O Som ao Redor em Roterdã e a boa repercussão da crítica

Único filme brasileiro a ser premiado do 41º Festival de Roterdã (Holanda), O som ao redor, primeiro longa de ficção de Kleber Mendonça Filho, inicia a carreira com o pé direito. Ano passado, o filme não foi aceito pelo Festival de Brasília, no que parece ter sido um erro histórico para um evento que sempre acolheu e premiou o cineasta. Na última sexta, o filme foi eleito o melhor de Roterdã pela Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica – Fipresci, por “evocar uma atmosfera de paranoia e ameaça através do uso altamente ambicioso de fotografia e som”.

“Uma estreia ousada e promissora”, escreveu o crítico paulista Thiago Stivalleti, um dos responsáveis pela seleção da próxima Mostra de São Paulo. O crítico Jay Weissberg, da revista norte-americana Variety, fez elogios rasgados a Kleber: “um cineasta excepcionalmente talentoso, que sabe exatamente o que está fazendo e por quê o faz”. Sobre o filme, ele diz ser “um poderoso e sutil raio x da sociedade brasileira contemporânea (…) soberbamente construído, com hábeis atuações e lindamente fotografado (…) um exemplo de filme brasileiro que não precisa de um pé na favela para ganhar força no mercado internacional”.

Com atuações de Irandhir Santos, Gustavo Jahn e Maeve Jinkings, O som ao redor se passa numa rua de Setúbal, bairro da Zona Sul recifense onde mora o diretor. De acordo com material de divulgação do filme, moradores preocupados com a segurança contratam milícia que traz tranqulidade para alguns e tensão para outros.

“Juntei amigos e fiz o filme de maneira não tão diferente do que já estava habituado, exceto no quesito estrutura, pois esse é o meu filme mais caro até hoje”, diz Kleber, de Bourdeaux, onde passa férias. O orçamento de quase R$ 2 milhões foi captado via Ministério da Cultura, governo de Pernambuco, Petrobras e Fundo Hubert Bals, mantido pelo Festival de Roterdã.

Do ponto de vista prático, o prêmio da Fipresci deve abrir portas para o filme. “Críticos exercem o amor pelo cinema não apenas escrevendo, mas organizando mostras, festivais”, diz Kleber. Até o momento, são 28 convites para novas exibições. A próxima, diz Kleber, deve ser em Varsóvia (Polônia). “Há alguns apectos do chamado ‘cinema de gênero’ que parece ter batido bem. Tudo o que eu temia na minha visão do filme terminou revelando-se algo positivo”.

Ainda não há nada definido para uma sessão nacional de O som ao redor, que deve acontecer ainda este ano.

Saiba mais

As filmagens de O som ao redor foram feitas em seis semanas e quatro dias, entre julho e agosto de 2010; a montagem, assinada por Kleber e João Maria, levou um ano e dois meses para ficar pronta. O corte final de é de 131 minutos.

A trilha sonora é de DJ Dolores; a fotografia, de Pedro Sotero e Fabricio Tadeu; a direção de arte, de Juliano Dornelles.

Kleber Mendonça dirigiu diversos curtas, entre eles Enjaulado (1997) e Recife frio (2009). Alguns de seus filmes podem ser assistidos pelo site http://www.vimeo.com/cinemascopio

(Diario de Pernambuco, 07/02/2012)

O Som ao Redor, eleito pela Fipresci o melhor de Roterdã

Arte do cartaz: Clara Moreira

O som ao redor, primeiro longa de ficção do pernambucano Kleber Mendonça Filho, é o único filme brasileiro premiado no 41º Festival de Roterdã, Holanda. Com o ator Irandhir Santos no papel principal, o filme teve première mundial em Roterdã, onde foi eleito o melhor filme pelo júri da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica, por “evocar uma atmosfera de paranoia e ameaça através do uso altamente ambicioso de fotografia e som”.

