Nasce o Animacine

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Nunca houve um festival de animação no interior de Pernambuco. Coube a Lula Gonzaga, autor do primeiro curta de animação feito no estado (“Vendo Ouvindo”, 1972) e do primeiro encontro brasileiro de animação (1987), realizar o Animacine – Festival de Cinema de Animação do Agreste, que desde a última terça-feira vem se revezando em filmes e ideias, exposições e oficinas.

Sediado em Caruaru, o Animacine tem alcance regional, se estendendo em mostras itinerantes em Gravatá e Bezerros. No emblemático Museu do Barro, a cerimônia de abertura foi marcada pela presença de importantes representações do cinema e da cultura popular, dimensão na qual o evento se propõe a trabalhar. Para Gonzaga, o cinema de animação é atividade estratégica para o fortalecimento da arte popular, no agreste representada pela música, xilogravura, a manufatura de bonecos e objetos de barro.

Responsável pelo Movimento Canavial, na Zona da Mata Norte, o produtor cultural Afonso Oliveira falou sobre a importância de um evento como o Animacine. “Temos uma política cultural tímida para formação e patrimônio”, disse, elogiando a iniciativa como estratégica para a formação de uma política cultural capaz de formar novos produtores, ao contrário da cultura dos grandes eventos, baseados em palcos grandiosos e passageiros. “Sou a favor de pequenas subversões, contrárias aos grandes eventos, que só oferecem mais do mesmo”.

Antônio Carrilho: a produção de imagens precisa ser compreendida

O cineasta Antônio Carrilho trouxe a discussão para o campo do cinema e da necessidade de cada região ter sua própria representação audiovisual. “Precisamos perceber a importância do audiovisual nas nossas vidas. As imagens estão no nosso dia a dia e entender como elas são produzidas é essencial para reagir ao mundo de forma mais crítica. Assim poderemos desmistificar a produção da imagem e seu poder de manipulação”.

Logo após houve uma apresentação da Sambada do Coco de Umbigada do Guadalupe, que veio de Olinda para prestigiar o Animacine. Na sala ao lado, uma exposição de xilogravuras do Mestre Dila recebe os visitantes. Nascido em Caruaru, desde o ano 2000 Mestre Dila foi contemplado com o prêmio Patrimônio Vivo do Estado de Pernambuco.

Formação – Do Rio de Janeiro compareceram Alexandre Jardim e Joaquim Eufrasino, técnicos enviados pelo Centro Técnico Audiovisual (CTAv) para realizar uma oficina de produção sonora para filmes de animação. A animação está no DNA do CTAv, que foi fundado em 1985 a partir de uma parceria entre a Embrafilme e o National Film Board (NFB), do Canadá, com o objetivo de auxiliar na formação de animadores em técnicas de baixo custo e com isso fomentar a produção de animação no país.

Além de trabalhar como mixador e com efeitos e ruídos sincronizados, Alexandre é responsável pela restauração do som dos filmes “Assalto ao Trem Pagador” e “A Rainha Diaba”. E Eufrasino, mais conhecido como Babá, atua desde os anos 1970, tendo fotografado boa parte dos curtas de animação brasileiros. Dois veteranos do cinema nacional, que compartilharam sua vasta experiência e contaram boas histórias.

Lula Gonzaga ao lado do troféu criado por Ed Bernardo

A parceria com o CTAv também rendeu uma mostra de nove curtas realizados no núcleo de animação de lá. Além disso, o melhor curta da Mostra Competitiva Nacional terá como prêmio o empréstimo de uma câmera 35mm e uma câmera Digital SI-2K pelo período de duas semanas. Já o vencedor da Mostra Formação será premiado com um serviço de mixagem de som. Além disso, os vencedores de cada categoria ganham troféu confeccionado pelo artesão Ed Bernardo.

Alunas da oficina de recorte digital aprendem a movimentar personagens
Outro parceiro do festival é o designer e professor da UFPE Marcos Buccini, que ministra oficina de recorte digital. “Para participar não é preciso saber desenhar, pois nos concentramos em termos de tempo e movimento”. Buccini também coordena o Maquinário – Laboratório de Animação da UFPE, do qual fazem parte 35 alunos de design. Apesar do que o uso da tecnologia – computadores Mac e software After Effects – pode insinuar, trata-se de um trabalho 100% artesanal, feito com a mão no mouse e dedos no teclado.Ao dar seus primeiros passos, o Animacine assume um papel pioneiro de catalizador de uma produção que valoriza as raízes para gerar novos frutos, principalmente por se inserir em um contexto jovem e vibrante de produção audiovisual, aliado à tradição do interior nordestino. Lula Gonzaga admite que o festival precisa melhorar, já que esta primeira edição foi feita com recursos reduzidos. Um crescimento necessário, que não deve colocar em risco a dimensão humana, uma das forças do evento.
Os premiados – O júri composto por Alexandre Jardim, Joaquim Eufrasino e Tiago Delácio selecionou dois filmes para o Prêmio CTAV (concedido pelo Centro Técnico do Audiovisual – RJ), sendo um na Mostra Competitiva Nacional, outro na Mostra Formação. Foram selecionados, também, os filmes nas categorias Linguagem, Fotografia, Direção, Som e Mostra Competitiva Internacional.

Os diretores dos filmes selecionados com a premiação CTAV terão 1 (um) ano para utilizar tais serviços. Caso não possam utilizar ou não precisem dos empréstimos dos equipamentos e dos serviços de mixagem, o mesmo júri indicará novo premiado de outras categorias.

Melhor filme – Mostra Competitiva Nacional

A INFÂNCIA DE ANINHA (GO), de Rosa Berardo
Prêmio: (empréstimo por 2 semanas de Câmera 35mm e Câmera Digital SI-2K)

Melhor filme – Mostra Formação 
MACACOS ME MORDAM (MG), de César Maurício e Sávio Leite
Prêmio: Serviço de Mixagem

Melhor filme – Mostra Internacional 
BENDITO MACHINE IV (Espanha), de Jossie Malis

Melhor Linguagem CABEÇA PAPELÃO, de Quiá Rodrigues (RJ)
O CANGACEIRO, de Marcos Buccini (PE)

Melhor Fotografia 
André Arôxa, por A ESCADA (PE)

Melhor diretor
Beatriz Herrera Carrillo, por BOLOLO (México)Melhor Som 
Jossie Malis, por BENDITO MACHINE IV (Espanha)

“Habibi”, a declaração de amor dos quadrinhos à cultura árabe

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Em árabe, “habibi” é o adjetivo mais usado para se referir a quem se ama. Em “Habibi” (Quadrinhos na Cia., 672 páginas, R$ 57), novo romance gráfico do norte-americano Craig Thompson, o amor que protege duas pessoas não diz respeito somente a elas. Nele repousam séculos, histórias novas e antigas, civilizações modernas e ancestrais. A beleza e os conflitos desta descoberta correspondem à criação da vida.

