Entrevista // Luiz Carlos Barreto: "O cinema nacional precisa de autonomia"


Crédito da foto: Daniela Nader

Este não é um filme político. Este não é um filme político. Este não é um filme político. Ao longo do ano, a equipe de Lula – o filho do Brasil, repetiu esta frase como um mantra, enquanto a mídia nacional esquadrinhou cada milímetro da produção em busca de evidências. Agora que ele entra em cartaz, o assunto parece ter se esgotado e quem sabe o filme passe a ser avaliado por critérios intrínsecos, como atributos estéticos e poder de se comunicar com o público.

Em entrevista ao Diario, Luiz Carlos Barreto, 81 anos, produtor e idealizador do projeto, diz que o maior inimigo de Lula é não é a oposição política, mas Avatar, o blockbuster de James Cameron que domina o circuitão e impediu o plano original do filme de seu filho Fábio, entrar em cartaz em 500 salas – agora são “apenas” 354 cópias (para se ter uma ideia, o maior lançamento nacional de 2009, Se eu fosse você 2, entrou com 197 cópias). Leia mais a seguir.

Lula – o filho do Brasil entra em cartaz hoje em 354 salas. Qual é a expectativa?
É muito grande, sobretudo no Nordeste. O filme deve chegar a 3 milhões de espectadores, ou mais.

O plano original era de entrar em 500 ou 600 salas. Qual foi o impedimento?
Este é apenas o ponto de partida. Dependendo da performance vamos ampliar. Somos cautelosos pois estamos numa temporada de muitos filmes. Somente Avatar ocupa quase 600 salas. Enquanto não existir um parque de exibição maior, precisamos regulamentar a ocupação, que está sendo feita de forma irracional.

Em Pernambuco, terra natal do presidente, o filme entra em onze salas. Serão suficientes?
Em Pernambuco, a gente queria quatro salas no Shopping Recife, quatro no Guararapes e as duas de Garanhuns. Em Caruaru, uma das maiores cidades do interior nordestino, não tem cinema. Disse para os administradores de lá que poderíamos interferir para reabrir os cinemas que fecharam, mas eles não demonstrassem interesse.

Haverá estratégias de exibição alternativa?
Estou planejando um sistema de exibição volante para daqui a umas dez semanas. Estou vendo com Alfredo Bertini o que pode ser feito em Pernambuco, em cidades como Limoeiro e Pesqueira, que não têm cinema. A Índia tem milhares de cinemas desse tipo, itinerante.

Como está a recuperação de Fábio?
As notícias são boas. O perigo já passou e lá pelo fim de janeiro espera-se que ele tenha alta. Se haverá sequelas, é algo imprevisível. O Brasil é quase campeão deste tipo de acidente e pessoas em situação parecida se recuperaram. Essa tragédia está acontecendo num momento tão especial para ele. Vamos guardar as informações e repassar para ele assim que for possível.

Você estava com Lula na exibição em São Bernardo. O que ele achou do filme?
Primeiro ele ficou impactado, depois feliz. Ele não conseguia falar, foi muita emoção. É muito difícil assistir a própria vida na tela, é uma sessão de psicanálise pesada. Ele demonstrou surpresa e disse que não esperava que sua vida fosse dar um filme tão bom. Foi modéstia.

O projeto vai gerar outros produtos além do longa?
Pensamos numa minissérie para daqui a dois ou três anos.

O presidente Obama pediu uma sessão na Casa Branca?
Soube que havia uma intenção dele em ver o filme, mas não há nada oficial. Antes de vir ao Brasil, Jimmy Carter pediu para assistir Dona Flor e seus dois maridos (de Bruno Barreto) para conhecer melhor o país. Talvez Obama use a mesma estratégia.

No último Festival de Brasília você anunciou que iria se aposentar da carreira de produtor. E daqui pra frente, como será?
Vou me dedicar a política cultural, para que o cinema possa evoluir para a autossustentação, para geração de empregos. Para isso, só tendo um mercado forte. Não dá para ter um cinema subjugado pelo tacão do Estado. O cinema nacional precisa de autonomia artística e econômica.