Os prêmios principais (Tiger Awards) foram para o chileno De Jueves a Domingo, de Dominga Sotomayor, o chinês Jidan heshitou, de Huang Ji, e o sérvio Klip, de Majas Milos.

O júri da Fipresci foi formado por Carmen Gray (UK), Dennis Lim (USA), Marcelo Janot (Brasil), Nicole Santé (Holanda), Clarence Tsui (China).

Leia aqui crítica publicada na revista Variety sobre O Som ao Redor.

Pernambucanos em Roterdã

O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, estreia mundialmente no próximo dia 1º

Neighbouring sounds. Rat fever. The hyperwomen. Walt Disney Square. Quatro novos títulos do cinema pernambucano, na forma como serão apresentados no Festival de Roterdã, na Holanda. O evento começou no último dia 25 e, dos nossos, já exibiu o premiado Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira. Hoje é a vez de Febre do rato, o convulsivo terceiro longa de Cláudio Assis, ter sua primeira exibição internacional. Em 2007, Cláudio levou o Tiger Award em Roterdã por Bog of beasts, ou melhor, Baixio das bestas. Desta vez, está fora de competição, reservada a diretores estreantes ou no segundo filme.

É o caso de Kleber Mendonça Filho, que ano passado esteve em Roterdã com Recife frio e agora estreia na ficção de longa-metragem com O som ao redor. Tanto ele quanto As Hiper Mulheres, de Leonardo Sette, Carlos Fausto e Takumã Kuikuro serão exibidos no próximo 1º de fevereiro, o primeiro em competição, o segundo na mostra Bright Future.

Realizado com R$ 1,8 milhão, O som ao redor traz Irandhir Santos (também protagonista de Febre do rato) como segurança particular, contratado por rua de classe média no bairro de Setúbal, onde uma família é dona da maior parte dos imóveis. Segundo o realizador, que atuou como crítico de cinema por mais de dez anos e passou os últimos 14 meses na mesa de edição, o filme é sobre paranoia, medo e vingança, calcado no Recife atual, em que, apesar dos avanços, muito coisas permanece regido pela tradição e carga histórica.

“Não que seja um arremedo preciso da realidade, mas uma interpretação honesta”, diz Kleber. “Ele tem uma naturalidade sobre o banal, mas tenta ser real sobre o que se vive no Brasil, que tem ao mesmo tempo uma cultura muito linda e muito feia”.

A recorrente presença pernambucana no Festival de Roterdã nos levou a procurar o curador do evento, Gerwin Tamsma. Na entrevista a seguir, ele discorre sobre as razões que despertam interesse na nossa cinematografia.

Entrevista >> Gerwin Tamsma: “O cinema inovador tem sido feito em lugares distantes”

Nos últimos anos, vários filmes pernambucanos foram selecionados por Roterdã. Não deve ser por motivos puramentes geográficos.
Não apenas geograficamente, mas também do ponto de vista histórico, o Recife está mais perto da Holanda do que de São Paulo ou Rio de Janeiro, não porque nos importamos mais com a periferia. Mas porque, nos últimos 30 anos, o cinema que consideramos, inovador ou interessante, tem sido feito em lugares distantes. Nos últimos anos, cineastas de Pernambuco receberam apoio do Hubert Bals Fund, como Claudio Assis e Kleber Mendonça, que este ano estão em Roterdã com filmes bem diferentes um do outro, assim como do mainstream brasileiro. Mas acho muito específicos por se relacionar com o Recife. Sim, estou muito consciente de uma tendência de Roterdã em exibir filmes de Pernambuco: mas isso acontece não porque são periféricos, underground ou políticos. Mas porque eles são bons.

Qual a importância em colocar filmes de países periféricos em foco?
O Festival de Roterdã tem uma longa tradição de apresentar e promover filmes de regiões e lugares periféricos – talvez porque esteja situado em uma cidade portuária e com muito vento. Não importa se o filme é feito na China campestre, em favela filipina, em aldeia pernambucana ou vila esquimó. Em muitos países, há determinados períodos em que filmes periféricos são mais interessantes do que a produção do centro: por um tempo, isso foi verdade na Itália; agora, na França e também no Brasil, onde jovens cineastas de Belo Horizonte, Fortaleza e Recife têm feito trabalhos interessantes. O que não significa que não há filmes interessantes em São Paulo ou Rio.