Em seu livro anterior, “Retalhos” (2003), o autor chamou atenção pelo domínio nar­rativo ao desenvolver o mes­mo tema, ambientado no interior dos Estados Unidos, tendo como protagonistas um casal pós-adolescente.

Foram sete anos até chegar nesta segunda obra, que supera expectativas ao explorar a riqueza e complexidade da cultura islâmica. É preciso ressaltar a importância de que esse reconhecimento venha de um artista ocidental, estabelecido no pós-11 de setembro, sinceramente interessado no imaginário árabe a ponto de entrela­çar sua busca criativa na caligrafia das páginas do alcorão.

A religiosidade é fator intrínseco à história de Dodola e Zam, crianças que se unem para sobreviver e se separam por imposições ligadas a escravidão e ao servilismo feminino. Sim, a violência está ali, pesando contra seres frágeis, desde que o mundo é mundo. Resta às vítimas sobreviver e/ou procurar a Deus/Alah, manifestado na natureza. Natureza, inclusive, do próprio corpo, que reproduz a vida. Dessa dimensão (o divino) surge a escrita, conhecimento que salva e ilumina o caminho dos personagens com uma infinidade de histórias. No princípio era o verbo, conjugado em narrativas que refletem, entre outras referências, as mil e uma noites.

Nesse contexto, destaca-se a força das palavras como casulos, habitáveis, promovendo o conforto em momentos de fragilidade.

Em “Habibi”, cada página pode ser contemplada como uma obra à parte. Para compor sua visão romântica do amor, Thompson explora como poucos e amplia limites de uma linguagem quase sempre subutilizada – a das histórias em quadrinhos. Em seus desenhos, ele dá a animais e seres humanos formas cartunescas, enquanto trabalha cenários, objetos, paisagens e símbolos com precisão geométrica. Páginas se tornam painéis, que servem suporte para sua visão da arte muçulmana.

Em determinada passagem, a paixão entre o Rei Salomão e a Rainha Bilqis é traduzida em triângulos que formam estrelas, que se tornam anéis, que derivam para texturas exuberantes. Justapostos, desenhos formam uma narrativa que desnuda camadas de fabulação e fantasia até que a áspera realidade se torne algo suportável.

(Folha de Pernambuco, 15/10/2012)

Novo livro de Moebius no Brasil

A editora mineira Nemo vem fazendo um belo serviço ao devolver os quadrinhos de Moebius ao mercado brasileiro de quadrinhos. O projeto começou em maio, com a publicação de Arzach, até então inédito no país. Agora chega às lojas Absoluten Calfeutrail & outras histórias. Nos dois livros, algumas HQs já haviam sido publicadas isoladarmente por outras editoras, nos anos 1980 e 1990. Uma delas, o essencial Garagem hermética, está prevista os próximos meses.

Um dos artistas mais cultuados do quadrinho europeu, Jean Giraud assumiu o pseudônimo Moebius em 1963, quando publicou uma série de tiras para a revista Hara Kiri. Ficou conhecido em 1974, quando se tornou um dos fundadores da Métal Hurlant. Já famoso, nos anos 1980, fez uma parceria com Stan Lee, ao desenhar uma graphic novel protagonizada pelo Surfista Prateado. No cinema, trabalhou na arte de Alien (1979), Tron (1982) e O quinto elemento (1997).

Publicadas originalmente nos anos 1970, as histórias de Absoluten Calfeutrail trazem um Moebius tão experimental que transgride as regras da narrativa visual dos quadrinhos. São fantasias nada escapistas, que reúnem humanos e alienígenas em mundos alternativos, de formas delirantes. Como boa distopia, a crítica social emerge de situações improváveis, quase sempre certeira, como na erótica Pau doido que, disfarçada de ficção científica, aborda a repressão sexual do trabalhador comum. O texto é econômico ou simplesmente não existe. Na arte fantástica de Moebius, palavras raramente ajudam. As imagens já dizem tudo.

(Diario de Pernambuco, 03/01/2011)

Lewis Trondheim: "Quadrinhos podem gerar menos dinheiro, mas são um ambiente criativamente mais rico"


Auto-representação do artista: “desenho mais animais do que humanos. Prefiro os traços simples”

Apesar de não ter livros publicados no Brasil, o cartunista Lewis Trondheim tem sido tratado com distinção em sua pasagem pelo país. Iniciados sabem que sua importância vai além do prestigiado Grand Prix de la Ville d’Angoulême, honraria máxima concedida em 2006 pelo festival de mesmo nome, tão importante para as artes gráficas quanto o de Cannes para o mundo do cinema. “Por dez minutos, senti certa agonia. Pensei que este seria o fim, mas depois aceitei como um desafio para fazer coisas novas”, disse Trondheim, durante encontro com cerca de 30 pessoas na Aliança Francesa do Recife, na última segunda-feira.

Para quem perdeu o encontro com o artista, a boa notícia é que Gênesis apocalípticos e Os inefáveis, a primeira versão brasileira de trabalhos de Trondheim, acabam de ser lançadas em volume único pela editora paraibana Marca de Fantasia, que o recebeu com a Aliança Francesa em João Pessoa.

O momento culminante de Trondheim no Brasil será hoje, dentro da programação do Rio Comicon, na capital carioca, ao lado de outro talento francês, o veterano Edmond Baudoin. “Essas convenções são chatas, mas pagam as viagens. Se for para dar autógrafos, prefiro ficar na França. Encontros como estes são muito melhores”, disse o artista.

A visita ao Recife está devidamente registrada em seu caderno de desenhos, em esboços como os feitos na Praça da República, enquanto tomava um café no Teatro de Santa Isabel. Como bom desenhista, ele é observador e não lhe escapou a peculiar árvore da Praça do Arsenal, no Recife Antigo, sustentada por uma estrutura de ferro. “Pensei: é bom que as pessoas se ocupem de árvores e nesse momento alguém passou e fincou uma garrafa de água vazia no tronco”.

Outras amostras de seu humor sarcástico e direto foram dadas durante a conversa, em que produziu uma história inédita inspirada em sua experiência no aeroporto do Rio. “Meu tema preferido é a decapitação de crianças”, declarou. Logo depois, amenizou para não chocar demais a plateia: “gosto de falar de situações de poder e sobre o livre arbítrio que as pessoas podem ter”.

Trondheim conta que começou tarde nos quadrinhos, pois não acreditava ter o talento necessário. Primeiro estudou publicidade e, aos 24 anos, passou a criar fanzines. O primeiro contrato para fazer um livro veio aos 30. Hoje, são mais de 150. Mesmo assim, e com o reconhecimento em Angoulême, ele não se considera um autor de sucesso e se define como preguiçoso. “Por isso desenho mais animais do que humanos e prefiro os traços simples”. Mas chegar ao simples, ao traço mínimo, não é tarefa fácil. É uma arte para poucos.


