A Monga ataca no Cine PE

Estreia hoje o curta Calma, Monga, Calma!, de Petrônio de Lorena, sobre os ataques da mulher-macaco na Região Metropolitana do Recife. Com participações de Samir Abou Hana, Sérgio Dionízio, Jomard Muniz de Brito, Grilowsy e Miró da Muribeca, o filme deve render bons momentos no Teatro Guararapes. Ao Diario, Lorena antecipa que Miró estará na sessão, onde recitará poema vestido de cobrador de ônibus. Se a Monga vai, fica o mistério.

Leia matéria sobre o curta aqui.

Cine PE – noite três

Em noite esvaziada pela tempestade que assola o Recife, o Cine PE reservou para a segunda-feira uma seleção interessante, marcada por documentários sobre a memória. No viés afetivo em Casa 9, de Luiz Carlos Lacerda; no confronto entre o presente cruel com o passado feliz no curta A casa da Vó Neyde (SP), de Caio Cavechini; com irreverência no curta As aventuras de Paulo Bruscky (PE), de Gabriel Mascaro; com liberdade poética no curta Fábula das três avós (SP); e na homenagem a Zelito Viana, que invocou Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirzman antes de exibir Augusto Boal e o Teatro do Oprimido, seu tributo ao amigo de 50 anos.

O curta digital A casa da vó Neyde, trabalho de estreia de Cavechini, é um ato de coragem por escancarar um problema pouco assumido pela classe média: o crack. O que parecia ser mais um documentário com rostos quadriculados de meninos pobres se revela um dos relatos mais amargos e sinceros do festival. O filme mostra sem pudor o vício de seu tio, um quarentão que mora com a mãe. As imagens do tio preparando e acendendo o cachimbo foram feitas por um amigo do diretor, que não conseguiu presenciar o momento. O contraste com o passado impresso no álbum de família só faz aumentar a ressaca no final da projeção. Dizem que o público do Cine PE dá risada por qualquer motivo. Desta vez, não foi o caso.

Casa 9 faz um inventário mais verbal do que imagético do que foi a experiência libertária naquele local, um sobrado no Botafogo que serviu de quartel para o desbunde artístico em plena ditadura militar. Presente na sessão, Jards Macalé foi de bigode (mas não com o casaco de general da música Vapor Barato), para brincar com o apelido do diretor. “Vim de bigode para relaxar o Bigode”, disse, no palco. Longe de qualquer sofisticação, a contação de “causos” é o que há de mais precioso no filme. A baixa resolução da imagem e o acabamento precário são compensados pelo valor cultural do que está ali registrado. Como o próprio Bigode explicou ontem pela manhã na coletiva para a imprensa, o filme foi feito dentro do “esquema Casa 9”. A presença pernambucana é forte, em depoimentos de Naná Vasconcelos e Lenine – a produção local foi da Ateliê e Eric Laurence.

“Minha geração está começando a contar a sua história, que de outra forma não seria contada. Pois a história é contada pelos vencedores, que hoje é a esquerda que achava que a gente era um bando de drogados alienados. Tenho muito orgulho de ter feito parte dessa cultura hippie, anarquista, que originou discursos como o da ecologia, direitos humanos e contra a homofobia”, disse Bigode.

As imagens de arquivo são poucas, mas preciosas. A mais interessante remete a um piquenique em Londres. “Comprei uma câmera Super 8 em 1969. Eu filmava tudo, aleatoriamente. Foi o nosso primeiro ensaio para o Transa, do Caetano”, contou Macalé, que se disse satisfeito com o filme. “Refleti sobre aquela loucura que vivemos, uma ditadura brava a gente fazendo tudo com a maior liberdade. Éramos um exército de Brancaleone”.

Irreverente, Jards Macalé roubou a cena também na coletiva, ao fazer declarações e aparecer vestido de camisa estampada, calção e chinelos. Lembrou da parceria com Naná em Let’s play that: “a gente colocava o disco Hendrix, Axis bold as love, ficávamos horas tocando aos berros na vila e ninguém nunca reclamou”. E da primeira sessão de ácido, dividido com Gal Costa. “Ela é maravilhosa, quem me dera ela ainda estivesse tomando ácido”. Como contrariar?