Há conotações políticas na escolha dos filmes, ou ela se dá totalmente por motivos estéticos?
A decisão nunca passa por interesses políticos, muito menos pela inclinação específica por filmes underground, termo que só muito parcialmente cobre o nosso interesse. Algumas das grandes descobertas de Rotterdã na última década vieram do México (Carlos Reygadas) e Tailândia (Apichatpong Weerasethakul). Mas estou igualmente satisfeito porque fomos a primeira plataforma internacional para Tomas Alfredsson (Deixa ela entrar), da Suécia, país que, do ponto de vista brasileiro, está bem mais próximo da Holanda.

(Diario de Pernambuco, 28/01/2012)

Série Novos Olhares // Um cinema que não sai de cartaz

Walter Carvalho e Cláudio Assis no set de Febre do Rato

O cinema feito em Pernambuco vive um momento inédito. Se sua história é contada em ciclos, este já pode ser considerado o maior e mais fértil. Nunca tantos filmes foram realizados, aplaudidos e premiados como nos últimos anos. Somente na temporada 2009-2011, cerca de duas dezenas de longas em suporte digital ou 35mm estão em fase de preparação, produção ou finalização. Em 2010, seis longas foram rodados no Recife, três com distribuição nacional garantida.

Se num primeiro momento a urgência em se fazer filmes superava as reais condições para realizá-los, hoje não podemos dizer o mesmo. Temos equipamentos, mão de obra especializada, formada em cursos técnicos e prestes a alcançar nível superior, em cursos de graduação oferecidos por três universidades locais. Não por acaso, no começo de outubro o recém-criado curso de cinema da UFPE foi sede do 14º Encontro da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema – Socine.

Essencial para movimentar a cadeia produtiva, o fomento oferecido por órgãos públicos tem sido exemplar. Em 2008 o governo do estado criou edital específico para projetos do audiovisual, o último no valor de R$ 8 milhões. Um terço a mais do que o anterior, quando 95 roteiros de curtas e 35 de longas pleitearam recursos. Nos últimos quatro anos, R$ 33 milhões foram investidos no setor. Festivais se fortalecem e multiplicam, inclusive no interior.

Para Paulo Caldas, que finaliza seu quarto longa, País do desejo, o atual panorama se explica por uma série de fatores, que podem ser resumidos pelo status acumulado nos últimos 20 anos, quando foi retomada a produção no estado. “Esse respaldo é o nosso grande trunfo. Quem trabalha com cinema há mais tempo, percebe a transformação”.

Equipe de O som ao redor comemora o fim das filmagens Foto: Victor Jucá

Kleber Mendonça Filho, que acaba de rodar O som ao redor, arremata: “É incomparável. Com novos processos técnicos e iniciativas se espalhando, a própria ideia de fazer um filme não é mais absurda. É um pouco do que se queria naquela época, acontecendo agora, com cinco longas produzidos em umano. Antes, acontecia um a cada década. Hoje, o país está muito bem financeiramente. E há muito dinheiro para cinema”.


Hermila Guedes e João Miguel no Carnaval cenográfico de Era uma vez Verônica

Marcelo Gomes, que finaliza Verônica seu terceiro longa, afirma que vivemos um ano histórico para o cinema em Pernambuco. “Nunca se rodou tantos longas na cidade desde o Ciclo do Recife, nos anos 1920. Espero que o público assista a esses filmes, agora que temos mais salas exibindo o nosso cinema como o Cine São Luiz e o Cinema da Fundação”.