Trecho de Gênesis Apocalípticos, publicado no Brasil pela Marca de Fantasia

“Tive a sorte de ser bem recebido pela imprensa, mas vendo muito menos do que outros autores franceses. E ganho o suficiente para continuar fazendo o que gosto. Se vendesse mais, o dinheiro me obrigaria a fazer sempre a mesma série, o mesmo personagem. Seria um prisioneiro, não um autor”. Inevitável não lembrar de René Goscinny e Albert Uderzo, os criadores de Asterix e Obelix. “Antes do sucesso, eles criaram outra série, que não funcionou”.

Perguntado se tem algum guru, Trondheim responde que admira o trabalho de alguns artistas mas que procura não pensar muito nisso. “Para não me inspirar demais e correr o risco de fazer uma cópia ou comprometer a originalidade do trabalho; a França tem grandes mestres que são copiados, sem que exista uma compreensão do processo por trás do traço. Para mim, mestre é uma questão de atitude, como Bill Waterson, que desenhou Calvin e Haroldo por dez anos e parou para ficar íntegro, pois quiseram fazer merchandising com os personagens”.

Trondheim é também fundador da L’Association, editora com a qual ele, Menu, Stanislas, Mattt Konture, Killoffer e David B. (Epiléptico) renovaram o quadrinho francês no anos 1990. A ideia não era questionar o mercado editorial do país, um dos maiores do mundo, mas provocar mudanças estéticas.

Entrevista >> Lewis Trondheim

O que motivou a criação da L’Association?
Queríamos fazer algo diferente do convencional para a época, como narrativas autobiográficas e baseadas em sonhos, ou histórias feitas em um único quadro por página. Também fizemos desenhos sem texto, para outra pessoa escrever e vice-versa.

O que acha de adaptações dos quadrinhos para o cinema, como Gainsbourg – vie heroique e Persépolis?
Não assisti. E mesmo assim, prefiro os originais. Sou amigo de Joan Sfar (autor da HQ e do filme sobre Serge Gainsbourg) e disse a ele: se você vai fazer um filme, faça algo próprio, de forma autêntica. Na França há mais cartunistas do que cineastes. Posso compreender a frustração deles e a vontade de fazer cinema. Mas seria algo perigoso se eles fizessem sucesso no cinema. Isso significa mais dinheiro, e portanto, mais problemas. Os quadrinhos podem gerar menos dinheiro, mas são um ambiente criativamente mais rico, o que pode render resultados mais surpreendentes em termos narrativos do que o cinema.

O que importa mais, a qualidade do traço ou a ideia?
Se a HQ for feia, mas tiver ideias interessantes, o leitor vai chegar ao fim. O contrário também funciona assim. É comum artistas gráficos competentes fazerem bons desenhos, mas histórias nem tanto. Eu prefiro uma boa história a um bom desenho.

(Diario de Pernambuco, 23/10/2011)

Scott Pilgrim como forma de ver o mundo

Não muito tempo atrás, no misterioso território de Toronto, Canadá, Scott Pilgrim encontra Ramona Flowers. Ela é durona e bonita. Ele a quer mais do que tudo e para isso precisa derrotar sete ex-namorados da garota. Eis o argumento de Scott Pilgrim contra o mundo (Scott Pilgrim vs. the world, EUA, 2010), de Edgar Wright, um poderoso tratado sobre ter 20 e poucos anos no século 21.

Ao incorporar elementos de videogame, séries de TV e histórias em quadrinhos, o filme olha de igual para igual para essa juventude. Quase não há referências de gerações anteriores, com exceção dos nomes dos colegas de Scott, Young Neil e Stephen Stills, tributo aos veteranos músicos canadenses e um trecho da música Teenage dream, do grupo glitter setentista T.Rex.

Coisa rara em filmes que adaptam quadrinhos, a narrativa flui entre brigas estilo Street Fighter e atrapalhadas declarações de amor. A montagem é fabulosa, no sentido de costurar diferentes situações e cenários como parte da mesma ação, de acordo com o desalento temporal do personagem. A escolha dos atores é mais do que acertada, principalmente Michael Cera (Juno) no papel principal.

Ao mesmo tempo em que entra no circuito Sessão de Arte dos cinemas UCI Ribeiro (sessão amanhã, 12h, no Plaza, segunda, às 19h, no Tacaruna e quinta às 20h30 no Multiplex Boa Vista), Scott Pilgrim acaba de chegar ao mercado de DVD e Blu-ray pela Universal, que entra na brincadeira ao iniciar o filme com versão pixelizada e som midi da sua clássica abertura. Logo depois, os créditos iniciais com abstrações coloridas fazem do filme uma viagem sem volta. Diversão garantida.

Adaptação – Criado pelo canadense Brian Lee O’Malley, a ´preciosa vidinha` de Scott Pilgrim veio ao mundo em 2004, inspirado em canção da girlband canadense Plumtree. Rendeu série de seis volumes, lançados até o ano passado. No Brasil, a HQ foi editada pelo selo especializado da Companhia das Letras, a Quadrinhos na Cia., que na próxima sexta-feira encerra a série ao lançar os dois últimos tomos compilados no mesmo livro.

Nos quadrinhos há passagens e personagens que não existem no filme, como o surpreendente pai da adolescente Knives Chau e a via crucis de Scott à procura de emprego. O traço que mistura quadrinhos ocidentais e orientais de O’Maley se explica pelo ´Lee` de seu nome. Descendente de japoneses, ele é aficcionado por mangá. Assim como por música, não por acaso, o eixo pelo qual gira o universo de Scott e da sua banda indie, a Sex Bomb-Omb. A internet não poderia ficar de fora e referências a ela estão em detalhes como tarjetas que apresentam a idade e ´status` de Scott e seus amigos e inimigos.

Scott Pilgrim contra o mundo é talvez a obra que melhor represente os comportamentos desencanados social e sexual da juventude contemporânea – desconectada do mundo ´adulto`, com déficit de atenção e desajustada emocionalmente. Sintomas que confrontam Scott mais do que qualquer ex-namorado do mal que sua amada Ramona possa trazer do passado. Enquanto ele próprio for seu maior inimigo, não há como ganhar vida extra e continuar jogando.

(Diario de Pernambuco, 09/04/2011)

70 anos de um mito americano

Há 70 anos, circulava nos Estados Unidos o primeiro número da revista em quadrinhos Action Comics. O desenho da capa chama a atenção pela violência incomum para a época: um desconhecido trajando azul e vermelho destrói um carro, em torno de pessoas assustadas. Em seu peito há um grande S maiúsculo, símbolo que marcaria definitivamente o imaginário coletivo do século 20. Na última página a própria revista anuncia o novo herói como aquele que irá “refazer o destino de um mundo”. Esta foi a primeira aparição pública do Superman, personagem que não somente inaugurou, mas serviu de protótipo para um novo gênero de quadrinhos: os super-heróis.