(Diario de Pernambuco, 01/01/2010)

Cinema // Destino de Lula nas mãos dos brasileiros


Foto: Otávio de Souza / Divulgação

Conforme anunciado há mais de um ano, Lula – o filho do Brasil, de Fábio Barreto (O quatrilho), entra em cartaz amanhã em centenas de cinemas de todo o país.

Dada a alta popularidade do presidente e agressiva estratégia de divulgação, a expectativa é grande para saber se a bilheteria do filme realmente será um fenômeno do tipo “nunca antes na história deste país”. Até agora, os números do investimento levam a crer que sim. É o maior lançamento (R$ 4 milhões) e a produção mais cara (R$ 12 milhões) do cinema nacional. Há também a pretensão de disputar o Oscar 2010, assumida desde o início do projeto idealizado por Luiz Carlos Barreto e família.

Lula, o filme, não tem somente as características do melodrama que, quando funciona, provoca lágrimas. Ele romantiza a vida pregressa do atual presidente a ponto de fazer da trajetória de Luiz Inácio da Silva (Rui Ricardo Diaz) algo tão perfeito quanto inverossímil. Da vida de retirante a líder operário, ele surge como o heroi predestinado ao papel de líder moderado, justo e passional. Mesmo quando chora no colo de Dona Lindu (Glória Pires), vítima de imposições do destino como a morte da primeira esposa, Lourdes (Cleo Pires) e a perseguição política, não há conflito ou falhas de caráter. Mesmo criança, em Caetés, tem ímpeto para defender a mãe dos arroubos violentos do pai, Aristides (Milhem Cortaz).

Contar a história do retirante nordestino que hoje toma chá com a rainha da Inglaterra é uma estratégia e tanto para emocionar plateias. Positiva ou não, a repercussão até agora contou a favor da produção. Assim como na vida real, o destino de Lula agora está na mão dos brasileiros.

(Diario de Pernambuco, 31/12/2009)

Filme sobre retirante que virou presidente é testado no Recife

Brasília (DF) – Somente para convidados, Lula, o filho do Brasil teve sua primeira exibição pública durante a abertura do 42º. Festival de Brasília. Com inegáveis qualidades técnicas e recursos narrativos direcionados a grandes audiências, o longa-metragem dirigido por Fábio Barreto “nasceu” em sessão hour concours, na noite de anteontem, no Teatro Nacional. No Recife, o filme que dramatiza a biografia do presidente em exercício Luiz Inácio Lula da Silva tem pré-estreia marcada para hoje, às 20h, no Teatro Guararapes, com a presença do elenco principal. Até janeiro, quando estreia em pelo menos 500 salas do circuito nacional, haverá sessões especiais em São Bernardo do Campo, João Pessoa (durante o Fest Aruanda) e no Rio de Janeiro.

Desde o ano passado, quando anunciaram o início das filmagens, os Barreto e demais membros da equipe (inclusive atores) reiteram o mantra de que não há intenção política em dramatizar a história do retirante pernambucano que chegou à presidência. Não por acaso, a estrutura é similar à de Dois filhos de Francisco. Só que em vez do show triunfante no final da história, há imagens de arquivo da posse presidencial de 2003. “Este não é um filme político, mas um melodrama épico. Antes de tudo, é a história de uma mãe e seu filho. Em segundo lugar, está o drama das milhares de famílias que migraram do nordeste em busca de melhores condições”, disse Fábio Barreto, em coletiva de imprensa promovida na manhã de ontem.

Mesmo com todas as negativas, não há dúvida de que o filme se tornará um poderoso agente mitificador da figura do presidente – e claro que isso tem sua função política. Por sua vez, a ascendente popularidade e prestígio de Lula alimenta o interesse pela película. Os produtores agradecem: de que outra forma empreiteiras, fabricantes de automóveis e de bebidas e outros representantes da iniciativa privada bancariam uma produção com orçamento de R$ 16 milhões, o maior do cinema nacional?