Uma produção constante e sem sinais de cansaço pode colocar em xeque a tradição de ciclos do cinema local? “Talvez daqui a 20 anos possamos dizer que vivemos um ciclo, mas hoje apenas dizemos que se trata de algo diferente”, afirma o crítico e professor de cinema Alexandre Figueirôa, que enumera uma série de fatores que cuminaram no bom momento para a produção pernambucana, como a proliferação de festivais e a abertura de outros mercados para difusão como o DVD e a internet.

Para ele, a ideia de ciclo vem de momentos específicos que, por razões sociais e econômicas, fez surgir períodos de maior produção em torno de um grupo de pessoas. “Mas basta olhar de perto para ver que nunca se deixou de produzir cinema em Pernambuco. Hoje é diferente porque temos um cinema dentro de uma perspectiva mais aberta, sem hierarquia. E que permite uma continuidade, com menos dependência do modelo institucional de grandes financiamentos. Isso gera longevidade. Por outro lado, sempre tivemos a tradição do audiovisual. Essa vocação, a partir do momento em que encontra cenário favorável, tende a se expandir”.

No entanto, a dependência de recursos públicos leva a refletir sobre a fragilidade da cadeia produtiva. “A partir de Baile perfumado entramos num processo de sustentabilidade discutível”, diz Paulo Cunha, pesquisador e um dos fundadores do curso de graduação em cinema da UFPE. “Espero que haja bom senso da gestão pública, já que a temos uma produção excelente que subsiste justamente pelo apoio estatal. Precisamos garantir que o nosso cinema continue a existir como é, poético, experimental, inovador e avançado. Isso gera um retorno não de bilheteria, mas de grande visibilidade. Seria fantástico dar mais segurança a isso. Caso contrário, essa fase que parece estupenda pode virar outro ciclo e se encerrar”.

Muitos prós e alguns contras

Mais um fato inédito, hoje é possível realizar um longa com equipe 100% pernambucana. Quem garante é Cynthia Falcão, presidente da seção pernambucana da Associação Brasileira de Documentaristas (ABD/PE), com 88 sócios. “Na concepção da ABD, não faltam profissionais de nenhuma área, do diretor aos técnicos de elétrica. Porém, quando se trata de finalizadoras, sabemos que as empresas especializadas em HD e 35mm ainda estão no Sudeste”.

Outro passo à frente é a criação de uma subsede do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematográfica (Stic). “A maioria dos profissionais de cinema de Pernambuco não tem DRT na área. Eles querem regulamentar a atuação no estado, estipular um piso local, organizar melhor a categoria e a forma de trabalho. Pelo Stic, poderemos entrar em contato com as produtoras, estabelecer um diálogo com esse mercado”, diz Cynthia.

A intensificação da atividade e demais conquistas, no entanto, não correspondem a um monitoramento adequado dessa produção. O último foi realizado em 2005 pelo Sebrae-PE. “Na época, atendemos o pleito do Sindicato da Indústria do Audiovisual e tivemos o apoio da Fundação Joaquim Nabuco, que usou a pesquisa para para buscar melhores políticas públicas, como a implantação do Centro Audiovisual Norte-Nordeste e a disponibilização da câmera 35mm para a região”, diz Alexandre Ferreira Gomes, gestor de cultura Sebrae-PE (novo levantamento deve ser iniciado pela ABD-PE assim que terminar o período eleitoral).

Para os realizadores, também há o que melhorar. “De produção, para fazer a coisa andar, o Recife está muito bem servido. Mas a maquinaria utilizada ainda é precária no Recife. Também existe carência de profissionais para esse tipo de equipamento”, diz Kleber. Entre os preparativos de Verônica, Marcelo Gomes entende que as novas tecnologias ajudam bastante, mas, por outro lado, fazer cinema está ficando mais caro. “Temos mais pessoas se especializando e nosso edital está mais aperfeiçoado. Mas ainda falta uma maior sensibilidade do empresariado”.