No Brasil, a data será lembrada com extensa programação e lançamentos. A editora Panini, detentora dos direitos de publicação do herói no Brasil, começou o ano lançando a série Superman Crônicas, em que as primeiras histórias são apresentadas em ordem cronológica. Já a Devir Livraria deve lança ainda este mês o quarto e último volume da série Supremo, em que Alan Moore faz inteligente e sarcástica paródia do herói, no que talvez seja a melhor síntese de sua trajetória estética e conceitual.

Edições comemorativas à parte, é curioso observar como essa mitologia de semideuses defensores do american way, cujo maior representante é o Superman, está intimamente vinculada com o estabelecimento e manutenção da hegemonia dos EUA. “70 anos fazendo o mundo acreditar”, diz um site especializado no personagem.

É de fazer inveja a qualquer ditadura, fascista ou comunista. Afinal, ambas sabem qual o poder dos bens simbólicos sobre uma nação. De todas, predominou a indústria cultural norte-americana. Foram sete décadas de prosperidade, estiradas entre dois períodos de refluxo: a grande depressão dos anos 30 e a paranóia pós-11 de setembro.

Assim como o país em que foi criado, ao longo dos anos o Superman mudou bastante. Inclusive de discurso. Criado em 1933 por dois adolescentes judeus adoradores de ficção científica, Jerry Siegel e Joe Shuster, o personagem foi concebido como uma ameaça do futuro, com o objetivo de fazer da Terra o reino do Superman. Sua roupa teve inspiração nas histórias do espaço sideral, como Flash Gordon. A cueca por cima da calça, no entanto, era algo inédito que logo se tornaria padrão.

No ano seguinte ele ressurge como herói justiceiro, capaz de desrespeitar poderes instituídos para resolver os problemas de gente comum. Essa foi a versão publicada em 1938 pela National, futura DC Comics, que comprou os direitos do personagem de Siegel e Shuster por míticos 130 dólares. Os desenhistas aceitaram prontamente. Estavam há cinco anos procurando uma editora disposta a assumir o risco de publicar um material tão diferente – é bom lembrar que os personagens da época eram Tarzan, Príncipe Valente e Mandrake. A popularidade imediata pegou todos de surpresa, inclusive os criadores, que nunca mais obtiveram nada parecido em termos de sucesso.

A chegada do protetor dos oprimidos foi mais do que conveniente para aquele tempo de vacas magras iniciado em 1929, com a quebra da bolsa de valores. Só que nas primeiras histórias, Superman lembrava em quase nada o mocinho politicamente correto que se transformou nos anos seguintes. Ele tinha poderes modestos se comparados com os atuais, mas suficientes para esmurrar – e algumas vezes até torturar – pessoas comuns que se comportavam mal. Os vilões eram mafiosos e ladrões de galinha, mais interessados em extorquir trocados do que em controlar o planeta.

Com o advento da guerra fria, sob a égide do macartismo e a aprovação do código de ética, os comics eram obrigados a trazer exemplos cívicos e de bom comportamento. Foi quando Superman virou o homem de aço. Seu único calcanhar de Aquiles, a kryptonita, não era desse planeta. Passou a voar entre mísseis em vez de pular edifícios. Não raro, figurava com águia no ombro e bandeira listrada ao fundo. Seus poderes garantiram paz no planeta, ameaçado por inimigos empenhados em escravizar a humanidade como Lex Luthor, Brainiac e Darkseid. E assim se passaram três décadas de planos mirabolantes, dimensões paralelas, engenhocas e cientistas malucos, organizados em torno de maniqueísmos e fugas fantasiosas. A ressaca foi grande.

Império em xeque, heróis no divã – Nos anos 80, os super-heróis estavam tão distantes da realidade que o próprio mercado dos comics entrou em crise. Do outro lado do mundo, os mangás japoneses esboçavam uma revolução nos quadrinhos. Por isso, a própria DC Comics chamou o roteirista inglês Alan Moore (autor de V de Vingança) para tentar algo novo. O resultado foi a série Watchmen, em que novos encapuzados e superseres enfrentam problemas de alcolismo, depressão e traumas sexuais. Ao mesmo tempo, se alistam na Guerra do Vietnã e lutam no Afeganistão contra tropas soviéticas.

Nessa mesma época, Frank Miller (criador de Sin City e 300), lançou Batman – O Cavaleiro das Trevas, em que Superman faz uma ponta no papel de marionete da Casa Branca. A surpresa é que ele apanha – e muito. Meses mais tarde, foi reformulado por John Byrne, menos poderoso e mais próximo dos dilemas humanos.

Entre os trabalhos recentes está a elogiada série All Star Superman, onde o escocês Grant Morrison coloca o herói em contagem regressiva para a morte. Provavelmente porque, assim como o país que representa, o mito do Superman busca seu lugar no século 21. Entre infinitas crises, mortes e ressurreições, seu maior desafio é conciliar o discurso de democracia, liberdade e justiça com atentados terroristas e invasões a países árabes. Se é que isso faz algum sentido.

(Revista Continente, junho de 2008)

Os Mumin chegam ao Brasil

A Conrad lança o primeiro volume de Mumin (96 páginas, R$ 37,90), versão fofa para os “trolls”, que mais parecem hipopótamos.

Pela primeira vez no Brasil, podemos descobrir este universo original que acaba de ganhar versão para cinema stop-motion e música da islandesa Björk.

No campo, onde levam vida saudável às vezes ameaçada por angústias da existência, a família Mumin convive com demais seres estranhos e infantis.

Criados nos anos 1940 finlandesa Tove Jansson como releitura da mitologia escandinava, eles são sucesso na Europa, Japão e foram traduzidos em 30 idiomas. No total, são dez volumes de tirinhas, publicados ao longo de quatro décadas.

A Balaiada em quadrinhos

Mais um episódio sangrento da história do Brasil acaba de ser adaptado para os quadrinhos. Trata-se da Balaiada, revolta ocorrida em 1838, no Maranhão.

A adaptação é de autoria do historiador Iramir Araújo, com desenhos de Ronilson Freire e Beto Nicácio.

O álbum apresenta, em 80 páginas em preto e branco, personagens como o vaqueiro Raimundo Gomes, Francisco dos Anjos, conhecido como “Balaio” e o negro Cosme Bento. Figuras que a historiografia tem como vilões, mas no álbum ganham o status de herois.

Ano passado, a Revolta da Chibata, outro conflito obscurecido da história brasileira voltou à pauta graças à HQ Chibata!, de Olinto Gadelha e Hemetério, publicada pela Conrad Editora e considerada um dos melhores lançamentos do ano.

