Turma da Mônica reinventada

Piteco, Astronauta, Horácio, Jotalhão, o Louco. Das dezenas de personagens secundários de Mauricio de Sousa, o indiozinho Papa-Capim talvez seja o menos lembrado. E foi justamente ele que o ilustrador pernambucano João Lin elegeu para homenagear o maior nome dos quadrinhos brasileiros. A HQ faz parte do projeto MSP + 50, coletânea a ser lançada mês que vem, durante a Bienal do Livro de São Paulo, e que traz 50 versões bastante pessoais para a longeva Turma da Mônica.

Além de revelar novos talentos, o livro trará histórias assinadas pelos maiores quadrinistas do país, como Rafael Grampá, Allan Sieber, Marcatti, Caco Galhardo, Rafael Coutinho e André Kitagawa. Junto com o MSP 50, publicado em 2009 com participação de Angeli, Laerte, Lélis, Samuel Casal, Mascaro (editor de arte do Diario) e Fábio Moon e Gabriel Bá, trata-se da mais completa homenagem a Maurício realizada pelos seus pares.

Graficamente, o MSP + 50 terá 216 páginas e impressão em papel couché, capa dura e cartonada. Sidney Gusman, coordenador editorial da Mauricio de Sousa Produções, diz que o objetivo do projeto é apresentar bons artistas ao público que só lê Turma da Mônica. “Foi uma missão e tanto. Trabalho com quadrinhos há 20 anos e sei que temos muita, muita gente boa atuando no Brasil”. Parte do desafio foi reunir autores de diferentes estilos e partes do Brasil. “Fico feliz por ter conseguido essa variedade nos dois livros”.

Desde que lançou a elogiada HQ Mesmo Delivery, Rafael Grampá tem sido um dos nomes mais requisitados no universo dos quadrinhos. John Constantine e Wolverine estão entre os personagens com que trabalha atualmente. Para o MSP +50, Grampá fez um desenho do Jotalhão. O elefante verde do extrato de tomate foi desenvolvido sob um céu avermelhado, em uma única prancha, sem quadros. Autor de Cachalote, Rafael Coutinho, outro nome celebrado da nova geração, imaginou o reencontro de Mônica e Cebolinha na idade adulta.


O Papa Capim de João Lin

Índios – Ilustrador de diversos livros infantis, João Lin revelou ao Diario queo processo de recriação do Papa-Capim foi um instigante desafio. “Gosto do personagem e também queria aproveitar a ocasião para dizer o que penso sobre a questão indígena no Brasil. A maneira dos índios se relacionarem com as crianças e compreenderem a infância tem muito a nos dizer sobre a relação com o espaço e com o meio ambiente”.

Alguns desenhistas que participam do projeto têm o nome vinculado a histórias com viés violento ou sexual. Amparado por limites editoriais, Gusman não hesitou em convidá-los. “Os autores têm liberdade, dentro de um limite que estabeleço. Lembro a todos que o livro é uma homenagem e, por ser ligado ao Mauricio, em algum momento cairá nas mãos de uma criança”.

Da turma politicamente incorreta, o gaúcho Allan Sieber mostra uma imagem subjetiva da famosa cena da coelhada, feita do ponto de vista do coelho; e o veterano Marcatti elegeu o Cascão, escolha mais que coerente com sua predileção pelo escatológico. “No primeiro livro temos o Laudo, que faz a Tianinha, uma HQ pornô, e nem por isso fez algo similar. Deixei claro a esses autores que, obviamente, não daria para levar essa homenagem a extremos. Todos foram extremamente respeitosos e curtiram participar”, explica Gusman, que revela ter planos para um terceiro volume, a ser lançado em 2011. Cinquenta bons convidados não devem faltar.


Mônica, Cebolinha e Sansão, por Allan Sieber


Mônica e Cebolinha adultos, por Rafael Coutinho


A Turma, por Marcatti


Turma da Mônica por André Kitagawa


Mônica e Cebolinha por Caco Galhardo

(Diario de Pernambuco, 11/07/2010)

Papa-figo na Mad

O novo número da Mad, em nova fase publicada pela Panini, vem com muitas novidades na equipe de colaboradores. Entre eles está Bione, editor do tablóide pernambucano Papa Figo.

A saber: Marcio Baraldi (Roko-Loko, Vale Tudo), Marcatti (Desventuras de Fraúzio, A Relíquia), Jorge Barreto (Os7, A Fábrica), Vasqs (Os7), Bione (Papa-Figo), Gilmar (Para Ler Quando o Chefe não Estiver Olhando), Ed Sarro (Os7), Daniel Lafayette e Bira Dantas (BiraZine).

A revista traz de volta três autores clássicos da MAD nacional: Flávio, Xalberto e Amorim. E três novos desenhistas: Raphael Salimena (Mundo Canibal), João Pinho e Heneh.

A celebridade da capa é Amy Winehouse, ilustrada por Paffaro. Tudo por módicos R$ 5,90.

O novo site de Marcatti

Mês que vem, Marcatti completa 30 anos desde que desenhou sua primeira HQ “escatológica e de gosto duvidoso”. Ela foi publicada na revista “Papagaio”, do Colégio Equipe de São Paulo. Entre outros colaboradores, estavam os futuros Titãs, Nando Reis e Marcelo Frommer. Estas e outras informações estão no novo site do desenhista, lançado oficialmente hoje.