Linha do tempo do cinema pernambucano

1902 – Primeira exibição de cinema no Recife, no animatógrafo da Rua da Imperatriz

1918 – Ugo Falangola traz o equipamento que deu origem à Pernambuco Film. Em 1924, exibem Veneza Americana

1923 – Gentil Roiz e Edson Chagas fundam a Aurora Filmes

1925 – Com roteiro de Ary Severo, Roiz e Chagas começam a filmar Aitaré da Praia

1927 – A filha do advogado, de Jota Soares, é exibido em 13 salas no Rio de Janeiro

1936 – Em parceria com a ABA Film, imigrante sírio Benjamin Abrahão filma de Lampião e seu bando

1942 – Newton Paiva e Firmo Neto rodam o longa O coelho sai, cuja única cópia foi destruida em incêndio

1952 – Alberto Cavalcanti dirige O canto do mar no Recife; José de Souza Alencar (Alex) foi assistente de direção

1960 – Instituto Joaquim Nabuco patrocina os documentários Aruanda, de Linduarte Noronha e A cabra na região semi-árida, de Rucker Vieira

1964 – Eduardo Coutinho começa a filmar Cabra marcado para morrer que só viria a concluir 20 anos depois

1969 – Fernando Spencer finaliza seu primeiro curta, A busca, em 16mm

1973 – Sérgio Ricardo filma em Nova Jerusalém A noite do espantalho; no elenco, Alceu Valença, José Pimentel e Geraldo Azevedo; 11 filmes pernambucanos se increvem na 2ª Jornada Nordestina de Curta-metragem de Salvador

1976 – Jomard Muniz de Britto dirige o curta O palhaço degolado

1977 – É criado o Grupo de Cinema Super 8 de Pernambuco

1978 – Cleto Mergulhão dirige O palavrão, o último longa-metragem pernambucano até o lançamento de Baile perfumado

1984 – Kátia Mesel funda a Arrecifes Produções e roda Bajado – um artista de Olinda

1985 – Paulo Caldas, Lírio Ferreira, Cláudio Assis, Adelina Pontual e Samuel Holanda fundam o grupo Van-retrô

1996 – Primeira exibição de Baile perfumado(foto), de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, no Festival de Brasília

1997 – Primeira edição do festival Cine PE

2003 – Amarelo Manga, de Cláudio Assis é sete vezes premiado no Festival de Brasília

2005 – Cinema, aspirinas e urubus é exibido na seleção oficial da Mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes

2006 – Baixio das bestas, de Cláudio Assis, é eleito o melhor filme do Festival de Brasília e vence o prêmio Tiger de Melhor Filme no Festival Internacional de Roterdã, na Holanda

2007 – Deserto feliz, de Paulo Caldas, estreia no Festival de Cinema de Berlim; com o curta Décimo segundo, Leo Lacca é melhor diretor no Festival de Brasília; o longa Amigos de risco, de Daniel Bandeira, participa da mostra oficial.

2008 – Curta Muro, de Tião, é premiado no Festival de Cannes; KFZ 1348, de Gabriel Mascaro e Marcelo Pedroso é premiado pela 32ª Mostra de Cinema Internacional em São Paulo.

2009 – Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz é exibido em Veneza; Um lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro, participa de mais de 20 festivais no mundo; curtas Ave Maria ou mãe dos sertanejos, de Camilo Cavalcante e Recife frio, de Kleber Mendonça Filho, ganham prêmios do Festival de Brasília; Recife frio e Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro, integram Festival de Roterdã.

(Diario de Pernambuco, 26/09/2010)

A crueldade arquitetônica ao redor

A enviesada relação entre pessoas e o espaço em que vivem é o tema de O som ao redor, filme que há três semanas vem sendo rodado nos bairros de Boa Viagem e Setúbal. A produção, que marca a estreia de Kleber Mendonça Filho (Recife frio, Vinil verde) no formato longa de ficção, mobiliza uns 60 técnicos e um elenco de 70 pessoas. Até o momento, cerca de vinte casas e apartamentos da Zona Sul do Recife serviram de locação. No elenco estão Irandhir Santos, que vive o segurança Clodoaldo; Gustavo Jahn é João, que adminstra os imóveis da família; Maeve Jinkins (que atuou em Falsa loura, de Carlos Reichenbach, e hoje vive no Recife) é Bia, casada com Ricardo (Dida Maia). Ainda no elenco principal, Sebastião Formiga, Irma Brown, Lula Terra e Waldemar José Solha.