Ainda em 2009, Os Sertões, de Euclides da Cunha também será lançado em quadrinhos pela Agir. Leia mais a respeito aqui.

Balaiada – a guerra do Maranhão foi produzido com o incentivo da Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão e ainda contou com o apoio do Programa BNB Cultura/2009.

Ele pode ser comprado exclusivamente pelo email iramiraraujo@ig.com.br, a R$ 25.

HQPB, o primeiro seminário de paraibano de quadrinhos

Henrique Magalhães, da editora Marca de Fantasia, divulga a primeira edição do HQPB.

O primeiro seminário paraibano dedicado exclusivamente aos quadrinhos está marcado para os dias 15 e 16 de setembro.

O viés acadêmico parece ser a marca do evento.

Praticamente todos os convidados estão ligados às universidades, a começar pelo próprio Magalhães, professor da UFPB, assim como Marcos Nicolau, que também participa do seminário.

Do Recife, participam o cartunista e pesquisador Antonio Clériston, da UFPE, e José Valcir, do grupo de produção Pada.

Edgar Franco, da Universidade de Goiás e Cristian Mallea, da Universidade de Palermo, na Argentina, também marcam presença.

Ragu reafirma liberdade editorial


Ilustração de Fernando Perez na nova Ragu

Nos últimos anos, a produção de quadrinhos autorais no Brasil vem crescendo a passos largos. Ainda assim, raras publicações dão vazão a este material. Nem sempre obras de inegável qualidade artística encontram espaço no mercado. A resposta pode estar em projetos como a Ragu, que completa dez anos com o lançamento de sua maior e mais bem cuidada edição. A noite de autógrafos será hoje, às 21h, no Bar Central (Rua Mamede Simões – Boa Vista).

A Ragu nasceu como revista em quadrinhos, para apresentar uma nova geração de artistas pernambucanos. Dez anos depois, reconhecida como uma das melhores antologias de artes gráficas do país, ela chega ao formato livro. O porte da edição, se comparado com o início, é impressionante: 240 páginas, capa dura e tiragem de 1.200 exemplares, viabilizados por recursos do Funcultura / Fundarpe.

Ao reunir 33 colaboradores de seis países,a sétima Ragu se afirma como mapa da atual produção autoral latino-americana. Os brasileiros são Allan Sieber, Andrés Sandoval, Daniel Cabballero, Daniel Bueno, D’Salete, Guazzelli, Gabriel Góes, Walter Vasconcelos, Silvino, Jarbas, Greg, Mascaro, João Lin, Fábio Zimbres, Fernando Almeida, Joana Lira, Fernando Lopes, Fernando Peres, Kleber Sales, Chiquinha, Caio Gomez, Rodrigo Rosa e Samuca. Os estrangeiros são Àngel de la Calle, Alberto Vazquez e Brais Rodriguez (Espanha), Joaquin Cuevas, Alejandro Archondo e Al Azar (Bolívia), Frank Arbelo (Cuba), Jorge Perez e Avril Filomeno (Peru) e Ariel López (Argentina).

De acordo com João Lin e Mascaro, os organizadores, a ideia desta nova fase é lançar uma edição por ano. “Temos material suficiente para a próxima”, diz João Lin, que reafirma o caminho de independência após tentativas de estabelecer parceria com editoras do Sudeste. “Assumimos esse caminho para preservar a qualidade e liberdade editorial”.


Cartum de João Lin

Lin explica que o atual intercâmbio com os “hermanos” está sendo articulado há dois anos, desde o último Festival Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco. “Queremos criar laços com artistas dos países vizinhos, que guardam características próximas às nossas e refletem sobre seu tempo”. Talvez o maior exemplo dessa busca esteja na colaboração do gaúcho Eloar Guazzelli (que também assina a arte da capa), criada após sua visita que fez à Bolívia em junho, quando foi um dos convidados do festival Viñetas Con Altura, em La Paz.

A nova Ragu ainda traz o Recife desenhado por Saul Steinberg (1915-1999), ilustrador romeno famoso por suas colaborações para a revista New Yorker. Praticamente inédito, o material foi encontrado pelo designer gráfico Daniel Bueno, durante seu mestrado sobre a contribuição de Steinberg para o desenvolvimento do cartum e artes gráficas modernos. A viagem de Steinberg pelo Brasil dos anos 50 rendeu três cadernos sobre as cidades que visitou.


Esboço de Steinberg sobre o Recife, de 1956

“A imagem do Recife, até onde eu sei, só foi publicada no livro The Passport e recentemente na Revistada Unicamp, em tamanho pequeno”, diz Bueno. A publicação foi autorizada pela Steinberg Foundation de Nova York. “Eles não tinham clareza sobre as imagens, não sabiam que praticamente todos os desenhos dos cadernos eram sobre o Brasil”.

Nos próximos 30 dias, a Ragu será lançada na Espanha, durante o festival Viñetas desde o Atlântico, coordenado por Miguelanxo Prado, em São Paulo (dia 24), na sede da livraria HQ Mix e em La Paz (03/09), no espaço cultural C +C.

Durante o lançamento, o livro estará à venda por R$ 30. A partir da próxima segunda-feira, ele pode ser comprado por cerca de R$ 40 na Livraria Cultura e em lojas especializadas. Pedidos também podem ser feitos diretamente, pelo e-mail joaolin@terra.com.br ou telefone (81) 3232-3041.

Serviço
Lançamento da Ragú 7
Quando: Hoje, às 21h
Onde: Bar Central (Rua Mamede Simões – Boa Vista)
Quanto: R$ 30, no lançamento

Crônicas de grafite e aquarela

Arte de extrair, traduzir e imortalizar situações do cotidiano, a crônica é considerada um gênero híbrido entre literatura e jornalismo. Para chegar ao ponto, não basta criatividade: é preciso exercitar a percepção de situações quase sempre fugidias. Momentos que por vezes, de tão banalizados, se tornaram imperceptíveis. No livro em quadrinhos Sábado dos meus amores (Conrad, R$ 39), o artista Marcello Quintanilha revela esse talento com grafite e aquarela, técnica um tanto diferente das breves linhas que fazem uma crônica convencional.

Primeiro, por optar por um suporte pouco utilizado para a crônica. Segundo, porque o autor mineiro parte não de situações das quais foi testemunha, mas de histórias fictícias, ambientadas em diferentes lugares e épocas. O que há de “realidade” neste trabalho está nos cenários e expressões faciais de gente “comum”, protagonistas de histórias não somente possíveis, como recorrentes (com uma variação ou outra) nos subúrbios e pequenas vilas perdidas no mapa de nosso país.