(Diario de Pernambuco, 04/05/2011)

Cuidado que a Monga vem aí

“A Monga é uma consequência do nosso modo capitalista, explorador e consumista de viver”. Assim, direto ao ponto, o diretor Petrônio de Lorena define a personagem de seu novo curta. Selecionada para a mostra competitiva 35mm do Cine PE, Calma, Monga, calma! deve ser uma das sensações do festival. O filme é muito engraçado. E, ao mesmo tempo, bonito de ver. Anote aí: cenas da mulher-macaco atacando desavisados no cinema pornô, no ônibus bacurau e no cabaré ainda vão dar o que falar.

Ano passado, Petrônio já havia chamado atenção no Cine PE com o documentário sobre a cena brega Faço de mim o que quero, do qual é codiretor ao lado de Sérgio Oliveira. Agora ele retorna ao festival com obra que, em suas palavras, transita entre “o trash, o popular e o noir”. O elenco é liderado por Everaldo Pontes (Superbarroco), um policial dedicado a colocar a Monga (Hilda Torres) novamente atrás das grades.

Como bom noir, além do suspense, há a imprensa. No caso, a imprensa pernambucana, representada por Sérgio Dionísio, do programa Ronda Geral e Samir Abou Hana, que promove debate entre especialistas, incluindo um filósofo vivido por Jomard Muniz de Brito.

Enquanto isso, a Monga continua a fazer das suas na madrugada. Uma das vítimas é um emo (Grilowsky) que a confunde com um travesti na traseira de um bacurau. Sobrou para o cobrador (Miró) explicar o crime à polícia, o que gerou um dos melhores momentos do curta-metragem: um poema-desabafo sobre kombeiros acusados de matar duas meninas de classe média-alta.

Mas por que a Monga ataca? “Ela se rebelou contra a exploração sexual que sofreu nos parques de diversão e circos do interior”, conta Petrônio. “Do mesmo jeito, foi explorada nos empregos por onde passou. Ela teve até um momento áureo em Bollywood, fazendo pornôs, mas se viciou em drogas pesadas e adquiriu psicopatia por jovens varões recifenses. Ao mesmo tempo em que sente desejo, rejeita seu corpo peludo. Por isso a raiva”.

O inevitável paralelo com a realidade não demora a surgir. “A violência doméstica crescente e mortes passionais foram a minha inspiração. São surtos em que a gente se desconhece, motivados pelas pressões sociais, a necessidade de consumo, a exploração no trabalho, as frustrações amorosas. Nossa época mostra que de nada serviu todo o conhecimento acumulado pela humanidade”.

O próprio Petrônio já surtou como a Monga. Foi em 2007, durante o Atacadão dos Filmes, no Circo Voador (RJ). “Interpretei a macaca num julgamento de curtas, ao lado de Elke Maravilha e do professor Hernani Heffner. O evento era apresentado por Godô Quincas, que me sugeriu um filme com a Monga e assim começamos o roteiro”.

Calma, Monga, calma! foi rodado em película Super 16mm, ao custo de R$ 174 mil. O patrocínio é da Petrobras e prefeitura do Recife. O filme está quase pronto. Semana passada Petrônio finalizou o desenho de som e a mixagem. “Esta etapa deu cara ao filme”. Agora falta transferir para a bitola 35mm. Ou seja, Monga está quase pronta para soltar urros e rugidos também no Teatro Guararapes.

Ficha Técnica

Direção: Petrônio de Lorena
Roteiro: Petrônio de Lorena e Godô Quincas
Produção Executiva: Diana Iliescu
Direção de produção: Marilha Assis
Direção de fotografia e câmera : Ivo Lopes Araújo
Montagem: Çarungaua e Grilo
Som direto: Phillipe Cabeça
Desenho de som: Guga S. Rocha e Guma Farias,
Direção de arte: Diogo Todé e Maria Simonetti
Maquiagem: Gera Cyber
Figurino: Cecília Pessoa
Co-produção: Ginja filmes

Elenco: Godô Quincas, Hilda Torres, Everaldo Pontes, Grilowsky, Adilson Ferreira, Ramilson Gomes, Samir Abou Hana, Sérgio Dionízio, Tomás Nascimento, Jomard Muniz de Brito e Miró da Muribeca

(Diario de Pernambuco, 24/04/2011)