A presença da GloboFilmes como co-produtora é no mínimo curiosa. Afinal, em 1989, a TV Globo, foi acusada de manipular a edição do último debate entre Lula e Collor, o que teria sido decisivo na derrota do petista. Vinte anos depois, uma das empresas do grupo – responsável pela estratégia de Os normais e Se eu fosse você – pretende tornar a cinebiografia do atual presidente, além de possível candidata ao Oscar de melhor filme estrangeiro, na maior bilheteria do cinema nacional.

Para tanto, apelo popular não falta à produção. De forma direta, a vida pregressa de Lula (Rui Ricardo Dias, longe da caricatura fácil) é contada cronologicamente, de 1945, quando nasceu nas mãos da parteira em Caetés, agreste pernambucano, a 1980 quando morre a mãe, Dona Lindu (Glória Pires). Entre a bondade do irmão Jaime (Maicon Gouveia), decisiva para a migração da família, e a violência do pai Aristides (Milhem Cortaz), surge o operário prestes a ser mutilado, no corpo pelo acidente na fábrica, e na alma, pela perda de Lurdes (Cléo Pires), a primeira esposa, no momento do parto.

Combalido, no colo da mãe, o heroi retoma o poder ao lado da nova companheira, Marisa (Juliana Baroni), cujo primeiro encontro tem um viés engraçado e gerou o momento mais descontraído na plateia. Ao que Lula ascende enquanto liderança sindical, a reconstituição do discurso para 80 mil trabalhadores no Estádio da Vila Euclides, feito com 600 figurantes multiplicados digitalmente, se torna um dos momentos mais vibrantes dos 125 minutos de projeção.

Apelo popular de Lula não contagia Brasília
Nunca antes na história do Festival de Brasília uma cerimônia de abertura foi tão tumultuada. Do lado de dentro da sala Villa Lobos do Teatro Nacional, pelo menos 200 pessoas, entre ministros, congressistas e até parte do elenco principal ficaram sem ter onde sentar.

Do lado de fora, foi grande o empurra-empurra para conferir o mais polêmico filme brasileiro dos últimos tempos. Muita gente ficou pra fora. Outros conseguiram entrar na base da “carteirada”. Sintomas de um evento disputado em Brasília.

Ao mesmo tempo, nada poderia ser mais simbólico para o festival, famoso por acolher filmes polêmicos e de inclinação política, do que começar as atividades recebendo uma plateia em grande parte formada por políticos e funcionários públicos de diferentes escalões. Lula, personagem principal da produção, não compareceu. Esteve representado pela primeira-dama Marisa Letícia, que no final da sessão abraçou emocionada Glória Pires, disse que se viu na interpretação de Juliana Baroni e as convidou para, junto com os Barreto, tomar um drinque com o presidente no Palácio do Planalto.

A mesma elegância não ocorreu antes da projeção, quando quase rolou um barraco. Dispensando qualquer formalidade, o clã Barreto criticou a falta de cadeiras para o elenco. Irritado com a organização, Fábio praticamente arrancou o microfone da mão da irmã e ameaçou não começar a sessão enquanto o problema não fosse resolvido. Chegou a sugerir que uma fileira de 30 pessoas se levantasse para acomodar o grupo. Como resposta, ouviu vaias e brincadeiras de mau gosto. A situação inclusive ofuscou uma tentativa de protesto a favor da extradição de Cesare Battisti, promovido pelo grupo cearense Crítica Radical.