As “crônicas visuais” de Quintanilha impressionam tanto pelo realismo na representação de personagens e cenários, quanto pela atmosfera de sonho e nostalgia. O aspecto antigo dos desenhos, algo próximo às fotografias pintadas a mão, é sem dúvida o maior convite para mergulhar nesse universo. Um preciosismo estético aditivado por experimentos de linguagem em torno do uso incomum dos balões de diálogo, que se adaptam aos demais elementos e por vezes usam quase todo o espaço dos quadros.

A primeira página leva o leitor a um cruzamento urbano, em que Rubem Braga (1913 – 1990), um dos maiores cronistas brasileiros, observa uma borboleta rodopiar entre prédios e árvores. Um piscar de olhos, ele já não está mais ali. Está aberto o caminho que liga os idílicos anos 50 ao mais corriqueiro sinal fechado do século 21.

Além da referência explícita a Braga, há um quê de Nelson Rodrigues e seu universo de situações ordinárias, cotidianas, por vezes levadas ao limite da tragédia. Como a vivida por Zé Morcela, trabalhador de circo que aproveita o tempo livre para beber e jogar cartas num boteco qualquer, numa cidadezinha qualquer, até perceber que comprou briga com a polícia local.

Em entrevista ao Diario, o autor mineiro diz que sua coleção de cenários e tipos humanos não vem de uma pesquisa específica, mas sim, uma atividade involuntária e constante de observação. “Mesmo que não esteja trabalhando em uma história, exercito meu interesse por fotos, literatura e objetos quase sempre ligados do passado. As histórias nascem desse conjunto de interesses se deve basicamente à minha infância e adolescência, vividas num antigo bairro operário de Niterói, chamado Barreto. Depois do fechamento das indústrias que movimentavam a região, tudo que restou foram as antigas construções e os ecos de um passado”.

Há cerca de uma década o autor lançou seu primeiro álbum, Fealdade de Fabiano Gorilla, ainda com o pseudônimo Marcello Gaú. Atualmente ele mora na Espanha, onde há sete anos trabalha com os roteiristas Jorge Zentner e Montecarlo na série Sept Balles pour Oxford. A predileção por paisagens, urbanas ou não, vem de longa data. Em 2005, ela se materializou no livro Salvador, da série cidades ilustradas.

Visualmente, Quintanilha afirma sofrer influência de diferentes estilos e propostas, algumas delas não facilmente identificáveis, como o neorealismo italiano e filmes do cinema brasileiro dos anos 60 e 70, como O homem que comprou o mundo, de Eduardo Coutinho e Bye bye, Brasil, de Cacá Diegues. “No que se refere aos quadrinhos, há uma longa tradição de histórias de caráter pessoal e evocativo, principalmente no quadrinho francês”.

*publicado no Diario de Pernambuco

Narrativas gráficas, de Will Eisner, em nova edição pela Devir

A Devir vai lançar a segunda edição de Narrativas gráficas, de Will Eisner. Assim como o clássico Quadrinhos e arte sequencial, também de sua autoria, o livro
é pioneiro na sistematização e definição dos conceitos que regem a linguagem das histórias em quadrinhos.

Usando exemplos de mestres como Harold Foster, Robert Crumb, Art Spiegelman, Al Capp e George Herriman, Narrativas gráficas é baseado no legendário curso de Will Eisner na Escola de Artes Visuais de Nova York, que inspirou gerações de artistas e estudantes.

Olavo Bilac e companhia em HQs da Domínio Público

Renato L // Diario
renatol@diariodepernambuco.com.br

O projeto Domínio público – literatura em quadrinhos, idealizado pelos pernambucanos João Lin e Mascaro (editor de arte do Diario e do Aqui PE), colocou um desafio instigante diante de um grupo de jornalistas e quadrinistas: adaptar para o universo dos comics uma série de narrativas de autores brasileiros canônicos como Machado de Assis, Augusto dos Anjos, Olavo Bilac e Lima Barreto. Lançado de forma independente em 2006, o primeiro volume retorna às prateleiras pela editora DCL, com outro formato gráfico, que reforça a riqueza narrativa e visual das histórias selecionadas.

João Lin e Mascaro aproveitam no novo projeto a experiência adquirida com a revista Ragú, produzida por eles, que já está na sétima edição – um feito e tanto em um mercado rarefeito para os quadrinhos como o nordestino. O título da nova empreitada dá uma pista dos objetivos da dupla: driblar as restrições cada vez mais contestadas das leis de direito autoral e divulgar a obra de autores muito citados, mas, às vezes, pouco lidos. “Sempre acreditamos no potencial desse produto para sair do gueto underground. O acordo firmado com a DCL nos dá uma distribuição nacional mais eficiente”, afirma Mascaro.

A entrada em cena da editora paulista tem uma explicação: o governo federal incorporou os quadrinhos ao Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), um projeto instituído em 1997 para facilitar o acesso de professores e alunos aos bens culturais. Esse mercado estatal, cobiçado por toda a indústria do livro brasileira, possibilita que uma obra como Domínio público alcance uma tiragem inicial em torno dos 15 mil exemplares. Agora, a estudantada – mas não só eles, claro – pode conhecer com mais facilidade as adaptações para quadrinhos de contos como O homem que sabia javanês (Lima Barreto), A cartomante (Machado de Assis) e O soldado Jacob (Medeiros e Albuquerque).

“Trabalhar com material desses nomes canônicos foi uma maneira de contornar a escassez de bons roteiros dos quadrinhos nacionais”, afirma Mascaro. Para escolher as duplas de adaptadores e ilustradores, ele e João Lin levaram em conta a compatibilidade dos potenciais convidados com o estilo dos contos originais. “Em alguns casos, a adaptação foi feita antes da quadrinização. Em outros, se deu exatamente o contrário. As duplas tiveram autonomia para decidir sua maneira de funcionar”, conta Mascaro. Vários jornalistas pernambucanos – ou radicados no Estado – estão entre os escolhidos pelos idealizadores, como Júlio Cavani e André Dib, ambos repórteres do Viver, e de Lydia Barros,ex-editora do Viver.

O segundo volume da série Domínio público, reunindo autores estrangeiros como Bram Stoker e Esopo, também foi publicado de forma independente e pode ser encontrado nas livrarias. Por enquanto, a DCL ainda não confirma seu relançamento nacional. Mas Lin e Mascaro não perdem tempo: eles planejam, agora, um terceiro volume, dedicado ao realismo fantástico.

Cavani Rosas lança nova HQ

Cinco histórias em quadrinhos desenhadas por Cavani Rosas são lançadas hoje (23 de abril), às 19h, em festa no bar Capitão Lima (Rua do Lima, 100, Santo Amaro), no Recife. O evento contará com a presença do autor.

As HQs formam o primeiro número da revista Argonauta (26 páginas + encarte), que será vendida por R$ 8 e R$ 15 (pacote com dois). Dentro dela, vem encartado o panfleto Alerta Geral, também com linguagem de quadrinhos, distribuído nas ruas do Recife em 1986, agora reeditado por causa de seu tema atual (a descaracterização urbana da cidade).