Eles protagonizam histórias autônomas, que justapostas, compõem o panorama almejado pelo diretor. O cenário específico é uma rua de Setúbal, onde Kleber cresceu. No entanto, ele diz que o filme não se reduz à realidade de um bairro. “Não sei exatamente sobre o que é o filme, mas há a ideia recorrente de como as cidades se relacionam com as pessoas. Estou filmando em Setúbal, mas poderia ser em Casa Forte, na Boa Vista, ou em qualquer outra cidade do Brasil ou da América Latina”, disse o realizador.

Na manhã da última sexta-feira, o set foi montado no Edifício João Costa, em Boa Viagem. Cerca de 24 crianças e 11 babás que habitam o condomínio participaram das filmagens. A câmera, acoplada em um sistema steadycam, flutua por trás das crianças até chegar ao playground. “O objetivo da cena é o paredão de empregadas encostadas na parede”, diz Kleber, que, para operar o equipamento, conta com o carioca Fabrício Tadeu, considerado um dos melhores do Brasil.

Tadeu, que traz no currículo os filmes Cidade de Deus, Desmundo e A suprema felicidade, novo filme de Arnaldo Jabor, foi trazido para a equipe através de Pedro Sotero, diretor de fotografia de Um lugar ao Sol e Amigos de risco, dois longas da Símio Filmes.

Membros da Símio, aliás, foram incorporados à equipe da Cinemascópio, produtora de Kleber: Juliano Dornelles faz a direção de arte; Daniel Bandeira, a continuidade. Na Clara Linhard e Milena Times são assistentes de direção. A montagem será de Kleber e João Maria. E a produção executiva, de Emilie Lesclaux. O som ao redor está sendo filmado em 35mm techniscope, variação do cinemascope que permite imprimir o dobro de quadros no mesmo espaço da película. Assim, o custo de negativo é reduzido pela metade.

Primordial para o projeto, o som é captado pelo belga Nicolas Hallet, profissional premiado e que cada vez mais tem concentrado suas atividades em Pernambuco. Seu trabalho vai muito além de registrar a voz dos atores. A ideia é acrescentar um ambiente sonoro ao que está sendo visto. Em uma das cenas, há uma construção do lado da cozinha onde se dá a ação. “Não há equipamento no mundo que consiga abafar o barulho de uma betoneira funcionando. Então abrimos tudo”, diz Hallet.

Entusiasta do projeto, o ator WJ Solha diz que tinha resolvido parar de atuar, até que leu o roteiro. “É uma ótima sacada essa visão de fazer um filme sobre a classe média, que foge do estereótipo do nordeste miserável, seco de periferia”. Solha estreou no cinema no elenco de O salário da morte (1970), de Linduarte Noronha. No filme, ele está no papel de “dono de metade dos imóveis da rua”. Em determinada sequência, figura numa casa grande que ainda preserva, um andar abaixo, uma senzala.

Para Kleber, a relação de estranhamento e conflito entre o homem e a arquitetura urbana, explorada exemplarmente nos anos 1950 por Jaques Tati (Meu Tio, Playtime), tem se intensificado nos últimos tempos. “Quero filmar pessoas numa obra arquitetônica que deu errado. Me incomodam os filmes que isolam os personagens do espaço ao redor”. O som ao redor está sendo produzido sob o custo de R$ 1,6 milhão, captados em editais do Ministério da Cultura, Petrobras e Funcultura. As filmagens seguem até o dia 24.

(Diario de Pernambuco, 02/08/2010)