A confusão certamente não se repetirá hoje à noite, no Recife, já que o Teatro Guararapes comporta 3 mil pessoas. De acordo com a assessoria de imprensa da Bertini Produções, responsável pelo evento, 1.500 convites duplos foram distribuídos a autoridades, formadores de opinião, empresários, profissionais liberais, estudantes e cineastas. Entre osconvidados especiais estão o governador Eduardo Campos e a família de Lula (uma parte vem de São Paulo e outra de Caetés e Garanhuns). O presidente, que originalmente estaria na sessão cancelou a viagem porque quer evitar conotação política. Assistirá o filme com os sindicalistas, no próximo dia 28, em São Bernardo do Campo. De qualquer forma, por precaução, uma dica para possíveis coquetéis que antecedam ou encerrem tais eventos: evitem a gafe do buffet de Brasília, que serviu, entre outros quitutes, picadinho de lula no casquinho.

Barretão pendura chuteiras
Aos 81 anos, Luiz Carlos Barreto encerrou a coletiva de ontem com a inesperada declaração de que Lula, o filho do Brasil foi a última produção de sua longa trajetória no cinema.

“Depois de 46 anos de militância cinematográfica, estou entregando o leme a Paula, Fábio, Bruno e Júlia”, disse Barretão, ao lado de sua esposa Lucy. “Esse filme, que tive a felicidade de estar vivo para fazer, completou minha carreira”, garantiu o veterano produtor de Dona Flor e seus dois maridos (1978), a maior bilheteria da história do cinema nacional.

Cearense de Sobral, Barreto começou a carreira como fotógrafo da revista Cruzeiro, ofício que transpôs para o cinema em pelo menos dois clássicos: Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos, e Terra em transe, de Glauber Rocha. Em 1961 fundou a LC Barreto, cuja primeira produção foi Assalto ao trem pagador, de Roberto Farias. De lá para cá, mais de 80 filmes foram lançados sob a marca da produtora.

Sobre o derradeiro trabalho, que nasceu sob sua iniciativa com base no livro homônimo de Denise Paraná, Barreto afirmou com veemência que nele não há qualquer sentido eleitoreiro. “É um filme didático. Para mostrar aos brasileiros ricos e pobres que as relações familiares devem ser reforçadas. Pois é assim que se transforma uma nação”, disse, enquanto a filha Paula contia as lágrimas.

(Diario de Pernambuco, 20/11/2009)

Lula, o filme, chega às telas este ano


Diretor Fábio Barreto pretende estrear a cinebiografia ficcional do presidente em outubro
André Dib // Especial para o Diario
andrehdib@gmail.com

Garanhuns – No set de Lula – O filho do Brasil, Fábio Barreto agia de forma um tanto apreensiva. No terceiro dia de filmagens, repetiu pelo menos uma dezena de vezes a cena da partida do pau-de-arara, que conduziu a família de Dona Lindu de Caetés ao litoral paulista. Um perfeccionismo mais do que justificado, considerando a importância da história a ser retratada. Inicialmente, o filme seria um documentário. Três anos atrás, quando se optou pelo gênero ficcional, o filho mais novo de Luiz Carlos e Lucy Barreto foi uma escolha natural para conduzir a produção. Em entrevista exclusiva ao Diario, Barreto revela detalhes do que pode ser seu mais ambicioso projeto, que deve estar nos cinemas ainda em 2009.

Entrevista // Fábio Barreto: “Estaremos no Oscar do ano que vem”

Uma inevitável dúvida paira sobre as implicações políticas de produzir um filme sobre um presidente em exercício, que certamente estará em cartaz em ano eleitoral. Como você vê esta questão?
Este é um filme sobre o lado humano de Lula, não o político. Tanto que o filme termina em 1980, com o enterro de Dona Lindu. O único momento em que se toca em política é no contexto de líder operário, onde mostramos nele a preocupação de não deixar o sindicato ser tutelado por nenhum partido político. Para ele era fundamental defender o direito do trabalhador, não pela via partidária, pois Lula era um humanista. Daí ele ter chegado onde chegou.