O site reformulado conta com biografia atualizada, loja online (com exemplares de “A Relíquia” autografados por R$ 32), sessão de esboços em 3D (!) e de pin ups (recomendo), e um inusitado link para a empresa “Marcatti e filhos“, que fabrica guitarras e contrabaixos bem bacanas. Veja as fotos:

Matéria sobre "A Relíquia" (de Eça de Queiroz) em quadrinhos, na Folha de Pernambuco de hoje

Hoje saiu uma matéria minha na Folha de Pernambuco. É sobre o lançamento de A Relíquia, romance de Eça de Queiroz, adaptado para os quadrinhos por Marcatti. Nas lojas ainda este mês. Leia entrevista feita com o artista pelo Quadro Mágico aqui.

Literatura em quadrinhos: Marcatti revela como adaptou Eça de Queiroz

Assim como muitos, fui apresentado ao trabalho do grande Marcatti nos idos de 1986, folheando a revista Chiclete Com Banana. Diferente da acidez de Angeli e do pastelão de Glauco, suas HQs faziam comédia de humor negro com todo tipo de perversão sexual e escatológica. Ou seja, com treze anos, aprendi que uma história em quadrinhos pode ser uma coisa bem suja.

Corta pra 2006. Marcatti surpreende ao lançar “Mariposa” (pela Conrad), história longa e trágica de um triângulo amoroso, em formato livro, capa e papel especial. Bem diferente do papel jornal da chiclete ou da revista em quadrinhos que lançou nos anos 90, Fráuzio. Até agora, foi o melhor tratamento dado a um trabalho seu.

Digo até agora porque a Conrad está rodando “A Relíquia“, em que Marcatti adaptou para os quadrinhos o romance do escritor português Eça de Queiroz (1845-1900). O resultado são 186 páginas de quadrinhos, produzidas em 17 meses de trabalho. O lançamento será ainda neste semestre.


Pelos desenhos, dá pra sacar que vem por aí material de primeira qualidade.

Na entrevista abaixo, Marcatti falou para o Quadro Mágico sobre o processo de recriação de “A Relíquia”, e suas impressões sobre quadrinhos e literatura. Ao que parece, ele deu um tempo na escatologia explícita para se dedicar à obra de Eça de Queiroz, de acordo com Marcatti, uma corrosiva crítica à burguesia católica do século 19.

ENTREVISTA // MARCATTI
“Foi a mais longa e trabalhosa HQ que já fiz”

Qual o motivo da escolha de “A Relíquia”?

Foi sugestão da Conrad a adaptação da obra de Eça de Queiroz através do meu trabalho. O Alexandre Linares enviou-me uma cópia de “A Relíquia” deixando-me completamente à vontade para fazer da forma que eu quisesse. Essa liberdade permitiu que eu tomasse todas as decisões a respeito. Mesmo assim, acabei por optar em fazer a adaptação buscando o máximo de fidelidade. Eu nunca havia lido qualquer livro do Eça e fiquei muito impressionado com sua força e, em muitos casos, com a ousadia com que ele abordou a burguesia católica do século 19!

Fale um pouco sobre o método adotado na “tradução” para a linguagem dos quadrinhos. Foi algo pré-estabelecido, ou mudou no desenrolar do trabalho?

De início, fiquei preocupado. Uma obra clássica com longos trechos que, apesar de contundentes e fascinantes, pouco tinha de cenas e movimentos que dessem fluência na linguagem das HQs. Minha solução foi utilizar e embutir essas magníficas observações do Eça de Queiroz dentro das cenas e das condutas das personagens. Fiz com que suas atitudes e comportamentos tentassem traduzir a carga corrosiva das críticas do autor. Foi tudo construído na fase de desenvolvimento do roteiro. Decidi que só começaria a desenhar quando eu tivesse definido completamente a mecânica narrativa.

Pensar um romance em imagens deve pedir muita imaginação e pesquisa. Como foi o seu processo de criação?

A maior parte da pesquisa que fiz foi em relação a arquitetura e o vestuário comuns em Portugal do século 19. Transformar o livro em imagens é que foi mais trabalhoso. Primeiro anotei somente as cenas do livro. Em separado, fiz um resumo conceitual do livro. Um resumo bem pequeno, quase uma resenha. Apenas para registrar o foco geral do livro. Como se eu tivesse perguntado diretamente ao Eça: “Que tipo de reação você esperava das pessoas que leram essa obra?”. Infelizmente, coube a mim dar a resposta. Mas foi justamente esse ponto de vista que alicerçou e orientou toda a recriação das cenas. Gostei bastante dessa experiência e fiz com tanto prazer que nem parece que levei 17 meses nessa adaptação.

Deve ter sido o teu quadrinho mais trabalhoso, não?

De fato, foi a mais longa e trabalhosa HQ que já fiz. Mas, eu não sinto isso. Quando olho as datas que coloquei em cada uma das páginas originais, eu fico surpreso. Tenho realmente a sensação que fiz tudo em pouco mais de 2 meses. Foi uma lição! O Eça é uma escola. Acho que, se não fosse por esse trabalho, eu precisaria fazer mais umas 10 histórias para aprender tudo o que aprendi fazendo “A Relíquia”.

Na sua opinião, os quadrinhos compreendem um gênero literário?

Sempre pensei em HQ como forma literária. Para mim, não faz nenhum sentido a distinção entre “literatura e quadrinhos”. Soa-me estranha a expressão. Acredito que a forma pouco respeitosa como os norte-americanos enxergam a linguagem das HQs, somada a indiscutível influência cultural que exercem sobre o resto do planeta, contribuiu muito para essa distinção. Enquanto na Europa muios autores de HQ são reverenciados como gênios literários, a maioria dos grandes nomes da HQ norte-americana têm esse reconhecimento graças muito mais pelo sucesso comercial.

Tal como subdividir em prosa, verso, conto, novela etc, HQ é uma forma de exercer literatura. Caso contrário é o mesmo que fazer a distinção entre “conto e literatura”.