As histórias reunidas na Argonauta são Deixem Diana em Paz (com roteiro de Fred Navarro), Malassombrado (escrita por Bráulio Tavares), Amor à primeira vista (texto de Eddy Gomes) e Voyager (do próprio Cavani). Todos os desenhos são do artista, mas as histórias têm estilos e gêneros diferentes entre si.

Apesar de ser mais conhecido como artista plástico, Cavani começou a carreira na década de 1960 como ilustrador e quadrinista. Colaborou para publicações como Folha de São Paulo, Diario de Pernambuco, Jornal do Commercio (PE), Continente Multicultural e Le Monde Diplomatique-Brasil.

Argonauta é uma publicação totalmente independente e foi impressa na Livrinho de Papel Finíssimo Editora.

Retratos de Guerra – O Fotógrafo, de Didier Lefrève

A série francesa O Fotógrafo – uma história no Afeganistão, consagrada por trazer o testemunho sobre um país arrasado pela guerra, chega ao segundo volume de sua versão brasileira.

Seu valor não está somente nas fotografias que denunciam os absurdos belicistas, ou revelam as áridas paisagens do Afeganistão e a cultura de seu povo. Está na linguagem adotada para contar essa aventura de forma direta e fluida: a de história em quadrinhos.

O fotógrafo que dá título ao livro é o francês Didier Lefèvre.

Nos anos 80, ele acompanhou uma equipe da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) em uma expedição de três meses ao Afeganistão. Com a guerra fria dominando o mundo, o País fora invadido por tropas soviéticas. Em rápida resposta, os Estados Unidos abasteceram os rebeldes com armas e suprimentos, o que alimentou uma guerra de nove anos (1979-1988).

Quinze anos depois, as fotos e depoimentos de Lefèvre serviram de matéria prima para Emmanuel Guibert e Fréderic Lemercier produzir uma história em quadrinhos diferente de qualquer outra.

Nela, os desenhos coloridos se intercalam com pequenas fotografias em seqüência, espalhadas pelas páginas, tecnicamente conhecidas como “copião”. Graças a ao “copião”, é possível eleger qual a melhor imagem e enquadramento para ampliação. É possível acompanhar esse processo ao ler o livro: as fotos marcadas com caneta vermelha indicam o trabalho de Lefèvre. Logo após, a fotografia ampliada dá a dimensão impactante de seu olhar.

Narrada em primeira pessoa por Lefèvre, O Fotógrafo chama a atenção para o corajoso trabalho das equipes da MSF, que muitas vezes arriscam entrar clandestinamente em países em conflito para cuidar de sua população.

Criada em 1971, a organização já atuou em dezenas de guerras, sendo o Afeganistão o primeiro país a receber um projeto de longo prazo. Atualmente, a MSF mantém 22 mil profissionais e em mais de 70países, inclusive o Brasil.

No primeiro livro, a caravana cruza infinitos vales e montanhas arenosas para oferecer serviços médicos às vitimas da guerra. Além das dificuldades enfrentadas, suas fotos em preto-e-branco registraram paisagens e costumes de um país predominantemente muçulmano.

Neste segundo volume, a expedição chega a seu destino: um precário casebre que servirá de hospital para toda a região de Zaragandara. No mesmo dia, pessoas surgem com diferentes problemas, de acidentes caseiros a ferimentos graves provocados pelo conflito armado. O dia a dia dos médicos não é fácil. A procura é grande, e as condições de trabalho são terrivelmente baixas.

Uma das melhores passagens do livro se dá quando o fotógrafo, impressionado com as baixas condições de higiene e a completa falta de estrutura do local, pergunta a um médico como é possível exercer a profissão em condições tão adversas como aquela.

“Gosto muito do progresso. Os scanners, os exames complementares… Ainda bem que eles existem! Mas, quando não existem, é preciso fazer sem eles. E aí você reaprende a ficar atento, a escutar um corpo, a interpretar um suor frio ou uma linha que está ficando azul. Você reaprende a essência da profissão”, responde o médico.

Ao contrário dos colegas médicos, esta foi a primeira visita de Lefèvre ao Afeganistão – ele retornaria ao País algumas vezes, inclusive durante a guerra provocada pelos atentados de 11 de setembro. Além disso, esteve em outros países acompanhando os MSF, como Libéria, Kosovo, Sri Lanka e Camboja. A atividade o tornou mundialmente conhecido.

Lefèvre morreu aos 49 anos, em janeiro do ano passado, vítima de um ataque cardíaco. Algumas semanas antes, foi premiado pelo salão de Angoulême pelo terceiro e último volume de O Fotógrafo. Seu trabalho continua disponível na internet, através do site Digital Roads.

De acordo com a assessoria de imprensa da Conrad, O Fotógrafo Vol. 3 será lançado no Brasil ainda este ano.

FOTOJORNALISMO OU QUADRINHOS?
O Fotógrafo é um livro de fotojornalismo ou de quadrinhos? Por usar das duas linguagens de forma inédita, configura algo híbrido, quem sabe um novo produto de comunicação.

O jornalismo em quadrinhos é quase tão antigo quanto a imprensa. No Brasil do século 19, por exemplo, o pioneiro Ângelo Agostini denunciou abusos contra escravos através de desenhos legendados em seqüência nas páginas dos jornais.

Apesar da longevidade do gênero, reportagens em quadrinhos ganharam notoriedade a partir de 1992, quando Art Spiegelman, filho de judeus poloneses, ganhou o prêmio Pulitzer por Maus – relato de um sobrevivente.

O reconhecimento público trouxe à tona relatos de guerra em quadrinhos publicados anteriormente, como a série GEN Pés descalços¸ em que o japonês Keiji Nakazawa faz um emocionante relato sobre os absurdos da guerra e como sobreviveu à bomba de Hiroshima. E abriu caminho para uma nova geração, cujo maior representante é o jornalista e desenhista Joe Sacco. Entre seus livros estão Palestina – uma nação ocupada, Sarajevo e Área de Segurança: Gorazade, todos publicados no Brasil pela Conrad Editora, a mesma que agora traduz O Fotógrafo.

Por sua vez, a fotografia de guerra começa em 1854, na Guerra da Criméia, registrada pelo inglês Robert Fenton. A partir dos anos 1920, fotógrafos ganharam agilidade e mobilidade com as máquinas portáteis. Seu auge aconteceu no Vietnã – o maior exemplo é a imagem de uma garota correndo com o corpo queimado pelo napalm, que fez a opinião pública mundial voltar-se contra a ocupação norte-americana.

Ao contrário das atuais coberturas de guerra, em que notícias impessoais são produzidas à distância a partir de material de agências internacionais, o testemunho visualmente instigante de O Fotógrafo é mais uma prova de que os quadrinhos podem tratar temas complexos como a guerra com mais profundidade e humanismo do que na anestesiada grande mídia.