Qual o conceito do projeto?
Esse filme trata principalmente de três esferas. A primeira é a da perda e superação. A segunda, é a da relação entre mãe e filho, ou seja, como o filho herda de uma maneira muito forte uma base moral e ética muito profunda, de uma guerreira que arrancou sete filhos do nordeste em um pau de arara. É bom lembrar que Lula nasceu em uma época em que o índice de mortalidade do Nordeste era de 35%. E a terceira é sobre a família, os Silva, que passaram pelo mesmo destino de outras milhares de famílias brasileiras.

O filme é uma adaptação do livro de Denise Paraná?
Não. O livro da Denise é uma rica coletânea de informações e depoimentos. Fizemos do filme uma ficção mesmo. Creio que o gênero desse filme é o da “dramaturgia de informação”.

Então seria uma cinebiografia?
Sim, uma cinebiografia ficcionada. Como existem várias: Ghandi, Nixon, Bush, Chaplin. Lula hoje é uma personalidade brasileira do nível e extensão somente comparável a Carmem Miranda e Pelé.

O filme pode saciar o que seria uma curiosidade mundial em torno do presidente?
Ele vem exatamente para isso. Temos um plano de fazer um lançamento continental em setembro ou outubro, e depois na Europa. Assim como o lançamento no circuito comercial, pois não queremos entrar em 2010, que será ano eleitoral. Além disso, outubro é uma boa época para estar entre os filmes com potencial para o Oscar. Essa é uma certeza que eu tenho: a de que estaremos no Oscar do ano que vem.

Que estética foi adotada para o filme?
Estou tentando romper com o que fiz até agora em termos de linguagem com a câmera, tentanto dar a maior força possível para o que está sendo encenado, da mise en scène à marcação de atores. A fase Nordeste é muito despojada e simples. Escolhi uma abordagem em que a câmera participe o mínimo das situações. Indo para Santos, a família sai de uma realidade para outra, igualmente adversa, só que mais violenta, marcada pelo alcoolismo de um pai doente, que reprimia muito os filhos. Aí, sim, usarei mais interferências e movimentos de câmera. Em termos de referência visual, vejo uma mistura louca entre Sangue negro, de P.T. Anderson, que seria o máximo do épico, até Gomorra, por ser uma ficção feita como se fosse documentário.

E quanto à trilha sonora?
Estou conversando com Jaques Morelenbaum, que já trabalhou comigo em A paixão de Jacobina e em O quatrilho. Por se tratar de um filme histórico, que vai de 1945 a 1980, também vamos ter trilha incidental para pontuar cada época. Teremos de Luiz Gonzaga a Ray Conniff, que a família de Lula ouvia bastante em São Paulo. Vamos investir na própria Dona Lindu, que cantarolava músicas de Jackson do Pandeiro.

Uma das características dos filmes da LC Barreto é a de fazer filmes em família. Como tem sido essa experiência para você?
Tem suas vantagens e desvantagens. Por um lado, todas são pessoas do mais alto nível e gabarito. Meu pai é o maior produtor de cinema da América Latina, com milhões de prêmios internacionais, e trabalhar com ele significa ter condições que raramente são providas em outras situações. A desvantagem é que entre família tudo é mais passional. Rola briga, desgastes, estresses, e às vezes as relações afetivas se sobrepõem às profissionais. Às vezes sou tratado mais como filho do que como diretor.

A saga dos Silva do Brasil


Da pacata Caetés, seguindo o fluxo migratórioi para o Sudeste, saiu uma mãe acompanhada de sete filhos, um deles se tornaria mais tarde o presidente do país

André Dib // Enviado Especial

Garanhuns – O ano é 1952. Na estrada de chão batido, o motorista do pau-de-arara aguarda os passageiros se acomodarem na boléia de madeira. A lotação se faz rapidamente, com homens em busca de trabalho, uma mulher grávida e o marido, e uma mãe acompanhada de sete filhos, um deles ainda no colo. Lobo, o cão, quer se juntar ao grupo, mas acaba deixado para trás, se misturando com a poeira. A bela cena contrasta com a dureza da viagem, uma das tantas daquela época marcada pelo fluxo migratório para o Sudeste. O que ninguém poderia imaginar é que naquele grupo que enfrentou 13 dias de estrada e amargou a morte de uma menina estaria o futuro Presidente da República.

