o super 8, slides fotográficos e filme de 16mm.

É bom chegar com alguma antecedência, porque provavelmente as 197 cadeiras da sala serão poucas. Esta é uma versão experimental do filme, em desenvolvimento desde o ano 2000. Além de conferir esta versão prévia, o público terá a chance de participar de um papo com Marcelo Gomes, que retomou o projeto com Aïnouz este ano. A entrada é franca, pois a sessão está dentro da programação do Cine-PE. Senhas serão distribuídas na bilheteria, a partir 19h30.

Se você não pode assistir no Cinema da Fundação, há uma versão editada em 2003 de “Sertão de Acrílico” disponível em DVD, na coletânea “Brasil 3×4“, produzido pelo Rumos Itaú Cultural, programa que investiu no desenvolvimento do roteiro de Gomes e Aïnouz.

Abaixo, a sinopse enviada pela Fundaj:

Em 2000, Marcelo Gomes e Karin Aïnouz iniciaram um trajeto pelo Sertão observando como a tecnologia estava afetando uma cultura essencialmente vinculada a ancestralidade. A idéia era colocar essas informações num documentário afetivo e poético sobre esse paradoxal encontro. As pesquisas e a experiência ajudaram os cineastas a desenvolver outros projetos como “Cinema, Aspirinas e Urubus” e “O Céu de Suely”, ficando o documentário “Carranca Acrílico de Azul Piscina” em segundo plano. Hoje a dupla retoma o projeto que passará por um novo tratamento ao longo de 2007 e se transformará num longa-metragem, recebendo outro nome e nova abordagem.