** originalmente publicado no Caderno B da Gazeta de Alagoas.

Coleção Olho de Bolso tem lançamento em São Paulo

A coleção Olho de bolso será lançada em São Paulo, será neste sábado, 29 de março, 19h30.

O evento será na HQ Mix Livraria – Praça Roosevelt, 142, Centro, telefone pra informações: (11) 3258-7740.

Abaixo, texto do release:

Entre os meses de agosto de 2007 e fevereiro de 2008 doze publicações autorais chegam às ruas, ou melhor… Às mãos, olhos e bolsos do Recife. Doze autores das mais variadas vertentes do trabalho imagético foram estimulados a criar um livreto de baixo custo e alta qualidade. Eram eles ilustradores, designers, grafiteiros, cartunistas, quadrinistas, artistas plásticos e um ator de teatro. Todos realizaram suas obras em tamanho A6 e no máximo 32 páginas. O resultado é uma fascinante coleção entre os mais variados universos visuais. Antes restrito ao circuito recifense e agora lançada em São Paulo.

Imagens em trânsito pela cidade. Coleção habitual e urgente. Pensamento icônico do viver e traduzir a experiência partilhada da criação, da recriação, da modificação das coisas do mundo pelo olhar do desenho e da escrita. As poéticas traçadamente desenhadas pelas mãos dos autores revelados, reunidos, religados pela sensação do olhar o mundo, o sonho, fazem desta coleção, já, uma raridade. Mas o que encontrar nessas páginas vindas do Recife?

O abrir do livro, do livreto, abre a imaginação, conduzindo-nos a novas letras, diálogos e outras tantas narrativas ilustrativas que confidenciam algo visual a nos tornar cúmplices, leitores. Há poesia, brincadeira e provocação, como é, sempre, na vida latente e periférica.

Idéia dos novos, muitos nomes e possibilidades de edições outras e variadas. Os de agora são: Laerte Silvino, Serjão, Rodrigo Braga, Maurício Castro, Galo, Greg, Moa, HKE, João Lin, Rosinha, Zaza e Mascaro. Publicação independente da capa a contracapa, pelo meio, mais para cima ou para baixo, no bolso da gente. Livros de qualidade autoral promovendo a parceria entre a Livrinho de Papel FinÍssimo Editora e a RagÚ zine, com apoio institucional da Associação Cultural e Musical da Barriguda e patrocínio da Prefeitura da Cidade do Recife.

Curso de quadrinhos autorais no Recife

Estão abertas as inscrições do Curso Autoral de Quadrinhos. Ele acontece em Recife, de 15 de março a 28 de junho. Dez vagas disponíveis.

Quem promove o curso é o Centro Pernambucano de Design
. As aulas são aos sábados, de 9h às 13h, A mensalidade é de R$ 120, com material e apostila inclusos.

Os professores são Vítor Batista e Henrique Koblitz, artistas gráficos do coletivo editorial Livrinho de Papel Finíssimo.

Segundo eles, o objetivo do curso é a “formação de novos autores no universo da arte seqüencial, tendo como principal enfoque as histórias em quadrinhos e seus incontáveis gêneros difundidos ao redor do mundo. Métodos de trabalho, recursos narrativos, simbologia e lingüística, criação de personagem, aulas de desenho, mídia digital, produção independente e a potencialidade da livre informação serão alguns dos principais tópicos a seres explorados”.

O Centro Pernambucano de Design fica no segundo andar da Casa da Cultura (Rua Floriano Peixoto, bairro de Santo Antônio). Informações e inscrições pelo telefone 3424-2158, ou direto com os artistas: Vitor Batista – 8634.4683 e Henrique Koblitz – 8830.0479.

"Eles querem que a gente morra. Aí a gente vai e vive. Isso é humor"

Assim como o cinema brasileiro tem Glauber, os quadrinhos têm Henfil.

A frase acima é dele. Boa também para marcar minha volta às atividades de blogueiro. Fiquei um tempo “fora do ar” por motivos de trabalho (que não este).

Hoje amargamos 20 anos sem Henrique de Souza Filho (1944-1988). Hemofílico, ele foi uma das primeiras vítimas da AIDS, entre os brasileiros famosos. Numa transfusão de sangue, contraiu o vírus.

Hoje ele vive em cada cartunista que se considere pensante, e dá nome a duas gibitecas, uma em São Paulo e outra em João Pessoa.

A favor de uma linguagem nacional para os quadrinhos, Henfil se recusava a desenhar tirinhas. Daí (alguns) jornais brasileiros passaram a publicar quadrinhos num formato com quatro ou seis quadros por história. Quem me disse essa história foi RAL, em entrevista, alguns meses atrás.

Para saber mais sobre este gênio do traço, recomendo o livro O Rebelde do Traço: a Vida de Henfil , escrito por Denis de Moraes.

As imagens desta postagem são reproduções de uma homenagem de Glauco e Laerte feita nos anos 80, e republicada em 2006 no livro Seis Mãos Bobas (Devir Livraria).

E viva Henfil!

Lost Girls – Volume 2: as terras do nunca

Estas são as poucas cenas “censura livre” contidas no segundo volume da trilogia em quadrinhos Lost Girls (Devir Livraria, 112 páginas, R$ 65), de Alan Moore e Melinda Gebbie. Nele, as meninas crescidas Alice, Dorothy e Wendy continuam explorando a amizade íntima que construíram, enquanto narram umas às outras as aventuras sexuais que as lançaram, quando adolescentes, aos fantasiosos universos do País das Maravilhas, Oz e Terra do Nunca.

Tudo se passa em 1913, nas dependências de um luxuoso hotel austríaco. Sob a tutela de Alice, a mais experiente do trio, elas conduzem o leitor a um mundo de prazeres sensoriais e perceptivos.

Em entrevista ao jornalista Diego Assis, Alan Moore diz que Lost Girls só foi possível graças à extraordinária relação de intimidade desenvolvida com sua companheira, a desenhista Melinda Gebbie, que permitiu a ambos expressar suas mais profundas fantasias sexuais.

Ele ainda explica que, apesar de não ter a intenção de chocar ninguém com o livro, ele se coloca contra a hipocrisia ocidental de reprimir o sexo no dia a dia, ao mesmo tempo em que o torna objeto de lucro de uma indústria cultural de bens de consumo.

As terras do nunca está ainda mais picante, poético e exuberante do que o primeiro livro, Meninas crescidas. Aqui, entende-se pelo viés psicanalizante, quem é o gato sorridente de Alice e o Capitão Gancho, um senhor pedófilo que estragava as brincadeiras de Peter Pan, Sininho e Wendy.

Lost Girls, a HQ que devolveu à pornografia ao estado da arte.