Esse é o mote de Lula – filho do Brasil, longa-metragem de Fábio Barreto que começou a ser rodado na última terça-feira, nos arredores do município de Caetés, no Agreste pernambucano, onde a equipe permanece até a tarde de hoje. Anteontem, a reportagem do Diario visitou o set da produção, montado na zona rural de Capoeiras. Frei Chico, irmão mais velho do presidente, que acompanhou as filmagens sentado ao lado do diretor, e estava visivelmente tocado pela dramatização daquele difícil momento vivido na própria pele. “Foi muito forte”, disse, enquanto observava o caminhão partir. Terminada a gravação, ele fez questão de ajudar os figurantes a descer precária estrutura.

A atriz global Gloria Pires, que aqui incorpora Dona Lindú, se disse totalmente envolvida com a personagem. “Reconheço a responsabilidade que é interpretar a mãe de um presidente, mas a história de Dona Lindú simboliza as milhares de mães heroínas, que criam seus filhos mesmo com todas as dificuldades. Ao mesmo tempo, ela oferece uma ideia de vida, um exemplo de estrutura familiar muito raro, que não tem a ver com dinheiro, mas com caráter”, comentou a atriz, que no dia anterior contracenava com Milhem Cortaz, que interpreta Aristides, o pai do pequeno Luiz Inácio.

Mais conhecido como o Capitão Fábio, o “número 2” do filme Tropa de Elite, Cortaz disse que impôs a si o desafio de mostrar um outro lado do pai que abandona a família em prol de outra mulher. “Estou criando o meu próprio Aristides. Tenho distanciamento para perceber que ele foi aquela pessoa dura, que abandonou a mulher e filhos, mas que também era pacato, e sentia amor pela família. Se eu for capaz de mostrar uma parte desconhecida deste pai, a ponto de criar dúvidas na própria família Silva, terei meu papel cumprido”, disse o ator, que ressalta o caráter decisivo do pai para definir alguns traços de caráter de Lula, assim como seu futuro não no Agreste pernambucano, mas nas indústrias do ABC paulista.

Para entrar em contato com essas origens, o ator Rui Ricardo Dias, que será Lula na idade adulta, esteve presente nas locações. Com barba cheia e oito quilos a mais, ele disse que para compor seu personagem, ele buscou referência em filmes que retratam Lula em diferentes momentos, como ABC da greve, de Leon Hirzman, Peões, de Eduardo Coutinho e Entreatos, de João Moreira Salles.

“Não estamos preocupados em reproduzir como Lula fala ou anda, mas em como ele se sentia, quais são suas dores e alegrias. Quero me dedicar às questões emocionais, subjetivas, que acaba por revelar as atitudes objetivas. São das questões internas que nasce a verdade entre ator e personagem”, revela o preparador de elenco Sérgio Penna, que com isso dá pistas de qual será a essência do longa-metragem.

Família unida nos bastidores

Matéria de capa // Clã Barreto participa de várias funções na produção de Lula o Filho do Brasil, filme orçado em R$ 12 milhões e que não terá recursos públicos

“Tem um cara de branco atrapalhando o quadro!”, bradou o contra-regra. Os olhares se voltaram para o intruso, ninguém menos do que Luiz Carlos Barreto. A brincadeira com o produtor, que circulava no set como se estivesse em casa, descontraiu a equipe por alguns segundos. É possível compreender sua postura, ao mesmo tempo profissional e afetiva, pelo fato de que Lula – o filho do Brasil é basicamente um projeto tocado em família: os filhos Paula e Fábio assinam, respectivamente, produção e direção; e Lucy, a esposa, divide a produção geral com o próprio “Barretão”, como é mais conhecido o patriarca.

Há também o fotógrafo Gustavo Hadba, que não tem ligações sanguineas com os Barreto, mas trabalhou em vários filmes produzidos pelo clã. Sua experiência como cinegrafista de Miguel Arraes, com quem viajou todo o estado nos anos 1980, dá segurança para a aposta na dura luz do meio-dia, com sombras e sem truques de embelezamento. “Busco a luz como ela é aqui, cruel, não-cosmética”, revela.

Atenta a cada movimento estava Denise Paraná, co-roteirista e autora do livro que originou o filme. “Esta é a realização de um sonho de 18 anos. Quando comecei a pesquisa, as histórias que Lula me contava nas entrevistas com uma plasticidade tão grande que parecia um filme”, contou a jornalista. Ela disse que o objetivo é reproduzir a realidade, mas com algumas licenças poéticas. “Nós queremos mostrar a formação do personagem, para que as pessoas entendam suas motivações”. Durante a conversa com o Diario, ela revelou que sua próxima biografia será de Luiz Carlos Barreto, projeto em que já está trabalhando.

As filmagens em São Paulo começam neste domingo, e seguem até o fim de março, com locações na Igreja Matriz de São Bernardo no antigo Estádio da Vila Euclides, local do antológico discurso para milhares de operários. O objetivo é que o longa fique pronto em setembro, a tempo de ser exibido em pelo menos cinco países, a convite dos festivais de Toronto, San Sebastian, Roma, Latino LA (EUA) e Internacional Lima, no Peru.

Segundo a assessoria de imprensa da LC Barreto, ainda não foram divulgados os patrocinadores do filme, orçado em R$ 12 milhões, porque a captação ainda não está completa. O único consenso é que não haverá dinheiro público para que não acusem o filme de chapa branca. No entanto, inevitáveis comentários surgiram pelo o fato do lançamento no circuito comercial estar marcado para janeiro de 2010, ano de eleição presidencial.

A vida íntima do presidente

Trajetória da família Silva será filmada sob o ponto de vista de Dona Lindu, a matriarca que migrou com os filhos de Capoeira, no interior de Pernambuco, para São Paulo

André Dib // Especial para o Diario
andrehdib@gmail.com

“Se for para me puxar o saco, eu não quero não. Mas se for pra me ajudar a me entender, faça”, teria dito o presidente Lula a Denise Paraná, autora do livro Lula – O filho do Brasil. A orientação, acatada à risca pela jornalista, parece ter sido igualmente adotada pela equipe que daqui a duas semanas começa a rodar, nos arredores de Garanhuns, a versão cinematográfica da história de uma das maiores lideranças populares do país.

O conselho do presidente foi resgatado por Luiz Carlos Barreto, o homem forte por trás da LC Produções, empresa dona do projeto. Em conversa exclusiva com o Diario, ele antecipou detalhes da produção, a ser dirigida por seu filho, Fábio Barreto (O quatrilho). De acordo com Barretão (como é conhecido no meio), em momento algum da película serão usadas imagens reais de Lula. Muito menos haverá conotação político-partidária.

O roteiro, escrito por Paraná em parceria com Daniel Tendler e o próprio diretor, se restringe a contar a trajetória da família Silva, sempre sob o ponto de vista da matriaca Dona Lindu (a ser vivida por Glória Pires), da vida simples em Capoeiras (zona rural de Caetés), à sua morte, em 1980. “Você conhece o homem, mas não a sua história”, diz o slogan do filme, orçado em R$ 12,7 milhões, e que deve ser lançado simultaneamente em todas as capitais da América Latina, ainda este ano.

Até ontem, Barreto e sua esposa Lucy estiveram no Recife para articular, com a ajuda do produtor Alfredo Bertini, parcerias com o governo do estado e Prefeitura de Garanhuns. “Apoios não financeiros”, ressalta o produtor, que não usou dos sistemas de lei de incentivo para evitar qualquer suspeita de que o filme seria “chapa-branca”.

Em Pernambuco, serão dez dias de filmagens em Capoeiras e na Serra do Tará, onde será reconstituída a casa onde nasceu Luiz Inácio. A segunda etapa começa em fevereiro e durará oito semanas, com locações em Santos e na periferia de São Paulo, cenário em que se formou o operário e líder sindical.

O elenco ainda não foi oficialmente anunciado, mas é praticamente certa a escalação dos pernambucanos Tay Lopes e Sóstenes Vidal, que farão, respectivamente, Lula (Lopes engordou dez quilos para viver o personagem) e seu irmão Ziza, mais conhecido como Frei Chico. Juliana Baroni será a primeira-dama, Dona Marisa Lima. Cleo Pires, filha de Glória, fará a primeira esposa de Lula.

Quem assina a produção geral é a irmã de Fábio, Paula Barreto. Já a equipe técnica está muito bem definida, com profissionais recorrentes nas produções da família Barreto. A fotografia será de Gustavo Hadba; a arte, de Clóvis Bueno; a montagem, de Letícia Giffoni.

Barreto disse que cinco atores interpretarão Lula, em diferentes momentos de sua vida. Ele não confirmou a escolha, mas deixou a entender que Tay Lopes teria sido escolhido após um teste com mais de 70 atores, selecionados entre 500 candidatos. “Fábio irá bater o martelo ainda esta semana”. Leia mais a seguir.

Entrevista // Luiz Carlos Barreto: “O objetivo não é exaltar nada”

Qual o maior apelo da história de Lula, em termos cinematográficos?
A história de Lula é a mesma de milhares de famílias pobres. Ela representa as famílias Silva do Brasil, sobretudo entre os anos 20 e 60, em que houve o deslocamento de populações pobres em busca de sobrevivência. As estradas eram coalhadas de cruzes, de adultos e crianças que morriam no caminho. Só que essa família soube superar as dificuldades e melhorar de vida. Lula e seus irmãos tinham tudo para cair na marginalidade, e essa é a história que ninguém conhece: a da família Silva, que segue para Santos e emerge, contrariando todas as possibilidades.

Como nasceu o projeto?
Em 2003, a pergunta que mais ouvia nos festivais em torno do mundo era: e o Lula? Antes era Pelé, Garrincha, Ronaldinho, mas de uma hora pra outra, era o Lula, e a gente não sabia responder muita coisa. Um dia, conversando com Gilberto Carvalho, que é secretário dele, coloquei essa situação e ele me entregou uma cópia do livro de Denise Paraná. Quando li, pensei: aqui tem um filme. Inicialmente, ele seria um docudrama, com narração de Fernanda Montenegro. Mas como tínhamos outros projetos em marcha, encostamos o projeto. Quando retomamos, a ideia já era fazer um filme de ficção, baseado em fatos reais.

Assim como Lula, o senhor é um nordestino que migrou para o Sudeste. Existe aí alguma identificação pessoal com a história do presidente?
Sim, pois meu pai também sumiu do mundo, e deixou minha mãe com 11 filhos. Fui para o Rio de Janeiro em 1947, não de caminhão, mas de pau-de-arara aéreo, o avião dos Correios, porque eu era do partido comunista do Ceará, e tive que me afastar de lá por causa da perseguição. Lá, sempre recebi muito convite para me tornar político, mas nunca quis. Dizia que o meu partido era o PCB, partido do cinema brasileiro.

O filme será um tipo de cinebiografia?
Não me interessa uma cinebiografia, pois todo mundo sabe quem é o Lula presidente. O que ninguém sabe é quem foi esse personagem, cuja trajetória guarda coisas verdadeiramente surpreendentes. O objetivo não é exaltar nada, nem de culto à personalidade. Por exemplo, todo mundo pensa que Lula tem uma ideologia política, mas a visão de mundo de Lula é a visão de Dona Lindu, uma mulher analfabeta que tem como princípio de vida uma visão da leitura direta e concreta da vida.